Os homens se vestem de mulher. Usam até maquiagem. São todos negros. A dança e a música vêm da Ãfrica e são usadas para louvar santos da igreja católica. A igreja, por sua vez, apóia o movimento, apesar dos maracás, pandeiros, triângulos e bumbos que fazem lembrar as músicas de um culto afro. É o samba do crioulo doido? É não! Falo dos Congos de Oeiras, um dos mais representativos grupos de congo do paÃs.
Para quem não sabe, Oeiras foi a primeira capital do Piauà e guarda hoje boa parte do patrimônio histórico e cultural do Estado. Lá existe um bairro que antigamente, nos tempos do Brasil Colônia, era habitado apenas pelos negros. Foi no bairro do Rosário que o grupo de congo se formou e começou a louvar em terras piauienses a santa de devoção dos africanos que viviam escravizados no Brasil, Nossa Senhora do Rosário. Havia na época duas igrejas em Oeiras, a de Nossa Senhora das Vitórias (padroeira do Estado), que foi a primeira igreja do Piauà e na qual os negros não podiam entrar; e a de Nossa Senhora do Rosário, que guarda até hoje a marca da segregação da época da escravidão: uma linha que divide o espaço onde os negros eram obrigados a ficar.
Voltemos a 2006. O grupo que existe hoje não tem ligações de sangue com os primeiros congueiros. É bom ressaltar que o Congo acabou em meados de 1937 – os motivos ninguém sabe ao certo, talvez por causa da proximidade do perÃodo das guerras; ou pela chegada do ‘progresso’ a Oeiras, em forma de luz elétrica; pode ter sido também pela migração dos homens simples em busca de melhores empregos e salários no sul maravilha...enfim, segundo os próprios congueiros de hoje, não há um consenso sobre os motivos.
O certo é que a tradição foi resgatada em 1985 e desde então o grupo vem crescendo e contribuindo para o aumento da auto-estima do povo negro lá do bairro do Rosário. O que era apenas uma festa local agora começa a ganhar o Brasil. Esta semana os Congos de Oeiras estão participando pela segunda vez do Festival do Folclore de OlÃmpia, no interior de São Paulo, que reúne os melhores e mais representativos grupos folclóricos do paÃs.
“Seu†Sebastião Vital de Sousa, 57 anos, é um dos fundadores do grupo. Ele fala orgulhoso da participação no Fefol do ano passado e das suas expectativas para este ano. “O que mais me marcou foi ver o povo lá de OlÃmpia, acostumado a ver os melhores grupos folclóricos do Brasil, dizer que nós somos o mais autêntico grupo de congos. Disseram isso porque não estilizamos nada, dançamos e cantamos da mesma forma como era feito no começoâ€, diz.
Na apresentação dos congueiros de Oeiras não existe uma divisão entre quem canta, quem toca e quem dança. Todos os homens fazem tudo, ao mesmo tempo. Isso é que é bonito de ver.
Perguntei ao Albino Apolinário, outro congueiro, quantas vezes eles ensaiavam por semana. Sim, porque vendo a sintonia no palco dá para pensar que eles não fazem mais nada, só entoam seus cantos e ensaiam seus passinhos marcados. Que nada! “A gente só ensaia quando tem alguma apresentação. O grupo é muito sintonizado e todo mundo sabe direitinho o que tem que fazer, quando tem alguma apresentação especial como hoje (eles se apresentaram no Teatro João Paulo II, em Teresina) ou o Festival de Folclore, a gente ensaia uns dias antes, mas só para desenferrujar mesmoâ€, revela.
Os Congos de Oeiras tradicionalmente se apresentam na cidade natal em duas datas especÃficas: os festejos de São Sebastião e São Benedito, em janeiro, e de Nossa Senhora do Rosário, em outubro. “A gente canta e dança na frente das igrejas, os padres e os católicos apóiam e aplaudem, mas de longeâ€, comenta Washington LuÃs, um dos mais novos do grupo. Vale lembrar que entre os maiores incentivadores do renascimento do grupo estão um padre – Pe. João de Deus - e uma freira – Irmã Filomena - que acompanharam tudo desde o inÃcio e trabalharam no bairro do Rosário durante muito tempo.
É ele quem explica o porquê de os congueiros usarem roupas de mulher. “Antigamente, só as mulheres podiam louvar a Nossa Senhora. Não ‘ficava bem’ que o homem também fizesse isso. Então os mais devotos pegavam emprestadas as roupas e maquiagens das suas senhoras e iam louvar a santa, cantando e dançando como as mulheresâ€.
E falando nas mulheres, qual o papel delas nessa história toda? “Cuidamos das roupas e das maquiagens deles, lavamos, passamos e organizamos tudo para que a apresentação saia perfeita. E sempre que é possÃvel, viajamos para acompanhar nossos maridos e filhosâ€, explica dona Maria Lúcia de Sousa, mulher do “seu†Sebastião.
Ela diz que os Congos são um dos grande orgulhos de Oeiras e principalmente dos negros do bairro do Rosário. “É uma coisa bonita de ver, gostosa de ouvir. Todo mundo que assiste gosta, isso para nós é importante, aumenta nossa auto-estima e dá força para continuar com o grupoâ€.
Quem estiver por perto de OlÃmpia essa semana não pode deixar de ir conferir o 42º Fefol. As apresentações dos Congos de Oeiras acontecem nos dias 12 e 13 de agosto.
Para entender o Congo:
Os congos vieram da Ãfrica e representam basicamente a atividade de uma corte africana, que recebe a visita de um embaixador de outro paÃs. O rei conta com a ajuda do seu ordenança e do secretário para convencer o visitante a louvar a Virgem do Rosário e a fé do seu povo.
A música é bem ritmada e a dança é feita com pulinhos e muita ginga, que fazem rodar as saias dos congueiros. Eles usam chapéus afunilados e tocam algum instrumento: maracás de flandres, bumbos, triângulos e pandeiros.
Existem grupos em vários cantos do Brasil, mas poucos se mantém fiéis às origens africanas, o de Oeiras é um deles.
Ressucitar tradições culturais sempre é bom... especialmente quando isso não acontece motivado por alguma tecno-bobagem moderninha (sim, tenho uma opinião firme sobre esses caras que viajam pro interior, copiam descaradamente - sob a máscara de uma pseudo-pesquisa musical - os ritmos tradicionais, colam umas batidinhas no computador feitas sob medida pra agradar uma garotada mtv-made que sequer sabe pra que lado é o Nordeste, e saem por aà se achando cool demais). Os congos são um exemplo de resgate de verdade.
Eduardo Neves · Teresina, PI 10/8/2006 10:32Uma dúvida que pode ter passado batida na leitura da matéria - só os homens participam da dança?
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 10/8/2006 12:59Oi Thiago, só os homens dançam sim...as mulheres ficam só no backstage, hehehe.
Natacha Maranhão · Teresina, PI 10/8/2006 13:13Adorei, Naty, me lembrou a Dança do São Gonçalo, em que os homens dançam de saias, mas lá uma única mulher participa.
Marcelo Rangel · Aracaju, SE 10/8/2006 18:49
textinho que escrevi sobre os Congos de Oeiras para o encarte dos CDs do projeto Música do Brasil:
No ano de 1533, em Lisboa, aparece o primeiro registro da coroação de um Rei de Congo pelos membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. O costume se espalhou rápido por toda a colônia brasileira: há notÃcias da reunião de negros africanos numa Confraria do Rosário, já em 1552, em Pernambuco. Desde então o Brasil convive com milhares de reis, majestades coroadas de congos e congadas. Em Oeiras, que já foi capital do PiauÃ, dizem que os congos apareceram com os escravos trazidos do Pará pelo primeiro governador daquela capitania, e foram dançados por séculos afora, até 1937. Quase 50 anos depois de seu “desaparecimentoâ€, essa brincadeira foi recriada por uma nova geração de negros e mestiços (que também atuam no grupo Meninos do Pagode). Na falta dos instrumentos antigos, vale atabaque, contra-surdo, pandeiro, reco-reco, triângulo. É um bom exemplo de como uma tradição ressurge com força total, incentivada também pela música que se ouve no rádio. Samborá é a primeira dança dos congos, logo após o canto de louvação para São Benedito, realizada, para não perder o costume, em frente à igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Acompanhei todos os preparativos para a viagem dos Congos em direção a OlÃmpia e estava lá no Largo do Rosário quando o onibus que os levou a OlÃmpia saiu, no último dia 9 de agosto à s 10horas da manhã. Vi os grandes baús de madeira, que levam os seus instrumentos, serem pintados de novo, vi as roupas cuidadosamente passadas, dobradas e guardadas nas caixas de papelão.Vi o panelão de "fritos" que será servido na viagem e presenciei as depedidas emocionadas dos que ficaram. Sob o "efeito OlÃmpia" eles estão com a corda toda. Muito oportuna, como sempre, a matéria da Natacha. Só uma pequena correção, Natacha: eles são Congadeiros e não Congueiros, ouviu meu bem!
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho
Hermano, seu comentário é o que se pode chamar de "auxÃlio luxuoso" pra essa matéria, hehehe.
Joca, obrigada! Congadeiros, então! E que arrasem em OlÃmpia, né? A viagem deve ter sido super animada!!
beijo, Du, Marcelo e Thiago
Parabéns pela matéria, natacha! Bom saber notÃcias do nosso Brasil por ai afora...dá vontade de pegar o primeiro "trem" pra ver e ouvir isso tudo pessoalmente!
Maria Maria · Rio de Janeiro, RJ 11/8/2006 21:08Natacha, ótima matéria. Novidade pra mim, que adorei conhecer seus congadeiros. Aqui no ES, também tem congo, bem forte, mas é bem diferente, e a gente fala congueiro mesmo.
Ana Murta · Vitória, ES 29/8/2006 16:01Só gostaria de lembrar pro Hermano que o Congo de Oeiras continua esperando uma cópia do Musica do Brasil que lhes foi prometido, sou documentarista e estou tendo dificuldades para realizar um doc com eles em função de algumas promesas não compridas.
Alexander Galvão · Teresina, PI 12/9/2006 15:00O Música do Brasil foi enviado para todos os grupos que participaram do projeto e para mais de 1.500 bibliotecas públicas espalhadas pelo Brasil afora. Pelo menos foi isso que a produtora do projeto me garantiu. Vou tentar saber o que aconteceu com o material enviado para Oeiras (para quem foi enviado etc.) Muito obrigado pelo aviso.
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 14/9/2006 19:37
Acho que o que o Hermano quis dizer com o fato de que após anos um grupo de pessoas retomarem com instrumentos variados o congo de Oeiras, é o fato de que as tradições são boas, merecem registro, respeito, não devem ser manipuladas por pessoas que visam tirar proveitos escusos sem ética ou caráter nos propósitos, que as tradições nascem de movimentos e os movimentos continuam, e fortes. Porém não podemos nos tornar defensores de um purismo etnocêntrico que isola os participantes da realidade e da contemporâneidade dos fatos: ìndio não anda pelado, congadeiro vê TV a cabo e estamos no 3o. milênio!!! Relativizemos! O próprio Música do Brasil mostra bem isso! Viva os congadeiros e congueiros (ambos valem!!!) de Oeiras e sua tradição e modernidade! Viva o Brasil de hoje, ontem e sempre!!! O que vale é que somos brasileiros e já temos uma cultura nossa!
Abraços,
Fabio
Poies é, a mim a quem nada toca o cristianismo acabo de ficar alegre com o Papa: é que ele atrapalou o transito em SP e voltei cedo.... Abrir o Over e deparei com coisa do Piaui, (nao é que eu sou de Gilbués, extremo Sul de lá). De todas as formas o Reino do Congo se mantém e um dia renascerá. Poucos sabemos que para matá-lo das memórias a Europa o recriou no final do Séc. XV, .. mais duas vezes foi recriado, esquartejado. O Reino do Congo foi conteporâneo do Império Grego, etc. Historia para Spirito Santo. Mas foi bom "rever o meu PiauÃ".. legal, andre.
Andre Pessego · São Paulo, SP 9/5/2007 18:09
Querido André:
Tem muitomais Piauà no overmundo! Permita-me propor-lhe que faça uma visita a outros textos meus e de outros piauienses, embora eu seja paulistano de nascimento. Mas isto é uma outra história.
beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho
Querida Natacha e demais amigos:
Agora os Congos de Oeiras, que mais uma 3ª vez estiveram em OlÃmpia e se apresentaram no 43° Fefol, acabam de criar um Blog.
Vejam lá1
http://www.congosdeoeiras.blogspot.com/
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