A cultura de um povo em risco...
Uma estradinha de cascalho fora aberta em meio a Terra IndÃgena Utiariti no inÃcio da década de 1990. Naquela época, Campo Novo do Parecis, hoje uma cidade rica e próspera, era um pequeno amontoado de casebres e uma grande concentração de colonos dispostos a desbravar o que fora chamado de “chapadão inóspito e triste†por Roquette-Pinto em 1917.
Antes de abrir a precária estrada, o então prefeito campopareciense, Zeul Fedrizzi, procurou lideranças indÃgenas da etnia Paresi-haliti e, por diversas vezes teve um ‘não’ como resposta. João Arezomae (João Garimpeiro), o cacique-geral, foi um dos que negou “de pés juntos†a abertura do caminho ligando os rios Verde e Papagaio, limite geográfico das terras deste povo.
Depois de muito diálogo, Fedrizzi conseguiu convencer os indÃgenas sobre a importância de se ter uma estrada passando pelas aldeias. Em 1991, ele colocou as máquinas da Prefeitura para abrir o que ele próprio chama de ‘picada’. Motosserra, trator e um correntão foram usados para abrir um corredor em meio ao cerrado que predomina(va) nesta região.
O que ele [Zeul] não esperava é que a Justiça interviesse. Em 1991, quando a estrada já cortava a imensidão Utiariti, o ex-prefeito foi processado por abrir a trilha em terra indÃgena, ‘intocável’ na época. Hoje, João Garimpeiro, com 99 anos, diz que naquele tempo a Fundação Nacional do Ãndio (Funai) era ‘mais ruim de mexer’. Zeul responde ao processo até hoje.
Dezoito anos se passaram e a estradinha arenosa virou rodovia estadual asfaltada, batizada de João Arezomae (MT-235), uma homenagem ao ancião chefe do povo Paresi-haliti. Ao discursar para polÃticos e centenas de populares as margens do Rio Papagaio, no dia da inauguração, o ancião de voz cansada e palavras mal pronunciadas, disse: “Ãndio qué estrada, mas qué cultura de Ãndio preservada tambémâ€.
A rodovia passa próximo as aldeias Seringal, Bacaval e 04 Cachoeiras e trará muitos benefÃcios aos povos que ali habitam (transporte, educação, saúde, renda), mas este progresso deve custar caro. A indescritÃvel cultura de um povo, o colorido de seus penachos, o ruÃdo unÃssono de suas canções e a inigualável beleza de suas matas e rios estão em xeque-mate.
Os penachos já dão lugar, há tempos, ao jeans e o som já tem outras notas. Os mais jovens dirigem camionetas 4x4, cantam sertanejo e dançam ‘psy’. Lhes é proibido vender bebidas alcoólicas, mas mesmo assim, eles tem acesso fácil a estas ilicitudes. As matas, que há muito vêm sendo alvo de queimadas e degradações, irão pelo chão.
Os paresi são pioneiros no plantio de soja, arrendam suas terras para sojicultores e já enfrentaram a Funai para poder fazer isso. Em 2004, a cacique Miriam Kazaizokairo declarou: "O artesanato não tem mais valor e a soja é vendida em dólar". Na mesma ocasião Miriam disse que a entidade não atende mais à s necessidades dos Ãndios e que eles já adquiriram outra cultura. "Se ficarmos parados no tempo, vamos virar peça de museu", garantiu.
O que dizer de tudo isso se os próprios Ãndios paresi são favoráveis? “Ninguém mantém a cultura morrendo de fomeâ€, relatou um. Atualmente a soja é um tapete verde entorno das aldeias e a caça e a pesca não são mais a principal fonte de alimentação deles. O contato com a civilização criou nos Ãndios necessidades novas, resta saber se eles derrubarão a floresta nativa de suas reservas para a expansão da produção agrÃcola.
Que relato bacana, Alexandre!
Não posso dizer que essa visão dos Ãndios seja surpreendente, mas é algo de poético, sem dúvida. E muito a ensinar. :)
Obrigado Viktor... Tanto pela sugestão quanto pelo comentário. Sei que é clichê falar de Ãndio e preservação ambiental, mas eles tem uma cultura surpreendente, entretanto, estão se vendo obrigados, veja bem, obrigados, a aderir a cultura do que eles chamam de imóti (não-Ãndio).
O que ocorre na imensidão de MT, daria para se escrever livros e mais livros. Abraços!
Matéria muito legal, porém um pouco triste essa situação. Complexo... Acredito que não seja só no MT que isso acontece.
MarÃlia Cabral · Viçosa, MG 19/11/2009 14:48Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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