Pedi emprestado a figura de linguagem do tÃtulo aos cariocas, porque a matéria é pra mostrar que nessa famÃlia real, há uma outra princesa que não deve nada à sua irmã mais famosa. Eu poderia até deixar essa postagem para o verão, mas uma nostalgia acaba de me acometer junto com essas primeiras chuvas de inverno e já bate uma saudade.
Que pernambucano é bairrista, todo mundo sabe, mas vamos combinar que poucas praias do Brasil têm tanta personalidade quanto a nossa Boa Viagem (pra começar, aqui se diz praia “de Boa Viagemâ€, e não “da Boa Viagemâ€). Mas o que é mesmo que essa praia tem que até hoje tanto apaixona os recifenses e os forasteiros também?
Será o cordão de arrecifes enfeitado de espumas brancas quando as ondas neles se quebram? Ou deve ser o cheirinho de sargaço que toma conta até da avenida? Ou aquele mar verde-água tão lindo? Como pode uma praia urbana ter um mar desses? E morno! E limpo! Está certo que no inverno tudo muda, mas também no inverno ninguém vai à praia!
Mas lá se foi o tempo em que o bairro era um pacato balneário, com muitas casas e coqueiros, freqüentado pela aristocracia recifense. Hoje, a orla da Avenida Boa Viagem, com seu calçadão e seus quiosques de cobertura de palha, abriga enormes arranha-céus que realmente arranham os céus (alguns têm mais de 40 andares!). São jóias da arquitetura moderna, como o Castelinho, o Porto Seguro ou o Beach Class. Pelo fato de serem muito altos, tem quem reclame da sombra que fazem lá pelas duas da tarde, mas depois de tanto sol, uma sombrazinha nem faz tanto mal assim.
Esses prédios são verdadeiras galerias a céu aberto, pois graças a uma bendita lei municipal, são obrigados a colocar uma obra de arte nas suas dependências, e como a maioria opta pelas esculturas, então já viu: é Brennand pra cá, Abelardo da Hora pra lá, e assim caminha o recifense... Servem até pra sinalizar a sua turma! Aqui se marca praia assim: à s 10h na frente do Acaiaca ou à s 9h em frente ao EdifÃcio Portugal ou à s 11h em frente ao Recife Palace...
Os jardins da orla (o 1°, o 2° e o 3°) se encarregam de embelezar ainda mais a avenida de 7 km, com grandes esculturas de Brennand, os leões de Mestre Nuca e ainda as carrancas do São Francisco. Também tem história: lá na pracinha do bairro, ergue-se a singela igreja dedicada à Nossa Senhora da Boa Viagem, construÃda em 1707.
Nossa praia, que é programa obrigatório dos sábados e domingos, tem hoje trechos demarcados por todas as tribos: de descolados a farofeiros, de gays a turistas, de esportistas aos que preferem tranqüilidade. Sim, porque a cidade tem apenas duas praias e aà todo mundo quer o seu quinhão. E há uma espécie de troca de turno: de manhã cedo vão as famÃlias com as crianças, os mais velhos e o pessoal da malhação. Lá pelas 10 horas chega o povo que gosta da ferveção e a bagaceira. A diversidade de tipos é tão grande que dava uma tese de antropologia: barraqueiros, vendedores ambulantes, ciganas, repentistas, Ãndios, pescadores, salva-vidas, esmoleres, surdos-mudos, hippies, músicos de orquestra de frevo, batuqueiros de maracatu, polÃticos em época de eleição, fiscais da Prefeitura, pessoal do Programa Praia Limpa, gays, garis (que limpam a praia todo fim de tarde), farofeiros (que sujam a praia durante todo o dia), atletas, patricinhas e mauricinhos, surfistas, trombadinhas, policiais, artistas, turistas, estudantes em gincanas, La Ursas, entregadores de panfletos, voluntários de projetos (como o Recifes Costeiros, o ProTuba, etc.), ciclistas, prostitutas e garotos de programa, pessoas aferindo pressão... Ufa!
Depois da chegada dos tubarões, os surfistas são um tipo quase extinto por essas bandas. Eles fugiram daqui e agora pegam onda em praias como MaracaÃpe, Itapuama, Cupe ou Gaibu. Mas tubarão que é bom não tem atacado mais ninguém. A convivência entre as espécies não poderia estar melhor. Também pudera, há placas de “Perigo Ataque de Tubarão/Danger Shark Attack†por toda a praia (essas placas viraram atração turÃstica e todo mundo quer ser fotografado ao lado delas!) e guarda-vidas equipados que parecem estar nas praias da Austrália ou da Ãfrica do Sul. E ninguém mais ousa nadar além dos recifes! Como toda praia com tubarão que se preze, Boa Viagem elegeu seu esporte alternativo, a nova febre aqui é o “skimboard†(uma evolução do nosso antigo “sonrisal†que antes era feito de uma tábua de compensado). No “skimboardâ€, a prancha estreita também desliza na onda que quebra na areia. Novidade também neste verão, e que ainda persiste, são as orquestras de frevo itinerantes, coisa acertadÃssima da prefeitura para divulgar o nosso ritmo mais famoso.
Coisa rara (igual a surfista) são as maria-farinhas (pequenos caranguejos que se escondem na areia ao menor sinal de perigo), outrora habitante da praia, foram expulsas pelos banhistas. Tão saudosas quanto o cheirinho de Coppertone e Rajito de Sol! E ainda se pode ver jangadas trazendo peixe fresco nos limites com a praia do Pina! Não posso deixar de registrar que Boa Viagem deve ser o último reduto das maravilhosas cadeiras de náilon no Brasil, que agora está tomado pelas horrÃveis cadeiras brancas de plástico!
E a nossa princesinha do mar é cheia de leis. Aqui não pode: bares (estilo praias de Salvador), futebol, moto na areia, som, cachorros e surfe. Aqui pode: shows (em áreas delimitadas), gincanas, reveillon, blocos de carnaval, barracas móveis (na verdade, são carrinhos com caixa de isopor, sem cozinha e sem som), ambulantes, frescobol e vôlei.
Mas o mais sensacional está por vir: a quantidade de coisas que se vendem nessa praia é de embasbacar. Da obrigatória cerveja gelada ao inusitado oiti-coró, a lista parece não ter fim. Talvez seja a nossa herança mascate. E aà vão 110 coisas que se podem encontrar à venda na praia de Boa Viagem (com sorte, tudo no mesmo dia!): caldo de cana, chapéu, pipa, coco, aviãozinho de isopor, caldinho, sururu, marisco, caldeirada, peixe fresco e peixe frito, camarão, bronzeador, CD e DVD piratas, óculos (pirata também!), cachorro-quente, queijo na brasa, picolé, sorvete, periquito, bola, canga, catavento, amendoim, castanha, lupa, algodão-doce, cachorro/cavalo da cabeça mole, ostra, sanduÃche natural, empada, coxinha, pastel, arrumadinho, rói-rói, colar, tatuagem, banho de piscina, raspa-raspa, salada de frutas, abacaxi, melancia, artesanato hippie, brinquedos, Ai titia!, cerveja, cachaça, bolsa, mealheiro, caranguejo, ovo de codorna, oiti-coró, codorna assada, espetinho, coquetel de frutas, blusa, cocada, porta-fósforo, revólver de açúcar, taça, cavaco, capa para celular, casquinha de caranguejo, escondidinho, batata frita, sarapatel, água oxigenada, cigarro, dobradinha, relógio, cabeça de galo, rede, tapete, quadros e telas, escultura de barro, pitomba, serigüela, jambo, caju, sushi, saia, pipoca, refrigerante, caipifrutas, revestimento de volante e poltrona de carro, água mineral, pirulito, óleo de amêndoa, rolete de cana, frutas cortadas, japonês, artesanato indÃgena, maconha, bóia, lagosta, agulhinha frita, salgadinho, brinco, caipirinha, isqueiro, boné, águia de conchas, chiclete, chaveiro, quibe, porta-copo para cachaça, limonada, mate... (na semana passada, vi até revólver de açúcar, uma relÃquia da minha infância!).
Esta matéria teve a participação de Fernando Tavares, praieiro de Boa Viagem como eu, e de Junior, que sentado nas maravilhosas cadeiras de náilon, enumerou comigo todos aqueles itens.
CAROS... JOSUÉ E FERNANDO
Sou um pernambucano triste! Moro em São Paulo há 32 anos...
Quando leio qualquer matéria que fala de Recife, perco a cabeça! Dá vontade de largar tudo e voltar à "vidinha das pitombas, oitis, carambolas e graviolas". Quem já provou "agulha assada" na Praia de Piedade? E um suco de mangaba próximo ao Rio Capibaribe?
"Eita†Pernambuco imortal! Saudade...
Fiquei feliz em ler o retrato (jornalÃstico e com sabor de quero mais) de uma das praias de Recife. Outro dia... Andei pesquisando todo o litoral pernambucano! Descobri que "BrasÃlia Teimosa" está urbanizada, e o velho Bairro do Pina, já usufrui as melhorias urbanÃsticas.
Recife é cultura viva! Existem - na cidade - muitos problemas para serem resolvidos... O caminho é longo! Mas, percebi muitas mudanças ocorridas nesses últimos 32 anos... A cidade será reconhecida como pólo turÃstico mundial! É um sonho!
Segue um frevo para complementar esse belo texto:
NARRA FREVO
( Lailton Araújo/Luiz Pintor)
Que som gostoso eu ouço em noite de lua
Linda canção que fala do povo na rua
É Pernambuco cantando o poema da terra
Dançando a “ciranda†na guerra
Dos versos banhados de mar
“Ciranda†é dança da Zona da Mata
Lá no Recife meu povo saudoso do Janga
Sempre levanta um coro bem forte, gigante
No meio da noite é distante
O som que se expande no ar
“Maracatuâ€, folclore que está presente
No coração e no sangue da nossa gente
Nesse “frevo†eu quero meu povo na frente
Homem valente vive lá no sertão
Vai meu “baiãoâ€, leva pra toda nação
Essa canção do povo emigrante do Norte
..................
Publicado no Recanto das Letras em 05/12/2006
Código do texto: T310483
Ouça a música:
NARRA FREVO
.....................
Parabéns pela matéria!
Grande abraço.
Lailton Araújo
Oi Lailton,
Valeu pelo comentário tão rico, com direito até a frevo! Adorei a letra, vou ouvir e depois te falo.
Realmente, a cidade tá muito mudada, apesar da violência e do trânsito caótico, a parte cultural melhorou bastante. Os carnavais estão cada mais sensacionais e ao longo do ano muita coisa acontece por aqui. Também adoro a nossa cidade!
Um abraço e não passe muito tempo longe!
Josué,
parabéns pela matéria, Boa Viagem é linda, é tudo isso que você falou, mas sinto pela sujeira, que não são apenas os farofeiros que provocam.
Pernambuco tem praias lindas e merecem ser preservadas. É com elas que se abrem as belezas do maracatu, da ciranda, dos caboclinhos, de tudo que é lindo na Veneza Brasileira!
Abçs de Betha.
Oi Betha,
Nem me fale, são lindas mesmo, mas algumas estão sendo invadidas por grandes hotéis e resorts, que descaracterizam a paisagem e as praias perdem aquela coisa selvagem e tranqüila que, particularmente, me atrai (exceto Boa Viagem que é urbana mesmo e eu adoro). Muito obrigado pelo comentário.
Um abraço grande
Bom Josué,
Muito legal o texto e assim como em Lailton bateu a saudade, sou filho de pernambucano e morei na Mauricéia por 8 anos.. Apesar de ter a Aracaju no meu coração em primeiro lugar.. Recife me despertou em mim tambémuma segunda paixão..
Boa Viagem foi palco de boas e homéricas peladas e mergulhos gostosos.. fico muito feliz em saber que agroa o frevo compõe a bela paisagem...
Muito rico o texto inclusive nos detalhes descritivos.. senti o cheiro de sargaço e água morna de lá.. mas me tire uma dúvida angustiante.. O que é o tal de Oiti-coró (interrogação - meu teclado está quebrado) É uma variação da fruta oiti (interrogação) E o Ai titia! (interrogação)
Abraços e parabéns!
Oi Thiago,
Adorei a interrogação do seu teclado! kkkkk
Brigado pelos elogios, viu?
Vou sanar agorinha sua angústia: oiti-coró é um tipo de oiti que ocorre aqui na Zona da Mata, tem um formato de pedra e uma polpa meio farinhenta. E o Ai titia! é um apito insuportável que os moleques tiram um som dizendo "ai titia".
Pode?
Um abraço grande
hehehehhehehe Dúvida esclarecida... imagino a cena dos muleques como o apito... Valeu!
Thiago Paulino · Aracaju, SE 13/5/2008 22:07
parabéns pela matéria, ficou muito legal! concordo com Betha, as praias são lindas, mereciam um pouco masi de respeito dos banhistas, dos comerciantes, e da prefeitura, que se investisse em esgotamento sanitário, não verÃamos tanto lixo doméstico trazido pelos canais que desaguam no mar lindão, presente divino! bjs, rosa
se puder, veja a minha ultima colaboração e desculpe minha ausencia do OVERMUNDO, estou trabalhando entre Recife e Arcoverde, no sertão Pernambucano, está dificil manter a correspondencia em dia, por mais prazerosa que esta tarefa seja!
http://www.overmundo.com.br/guia/a-cocada-na-xxii-festa-quilombo-castainho-e-no-recanto-coco-raizes-de-arcoverde
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