A Casa da Ãrvore e o estado vegetativo

1
daniel valentim · Juiz de Fora, MG
6/3/2006 · 88 · 3
 

Seis bandas, doze canções e uma vontade em comum de expandir fronteiras. A coletânea A casa da árvore foi criada como uma maneira prática de driblar as dificuldades financeiras e as barreiras de divulgação que os grupos roqueiros da cidade sempre enfrentaram. Mas veja como as coisas são: o disco está pronto desde julho do ano passado, tanto a masterização do CD quanto a arte do encarte; o projeto foi aprovado naquele mesmo mês pela Fundação Villa-Lobos (FVL), da prefeitura de Manaus, que se comprometeu a prensar uma tiragem de duas mil cópias até outubro de 2005. Depois passou para 1,5 mil CDs em novembro, que acabaram ficando para dezembro, pulando para janeiro de 2006 e, agora, novamente prometidos para abril, com a paralisação dos projetos pela transformação burocrática da FVL em Secretaria Municipal de Cultura.

Para entender o caso, vamos por partes:

Da situação

Tudo bem que a internet desconhece geografia e hoje se configura como o meio mais democrático e barato para a divulgação irrestrita de qualquer coisa sobre qualquer coisa; mas ainda assim, as bandas manauaras permanecem praticamente no mesmo isolamento a que sempre foram submetidas devido às distâncias amazônicas. De ônibus ou de carro, não se vai longe; não se vai para fora do Amazonas porque passagem aérea é cara; e a principal via de acesso ao interior é fluvial, demorada e dispendiosa. Mesmo que uma banda decidisse fazer uma turnê só pelo Estado, por exemplo, ela só se pagaria com patrocínio, o que nos leva a um outro ponto.

No Amazonas, não há dinheiro fora de Manaus - a não ser quando se leva em conta o tráfico de drogas nas proximidades da Colômbia. 80% a 85% de toda a arrecadação do Estado vêm somente da capital, e o principal responsável por essa soma é o Pólo Industrial de Manaus (PIM), a polêmica Zona Franca. Como todas essas empresas instaladas no nosso Distrito, nacionais e multinacionais, já são isentas de imposto por aqui, nenhuma investe em cultura no próprio Estado; toda essa verba fica no Sudeste, onde há mais possibilidades de isenções por meio das Leis de Incentivo à Cultura.

Bem, então sobra Manaus para se trabalhar, uma capital cheia de bandas com trabalhos próprios de qualidade, muitas delas com dez ou mais anos de estrada, mas onde impera uma certa "ditadura do cover". Para tocar nas casas noturnas de maior público, é preciso ter um repertório médio de 40 canções, sendo que apenas duas ou três delas podem ser da própria banda, o resto é clássico ou sucesso de rádio. Quem quer mostrar suas próprias músicas toca nos bares mais underground, que são muito bacanas mas não oferecem retorno financeiro; ou nos espaços mantidos pela Secretaria de Estado da Cultura, que pagam muito bem e por isso são disputadíssimos. Quando os editais são abertos, no início do ano, cada banda consegue, em média, três ou quatro apresentações no ano todo.

Da idéia

Aí você se pergunta, o que isso tudo tem a ver com gravação de disco? Em Manaus não há gravadoras nem selos independentes, e gravar um disco com qualidade razoável ainda sai muito caro, pois mesmo com a proliferação de equipamentos digitais, mais baratos, há pouca gente trabalhando nessa área, e, menos ainda, quem conheça as artimanhas do rock em estúdio. Para se ter uma idéia, os primeiros CDs de rock gravados em Manaus saíram em 2003, no projeto chamado Valores da terra, da FVL. Antes, só uma coletânea bancada pela mesma Fundação em 2001, de qualidade técnica no máximo mediana, porque as bandas não tinham experiência nenhuma de estúdio, nem os técnicos tinham muita noção de timbragem e métodos de gravações mais afeitos ao rock.

Resumindo, gravar com qualidade sai caro - salvo exceção -, uns R$ 9 mil incluindo prensagem e as bandas, pelos motivos abordados no primeiro tópico, normalmente não têm dinheiro para bancar uma empreitada dessas. O resultado é a quase completa dependência do dinheiro público. Diante de tudo isso, Marcos Terra Nova, o vocalista e líder da banda Espantalho - considerada o pai do indie rock manauara - teve a idéia de reunir algumas das bandas mais antigas da cidade e fazer uma coletânea, diluindo os custos de gravação, e apelar para as Pastas Culturais na hora de fazer a prensagem. O objetivo era fazer uma vitrine para os grupos, enviar o disco para a imprensa especializada do Rio e de São Paulo, por onde o vocalista já passou e conquistou contatos. "Com seis bandas fica mais fácil, são seis chances de você ser fisgado", brinca.

Do disco

Das bandas com muita estrada, estão no disco Espantalho, Chá de Flores, Platinados, Charlie Perfume e Several, e a Casa da árvore acabou deixando um grupo da nova geração entrar, a Infâmia. Com exceção desta última e da Espantalho, todas as demais já tinham gravações prontas, incluídas em seus próprios CDs que ainda não foram prensados - adivinha! - por falta de recursos. Entre janeiro - quando surgiu a idéia - e abril de 2005, a Espantalho e a Infâmia gravaram o material e juntaram-no às canções das demais. Em junho, o CD e o encarte estavam prontos.

Marcos fez o projeto, encaminhou-o - FVL e fez marcação cerrada. Ficou na porta da sede, conversou com o presidente do órgão, o cantor e compositor de toadas de boi, Tony Medeiros. Em julho, saiu a aprovação e a primeira data de lançamento: outubro de 2005. Marcos, então, esperava ter o disco em mãos para começar uma nova etapa do trabalho: enviar o CD para outros Estados e sair novamente em busca de patrocínio para fazer shows pelo Sudeste, utilizando, por exemplo, o Circuito Cultural do Sesc de São Paulo, por onde já passaram diversos artistas da MPB amazonense em parcerias com a prefeitura de Manaus.

Outubro, novembro, dezembro, janeiro... agora resta esperar.

Da promessa e dúvida

Entre 2 e 13 de fevereiro, a reportagem do Overmundo entrou em contato com a Fundação Villa-Lobos - ou Secretaria Municipal de Cultura - sete vezes e ficou sabendo que o responsável pelos projetos musicais é o cantor e compositor Gê Lins, coordenador das atividades culturais, que seria o único que poderia falar sobre o assunto, mas que estava de licença médica - segue-se uma profusão de "liga amanhã que ele deve estar de volta" ou "acho que só semana que vem". Contatada pelo Overmundo, uma funcionária da Diretoria Cultural do órgão - que não quis se identificar - pesquisou na lista de projetos para prensagem de discos e declarou não ter encontrado A casa da árvore.

E agora, será que o disco sai? Finalmente encontrado pela reportagem, fora do ambiente de serviço, Gê, que declarou estar de férias na verdade, garante que sai. "Não há problema algum (com o projeto de A casa da árvore). É uma coletânea com seis bandas de rock. Vai sair", atesta. De acordo com o coordenador, a relação dos discos para prensagem está acertada desde dezembro. O atraso, segundo Gê, só aconteceu devido - transformação da Fundação em Secretaria de Cultura, fato que paralisou todos os projetos. A leva de discos na qual A casa da árvore está inserida será lançada na primeira quinzena de abril. Agora resta esperar.

compartilhe

comentários feed

+ comentar
daniel valentim
 

a coletânea já saiu aqui pelo overmundo. o projeto foi alterado para 10 bandas, cada uma com uma música. Todas já estão lá na fila de edição, de hoje (22/09) até o dia 24/09, quando entram em votação. depois de "publicadas" oficialmente, vc pode fazer a busca por meio do sistema de tags, digitando "casa-da-arvore". vc pode optar por baixar cada canção separadamente, ou baixar o disco todo em torrent.

daniel valentim · Juiz de Fora, MG 22/9/2006 17:57
sua opinião: subir
Moysés Lopes
 

Daniel: A postagem no OverBlog é de 06/03/2006, e fala que na primeira quinzena a coletânea sairia, mas pelo teu comentário de 22/09/2006 estou achando que não saiu, não é? Espero sinceramente estar errado, espero que estes estultos tenham feito o mínimo que se espera deles - que é trabalhar - e que tenham mandado prensar os CDs. Estou baixando o torrent, depois nos falamos. Um abraço,

Moysés Lopes · Porto Alegre, RS 25/9/2006 08:13
sua opinião: subir
daniel valentim
 

opa, moysés, desculpa o atraso em te responder, mas só agora vi o comentário. cara, até hoje não saiu a coletânea pela secretaria de cultura, e por enquanto não há previsão para isso. agora estamos com um projeto de lançar um cd (fora o que está aqui no overmundo) para divulgar através do fora do eixo.
abraço

daniel valentim · Juiz de Fora, MG 9/10/2006 18:56
sua opinião: subir

Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.

filtro por estado

busca por tag

revista overmundo

Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!

+conheça agora

overmixter

feed

No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!

+conheça o overmixter

 

Creative Commons

alguns direitos reservados