Já imaginou um monte de programadores (e uma meia dúzia de advogados) pulando no meio da pista do Teatro do SESI, nos estertores de Porto Alegre, cantando “alterna pé e faz biquinho / Tu entrou na dança / dança / Na dança do patinho”? Pois é.
Essa foi apenas uma das diversas cenas interessantes transcorridas no 1º Festival “Criei, Tive Como” de Cultura Livre. O Festival, que foi realizado durante o VII Fórum Internacional de Software Livre (FISL), congregou arte digital, cinema e música para mostrar que existe verdadeiramente algo de novo na forma pela qual artistas têm criado e disponibilizado suas obras, e na forma pela qual o público em geral tem obtido acesso às mesmas obras. Trata-se da chamada cultura livre.
O Festival Criei, Tive Como nasceu de uma parceria entre o Creative Commons, o Overmundo, o Festival Tangolomango e a organização do VII FISL, com o patrocínio da Petrobras, via Lei de Incentivo à Cultura.
O ponto alto do Festival, sem dúvida, foi o show no qual se transcorreu a inusitada cena narrada acima. O show foi realizado no enorme Teatro do SESI, em Porto Alegre, no dia 21 de abril. Apresentaram-se para um público derivado em grande parte do próprio FISL, o coletivo Media Sana, o grupo paraibano Totonho e os Cabra e o rapper carioca BNegão, acompanhado dos Seletores de Freqüência. Tanto Totonho como BNegão contaram ainda com as projeções do VJ Pixel.
Logo no início do show, uma prova de que algo de diferente estava acontecendo ali: os apresentadores comunicaram ao público que, ao contrário do que geralmente ocorre em shows, o público era aconselhado a tirar fotos das apresentações. E mais: se possível, que o público mandasse as fotos para os seus amigos.
Para começar, o Media Sana bombardeou a platéia com 45 minutos de batidão eletrônico e um turbilhão de imagens e provocações sincronizadas. Os juros altos, a sensibilidade do mercado, o poder da informação e as manobras usadas pela propaganda foram alvos do ritmo marcado do coletivo que bota pra pensar. No final, um remix de personagens folclóricos como Richard Stallman, Gilberto Gil e Cláudio Prado deu a tônica do discurso: quem é o dono da informação? E o que podemos fazer com ela? O público aplaudiu em diversos momentos as projeções. O pensamento crítico falou alto na apresentação. Mais alto do que o som nas alturas do Teatro. Foi bom para fixar.
Em seguida, veio Totonho e os Cabra. Como resistir a letras como “Você ta doida pra me dar ... atenção”? Durante o show, Totonho desfilou uma série de máximas que deveriam entrar para qualquer enciclopédia de música contemporânea, com destaque para: “Na Paraíba a gente não faz house. A gente faz casinha de palha”.
Totonho une o bom humor nordestino com bases eletrônicas (também chamados de “sons de Peter Pan” pelo artista). O mais curioso na obra de Totonho é o seu fascínio por astronomia. As referências a planetas, satélites, constelações e demais adereços espaciais estão em praticamente todas as músicas. Durante o show, a platéia aprendeu sobre os efeitos da poeira estelar e foi informada de que a lua está precisando de saneamento básico e medidas de impacto. Foi alarmante.
Para completar a salada musical, Totonho tempera as suas referências espaciais com evocações do tipo “super-heróis”. Isso ficou bem claro na música “Jaspion do Pandeiro” e naquela que fechou o show (“Totonho venha salvar o mundo”). Então é isso: Totonho vive nas estrelas. Totonho é um super-herói. Se tivesse sido criado pelo Stan Lee, Totonho seria o Surfista Prateado (de casaco de lantejoula).
Para encerrar a noite, BNegão e os Seletores de Freqüência subiram ao palco. Imediatamente o público, que até então estava sentado, foi em sua maioria para o espaço entre as poltronas e o palco. BNegão não perdoou e atacou com os maiores sucessos do seu CD “Enxugando Gelo”. O artista, que disponibilizou as suas músicas na Internet, não perdeu o ritmo durante todo o show, e ainda conversou com o público, mencionando a importância de se ter uma nova percepção da cultura e de se romper com os paradigmas tradicionais da propriedade intelectual. Talvez ele não tenha dito isso com essas palavras, mas foi o que eu entendi de cada uma das inúmeras vezes em que ele falava que a gente tinha que ter “responsa”. “Classicamente”.
O show do rapper levanta morto do túmulo, faz buraco na calçada e esquenta miojo mais rápido do que o microondas daqui de casa. Já no final da apresentação, quando mandou ver na música “O Processo”, o cantor ainda disse que aquela música tinha tudo a ver com o que se estava fazendo naquele feriado ensolarado em POA, ou seja, a revisão do processo, já que “o processo é lento”.
Por fim, o show se encerrou com a mensagem irônica da “Verdadeira Dança do Patinho”. Partindo das bases de um tradicional funk carioca, o rapper construiu um retrato verdadeiro das humilhações e dos desmandos aos quais nós nos submetemos e somos submetidos cada dia. No refrão, o público cantou junto e pulou sem parar. Tinha filósofo, cientista social, advogado, economista, estudante. Todo mundo entrou na dança do patinho.
O mais legal do show foi mesmo perceber que todos esses artistas estão pensando em novas formas de se manifestar, disponibilizando as suas músicas de maneira a não ficarem presos apenas no modelo de negócio tradicional, ou seja, a compra de cds em lojas de música.
A Internet está ai para mudar a sociedade. Assim como o software livre rompe com as licenças predominantes no mercado para aquisição e uso de programas de computador, é importante ver que a liberdade não começa a ser priorizada apenas no campo da informática. Arte digital, cinema e música também estão nesse processo de revisão.
O show mostrou que, no Brasil, o pingüim e o patinho andam juntos. Música e programação estão inseridas nas manifestações brasileiras de cultura livre.
grande dansu: não conhecia seus dotes para crítico musical - uma verdadeira revelação! o miojo foi o ponto alto! voce dançou também o patinho?!!!
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 24/4/2006 02:31
Olá dansu! Gostei muito do artigo. Estava no show também!
Por que você não coloca uma foto do evento? Isso vai ajudar o artigo a ser primeira página.
Você pode encontrar as fotos oficiais
aqui
Dansu......
agora que eu vi que é o CAF!
hahahah
Utilizando de seus dotes de resenhista de quadrinhos, filósofo de comédias românticas e professor de direito, Dansu sempre escreve com precisão cirúrgica.
Overmagrani · Rio de Janeiro, RJ 24/4/2006 12:01
Muito boa a resenha. Depois da Daslu, da Daspu, Mr Dansu chegou com tudo.
“Na Paraíba a gente não faz house. A gente faz casinha de palha”.
Definitivamente. Pinguim e Patinho dançam juntos. Quem esteve lá viu.
Responsa!
É o pingüim nadando junto com o patinho . . .
E quem vai se afogar é a M$ . . .
Como na Ditadura, a música tem voz própria . . .
[]s
Um humor clássico! Adorei!
Rossini · Rio de Janeiro, RJ 28/4/2006 12:35
Hahahahaa... pelo visto o Dansudansu é uma fábrica de clássicos! É só sucessuuuu! :D
(e eu fiquei morrendo de dó de não ter participado do "Criei Tive Como")
Abraços do Verde :D
ô, Daniel: ainda vai ter mais "Criei Tive Como" por ai. É só esperar. Valeu pelo comentário! Espero que a sua participação involuntária - mas imprescindível - no Como namorar no overmundo também seja um sucessuu! Abs!
dansudansu · Rio de Janeiro, RJ 25/9/2006 16:44
Poisé, ilustríssimo rapaz da foto bicromática... eu ví, e até agradecí, minha "participação feita ilustre" por seu adorável e didático texto. :D
Quanto aos próximos "Criei Tive Como", espero que aconteça algum aqui por perto da minha "seca cidade agora molhada". :D
Quando vai ser o proximo Criei Tive Como????
Roberto Maxwell · Japão , WW 16/11/2006 12:52Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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