1º de Maio: Desempregados do mundo, uni-vos!

Dirce Pereira
Dados oficiais: 1,3 milhão de pessoas estiveram na festa da Força Sindical
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Júlia Tavares · Belo Horizonte, MG
22/5/2007 · 131 · 7
 

“Já me acostumei com seu jeitinho de falar no telefone/ Besteirinhas pra me provocar/ Quando eu te pegar "cê" tá perdida/ Vai se arrepender de um dia ter me tirado do meu lugarâ€.

Morena, costas à mostra e cabelos embebidos em creme para pentear, a moça Delamarqui, 15 anos, acompanhava cada palavra do playback do grupo de pagode com um sorriso enorme. “Ainda bem que a gente chegou a tempo de ver o Exaltasambaâ€, comemorava ela, acompanhada da prima Regiane, de 17, e a tia Iara, 59. A alegria de estar a 1 quilômetro dos ídolos parecia fazê-la esquecer, momentaneamente, do calor do meio dia e do aperto que a mantinha imobilizada no meio da multidão composta por 1 milhão de pessoas que foram à festa do 1º de Maio da Força Sindical. Pena que a fã só escutou mais aquela música.

Ao encerrar a concorrida apresentação de cerca de três canções, um dos integrantes do grupo – cabe aqui um pedido de desculpas da repórter que, ignorante, não arrisca dizer quem era quem – cumprimenta Paulinho, presidente da Força, com intimidade. Para sintonizar-se com o lema ambientalista do “maior 1º de Maio do mundoâ€, manda seu recado: “Evitem comprar móveis com madeira de lei. Vamos fazer nossa parteâ€, aconselhou.

O palco do Campo de Bagatelle, zona Norte da cidade, pelo qual passaria em seguida Zezé di Camargo e Luciano, Daniel, Fábio Jr., Mastruz com Leite, Frank Aguiar e outros não tão famosos como César Menotti e Fabiano, Cezar e Paulinho, Hugo e Tiago, Gino e Geno e Boka Loka, foi compartilhado com personalidades menos aplaudidas como Carlos Lupi (ministro do Trabalho), Luiz Marinho (ministro da Previdência), Gilberto Kassab (prefeito de São Paulo), Cristovam Buarque (senador), Eduardo Suplicy (senador) e Paulo Skaf (presidente da Fiesp).

O time das autoridades bem que tentou apresentar algumas bandeiras políticas de reivindicações dos trabalhadores junto ao Congresso Nacional, como a manutenção do veto presidencial à Emenda 3 – que elimina o poder de ação dos fiscais da Receita Federal e permite que as empresas contratem trabalhadores sem registro em carteira. Mas o povo queria mais música. E queria o sorteio.

Neste ano, a Força sorteou 10 carros Celta e 5 apartamentos de 52 metros quadrados, no valor de R$ 50 mil. Folha e caneta em mãos, o jovem Daniel era um dos que esperavam o momento do sorteio. Mesmo tendo se perdido da namorada, manteve, com seriedade, a responsabilidade de anotar os resultados.

Bem perto de Daniel – e tinha outro jeito? – o trio feminino continuava imobilizado. “Aqui não dá para ver nada, vamos lá pra frenteâ€, insistia, em vão, a fã do Exaltasamba. Mas a tia já estava conformada e sabia que, dali, não sairia nem se quisesse. Dá-lhe sufoco, suor, sacanagem. Do alto de seus 59 anos, segurando três mudas de pau-brasil distribuídas na entrada da praça, ela sabia como se defender de homens bêbados e mal intencionados. “Não vem para passar a mão que eu arranco o pinto fora!â€, gritava, nervosa, para depois virar-se ao palco e cantar, com outro artista, o hino da Farofa.

“Comprei um quilo de farinha/ Pra fazer farofa/ Pra fazer farofa/ Pra fazer farofa-fa.â€

- “Quem são esses caras?†– pergunta Delamarqui.
- “Sei lá, nunca vi na vida! Ah.. eu vi uma vez no Raul Gil!†– responde a prima, que, apesar de jovem, procura emprego há três anos. “Sempre esbarro na falta de experiênciaâ€, conta ela, que participa da festa do 1º de maio desde 2002. “É uma oportunidade pra gente que não tem condição de ver esses showsâ€, explica.

Em seguida, veio o intervalo. As hordas de jovens sem camisa se movimentavam num violento empurra-empurra, capaz de derrubar quem não entrasse na dança.

Coração de Sampa

Santana à Sé. Da Sé à República. Algumas estações de metrô separavam a festa da Força e a da CUT - Central Única dos Trabalhadores, no histórico cruzamento da avenida Ipiranga com a avenida São João cantado por Caetano Veloso. Para entrar na área, cercada com grades, a polícia militar fez uma revista mais intensa. Uma família inteira foi barrada com duas garrafas de vinho Chapinha e com copos de vidro dentro de uma mochila. Tiveram que beber do lado de fora.

“Eu não quero mais sofrer/ Vou provar que sou capaz/ Fiz um samba pra dizer/ Que eu já não te amo mais.â€

O clima na região era mais ameno. Em meio à massa predominantemente jovem, casais e famílias com crianças pequenas assistiam ao show ao vivo de Leci Brandão, que durou cerca de meia hora. As mensagens da sambista, inclusive, iam além do tema ambientalista, também adotado pela CUT. “Quero mandar um recado pro Lula e pro Ministério da Defesa: vamos parar de repreender a galera da juventude, que tá sempre sob pressão!â€, disse ela, sob fortes aplausos, pedindo que o Congresso faça uma reflexão mais profunda sobre a lei da maioridade penal: “Cuidado para não acabar com o jovem de 14 e 16 anos que precisa ter oportunidade. Tem que ter acesso, tem que ter inclusão!â€.

O fato é que o público da CUT abrigava companheiros que – pasmem – não foram à festa só por causa dos shows. Era o caso de Melquíades, 53 anos, ligado ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que, como Lula, não compareceu neste ano à tradicional missa na igreja da Matriz, em São Bernardo do Campo.

O homem de olhos claros e pele morena veio da Bahia em 1973, empregou-se numa fábrica da Black & Decker em Santo André e viveu o epicentro do movimento sindicalista que lançaria o presidente no cenário político nacional. “O 1º de Maio de 80 foi memorável, com o exército cercando as ruas. Tinha até helicóptero. Mas todo mundo sentou no chão e eles viram que não tinha jeitoâ€, diz ele, lembrando da repressão na época das greves e das assembléias lotadas.

Ganhando dinheiro como trabalhador temporário, Melquíades havia saído de uma empresa na semana passada. Outros tempos.

Alguns metros à frente, onde o cheiro de maconha era mais forte, Maria da Penha, de 48 anos e desempregada, esperava o show de Zeca Pagodinho: “A parte política não me interessaâ€. Enquanto isso, o mesmo Suplicy, que algumas horas antes figurava no palco da Força Sindical, fazia seu rápido discurso no terreno da CUT. Em seguida, os telões exibiram propaganda institucional do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, com duração de 3 minutos.

“Deixa acontecer naturalmente/ Eu não quero ver você chorar/ Deixa que o amor encontre a gente/ Nosso caso vai eternizar.â€


Eis que entra a banda Revelação. A multidão adolescente se emociona e canta junto. A turma de cinco jovens de Pirituba, zona Oeste, não quis ficar fora da festa. Maicon, de 17 anos, é mais direto: “Vim ver mulher!â€. Questionados sobre por que escolheram vir aos shows da CUT e não aos da Força, respondem em coro: “A festa da Força Sindical é mais longeâ€. Pelo visto, estarão de volta no ano que vem.

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Antonia Regina
 

êee julinha!!!
Que delícia ler esse texto sobre essa confusão mais que não está nada confuso!!! Cada vez melhor! Me netransportei para toda aquela bagunça!!Amei!!!
Saudades!!!

Antonia Regina · Osasco, SP 22/5/2007 01:46
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Leandro Lopes
 

Julita!!!! Saudade da gota das suas palavras, mulé! É isso aí!

Leandro Lopes · Belo Horizonte, MG 22/5/2007 09:17
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LAILTON ARAÚJO
 

AMIGA JÚLIA!

Bela reportagem em forma de crônica...

Tudo o que você escreveu reflete o Brasil do "besteirol"...

Participei de várias festas no "1º de maio" (como artista) - antiga CGT, CUT, PCdoB e outras entidades de esquerda - "tive" o privilégio de ter uma foto ao lado de "Lula", "Fidel Castro" e alguns líderes políticos...

Valeu à pena? Pobre Brasil! Pobre povo brasileiro! Pobre povo latino-americano! Pobre povo do planeta Terra!

A humanidade caminha... E daí!

Você está convidada a publicar seus textos (muito bons) nos meus blogs:

http://lailtonaraujo.blog.terra.com.br

http://lailtonaraujo.blig.ig.com.br/

Continue escrevendo e analisando os fatos!

Renasce o jornalismo crítico!

Beijão!

Lailton Araújo

LAILTON ARAÚJO · São Paulo, SP 22/5/2007 12:20
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Fernanda Versolato
 

ê Juju! Gosto de como vc revela os personagens das histórias que você reporta! É verdadeiro, é humano.
Beijos

Fernanda Versolato · São Paulo, SP 22/5/2007 15:00
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Júlia Tavares
 

obrigada a todos! esse texto é fruto de uma aventura de marinheira de primeira viagem nessas festas. não escrevi no texto, mas furtaram meu celular no meio da multidão da força sindical.. não é o cúmulo?!
beijos, júlia.

Júlia Tavares · Belo Horizonte, MG 22/5/2007 15:27
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Marcelo V.
 

Ótima descrição.

Marcelo V. · São Paulo, SP 22/5/2007 16:03
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Joca Oeiras, o anjo andarilho
 

Querida Julia:
Seus olhos não parecem ser os de um marinheiro de primeira viagem. Pelo menos o seu olhar sociológico (o psicológico talvez estivesse desatento na hora do furto). Pela descrição que fez, você sabia direitinho o que iria ver em cada um dos eventos, e soube dirigir seu olhar.Parabéns!
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Joca Oeiras, o anjo andarilho · Oeiras, PI 19/6/2007 22:05
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