Pedra do Sal

"A comunidade do Morro da Conceição, que perifericamente engloba a Pedra do Sal e está englobada no bairro da Saúde, entende e compreende a si própria de maneira singular. Haja visto a estranheza que se nos apresentou no momento em que, mal havíamos chegado ao lugar e fomos, então, recebidos calorosamente com algumas saudações intimistas de 'boa tarde', como que reconhecendo ali elementos de 'fora'. [...]

Na Pedra do Sal, reuniram-se colonizadores, escravos, imigrantes, sambistas, e foliões, sem, contudo, no momento em que se reuniam, se terem auto-categorizado dessa forma. A Pedra do Sal [...] serviu, com o passar dos tempos, como local de aportamento, de trabalho, de desembarque, de encontros e desencontros. [...]

As mãos que a construíram eram mãos africanas. O Rio africano de hoje compreende esta escadaria de outro modo. É um monumento histórico deixado pelos seus antepassados. [...]

A Pedra do Sal, que já também deu origem: ao Angu do Gomes; e ao bloco carnavalesco de Ipanema, Escravos da Mauá; hoje dá abrigo[...] à feijoada do projeto Sal do Samba. [...]

A Pedra do Sal passa de 'monumento africano' a 'monumento brasileiro', de 'monumento escravo' a 'monumento do samba'. A feijoada que hoje acontece durante o projeto Sal do Samba readapta estes valores, e passa a trabalhar com um desejo de rememoriar o passado escravo em função do samba, e o passado do samba em função da novidade. [...]

Está ali, a Pedra do Sal, e, ao redor dela, o movimento dos corpos que ela própria agrega, os elétrons a girar em torno do núcleo, os planetas que orbitam um único sol.

A Pedra do Sal é o fator de identidade de uma comunidade repleta de identificações diferentes que se completam e complementam, circundando-a e inundando-a de vida. É uma área de proteção ambiental, um patrimônio histórico e cultural, um reduto do samba e da feijoada, um ponto de referência, um escorregador para as crianças, uma escada para os passantes, uma pedra. Nada mais que uma pedra."


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Da mini-série Histórias da vida e da Saúde. O trecho é um extrato do trabalho homônimo.

Decidi iniciar esse série depois de muito pensar se valia a pena. O caráter anedótico me faz recear que seu lugar não seja no Overmundo, mas resolvi compartilhar algumas histórias – fruto de uma breve pesquisa de campo da época da faculdade – com os amigos. O objetivo não é muito mostrar o que acontece pelas redondezas hoje, nem apontar esse ou aquele pontão turístico, mas mostrar pequenos pontinhos que dão outra idéia dum pedaço tão pouco conhecido do Rio.

O trabalho de campo, não me furto a lembrar, foi idéia do Gabriel Varela, dono da máquina e de algumas dessas fotos, quiçá. Eu queria ir à Paquetá e ele queria o Morro da Conceição. Foi lá que acabamos, e eu não tenho muito do que reclamar.