A TEIA e o Programa Cultura Viva

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Egeu Laus · Rio de Janeiro, RJ
6/9/2010 · 3 · 3
 



A TEIA é o nome dado a culminância anual do processo de empoderamento que se processa nas bases culturais da sociedade brasileira e que começaram a ter seu reconhecimento político a partir do lançamento do documento “A Imaginação a serviço do Brasil: Programa de Políticas Públicas de Culturaâ€.

O documento-compromisso, elaborado por gestores, intelectuais, estudiosos e artistas, como parte do Programa de Governo da Coligação Lula Presidente, e entregue em julho de 2002 (há 8 anos) serviu como base inspiradora para a criação do Programa Cultura Viva (Pontos de Cultura) lançado em 2004 e que produziu mais de 2 mil Pontos de Cultura pelo Brasil tendo como eixo orientador o conceito de gestão compartilhada, entendendo a cultura não como produto mas como processo.

A primeira TEIA Nacional aconteceu em 2006 em São Paulo, depois encontros em 2007, 2008, 2009 e agora em março de 2010 em Fortaleza com a presença de mais de 2 mil pessoas. O crescimento dessas iniciativas consolidadas como um movimento social discutindo políticas públicas e produção estética conduziu a necessidade da realizacão de Teias Estaduais e, nos estados com grande extensão cultural, a divisão em Teias Regionais, ou Microteias como é o caso da Baixada Fluminense.

• A Baixada como fonte viva de expressão cultural

Como disse certa vez o então Secretário de Cultura de Nova Iguaçu, Marcus Vinicius Faustini, “a Baixada não é um lugar de carência, é um lugar de potênciaâ€. Nos últimos 10 anos essa força cultural expressiva tem dado voz a iniciativas com razoável grau de continuidade, tem consolidado certo poder de articulação regional e mesmo granjeado espaço na mídia tradicional regional. Entre essas iniciativas podemos citar o Dia da Baixada, que acontece em torno do 30 de abril (criado em 2002), o EncontrArte (Encontro de Artes Cênicas da Baixada no seu ano 9, sempre em setembro), o Prêmio Baixada (iniciativa do Fórum Cultural da Baixada Fluminense sempre em agosto/setembro num município diferente, também na sua nona edição), o Festival de Dança de Nova Iguaçu, coordenado pela bailarina Teresa Petsold que já vai para o seu décimo-sétimo ano, o Festival IAGAD (Intercâmbio entre Academias e Grupos de Dança, indo para o seu oitavo ano) além de iniciativas ainda com pouca “idade†mas atuando com grande impacto na Baixada como o Circuito Mix de Esquetes Teatrais (na sua quinta edição) além de muitas outras.

• Oficinas Culturais: O Processo é tão importante quanto o Resultado

Ao lado dessas iniciativas que, de certa maneira, estão voltadas mais para um público-espectador, uma expressiva parcela dos operadores culturais da Baixada tem se dedicado a um trabalho de formação, onde o processo é tão ou mais importante que o resultado. O principal espaço de trabalho desses operadores tem sido as Oficinas Culturais que já tem uma longa tradição no Brasil e que remontam a década de 1960, surgidas principalmente no âmbito do teatro popular, da música e das artes plásticas. As oficinas, naquele período, se tornaram a resposta prática, surgida da necessidade, agregando num mesmo corpus metodológico as atividades que se conheciam como de Curso e as de Atelier. O Curso como o ambiente da transmissão de conhecimento e o Atelier como o território da Experimentação e da Criação Artística. Trocando em miúdos, um lugar para aliar a teoria com a prática.

Se quisermos recuar mais, as Oficinas tem sua origem no início do século 20, com o surgimento, no campo da Pedagogia, da “Escola Novaâ€, que se propunha a encarar o processo de ensino de um modo dinâmico, centrado na ação e na idéia de que o pensamento reflexivo depende da existência de problemas a solucionar, se confundindo portanto com a própria experiência. Ou em bom português: a aprendizagem só se realiza na prática e portanto deve ser sempre “experimental†(dessas idéias surgiu também o Movimento Arte-Educação bastante deturpado e inexpressivo hoje em dia).

Na música o Movimento Escola Nova ensejou o surgimento de vários Métodos Pedagógicos inovadores como o de Carl Orff (autor de Carmina Burana) com ênfase no Movimento Corporal (um precursor do Método “O Passo†do carioca Lucas Ciavatta), e o Método Suzuki (surgido na década de 1940 e utilizado até hoje). Importa entender que, ou com métodos consolidados, ou apenas centrado na experiência pessoal informal desses operadores culturais, as Oficinas chegaram ao início dos anos 2.000 como as grandes disseminadoras do fazer cultural nas classes mais des-providas de recursos em todo o Brasil.

O Ministério da Cultura, na gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira percebeu muito cedo o potencial transformador desses Núcleos, as vezes centrados em uma única pessoa, e criou um Programa que, entre outros objetivos, incentivava o fortalecimento desses Núcleos: o Programa Cultura Viva, do qual a face mais visível são o que conhecemos como Pontos de Cultura. Na Baixada Fluminense, como de resto pelo Brasil, esses Pontos e suas oficinas fornecem um portfolio de dezenas de atividades culturais, seu aprendizado e desenvolvimento, além de oportunidades de expressão que, de outra forma, estariam inacessíveis às mais de 10 mil pessoas diretamente beneficiadas por esses Pontões, Pontos e Pontinhos de Cultura da Baixada.

• Uma Baixada coberta de Pontos Vivos

O resultado desse Programa é visível por toda a Baixada Fluminense. Eis apenas seis exemplos dos mais de 50 pontos em atividade e que receberam incentivo e reconhecimento para ações que já existiam há muito tempo: Em São João de Meriti, situa-se a sede da Casa da Cultura da Baixada Fluminense, criada ainda na década de 80. Na década seguinte foi o grande reduto cultural da cidade, apresentando dança, música, capoeira, artes plásticas. Por seu trabalho com crianças e adolescentes ganhou os prêmios Fundação Abrinq e Itaú/Unicef. Sua carteira de projetos é imensa: Clube da Cidadania, Alimentação é Cultura, Ballet Afro Contemporâneo, Juventude que dá Samba, Baluarte Multimídia e muitos outros. Embora tenha sede em São João a influência da Casa da Cultura atinge grande parte da Baixada. Ainda em São João, na região de Vilar dos Teles, a maior densidade demográfica do município, fica a Escola de Música da Associação do Movimento dos Compositores de Baixada Fluminense, um Ponto de Cultura trabalhando com música brasileira principalmente instrumental em torno das expressões do Choro mas também do Samba valorizando compositores e a produção do território. A Escola de Música da AMC, em torno de sua sede, a Casa do Compositor, surgiu em 1998 com recursos dos próprios componentes da Associação, criada em 1991, há quase 20 anos atrás. Mesmo com os recursos do Programa Cultura Viva até hoje os “Parceiros da AMC†grupo de amigos da entidade mantêm o suporte as atividades da escola, criando laços fortes com amigos da comunidade.

Na outra ponta do mapa da Baixada, próximo as encostas da serra de Miguel Pereira, banhada pelos Rios Guandu e Ribeirão das Lages (sem os quais não haveria água na cidade do Rio) fica Japeri onde atua o Ponto de Cultura do Grupo Sócio-Cultural Código, criado em 2007 e que mantém o Espaço Cultural Código, agregando artistas da região e de toda a Baixada. O Grupo Código, reconhecido por seu lema “Criando uma nova linguagemâ€, não tem limites: trabalha com música, teatro, canto e dança, expressões audiovisuais e literatura e leitura. A Cia. Código de Artes Cênicas é o núcleo catalizador das atividades do Ponto, surgido em 2005 e já com expressão nacional, tendo participado em 2010 da mostra Fringe, Festival de Teatro de Curitiba.

De Magé surge o Grupo Zé Mussum de Cultura Popular, em torno do Mestre Paulo César que mantêm as tradições familiares na quinta geração de jongueiros. A Capoeira e o Repente fazem parte das atividade do Grupo Zé Mussum, que conta hoje com mais de 60 membros. Um espetáculo de canto e dança integrando todas as tradições musicais populares é o mais recente trabalho do Zé Mussum, apresentado em praças, teatros, escolas e universidades.

Com existência mais recente (criado em 2002) o Afoxé Raízes Africanas, de Belford Roxo, trabalhando com oficinas de Dança dos Orixás, culinária africana, percussão, capoeira e artesanato é uma forte expressão dos pontos vivos da Baixada.

Em Nova Iguaçu a Casa de Anyê, com o Batucadas B.F. (Ponto de Cultura), o espetáculo Sirè e o projeto Música para que serve? utiliza metodologias inovadoras e produziu um caderno de atividades para agregar a música na compreensão dos conteúdo educacionais.

• Os Pontos e a Tecnologia Contemporânea

A política da gestão Gil/Ferreira soube aproveitar sobremaneira o surgimento das novas tecnologias e ferramentas tecnológicas associadas à arte a cultura. O rádio, o cinema (em video) e a música foram 3 setores que imediatamente se beneficiaram desses equi-pamentos. Os kits de Cultura Digital fornecidos pelo Programa Cultura Viva com mini-estúdios, câmeras digitais e computadores tem potencializado a expressão artística, entregando aos operadores culturais e artistas os meios de produção que até o século passado estavam na mãos da indústria cultural.

Esse barateamento da produção, no caso do video, tem ensejado uma tendência crescente na Baixada que é o surgimento de cineclubes, dos quais o Cineclube Mate com Angu em Duque de Caxias, o Buraco do Getúlio, em Nova Iguaçu e o Cineclube Donana em Belford Roxo, são os mais conhecidos. O Ponto de Cultura Escola Livre de Cinema, em Nova Iguaçu, se tornou uma referência sendo o catalizador das produções que desembocam no Iguacine – Festival de Cinema de Nova Iguaçu, que realizou a sua 3ª edição neste ano.

A possibilidade do registro audiovisual trouxe visibilidade também para dezenas de manifestações que se encontravam abaixo da linha da mídia tradicional, embora com fortes laços nas comunidades onde atuam. É o caso, por exemplo, dos grupos de Capoeira, já tradicionais na Baixada, alguns deles com origem nos anos 60, em dezenas de núcleos, reunindo milhares de praticantes. Sem falar nas Comunidade de Terreiro, algumas com reconhecimento internacional, e os grupos ditos de Culturas Populares que preservam o Jongo, a Folia de Reis e dezenas de manifestações populares tradicionais.

• Cultura na Agenda das Políticas Públicas

Essa potência cultural, até mesmo para prover a necessidade de recursos estruturais para garantir sua permanência, carece urgente do reconhecimento – em todos os níveis – da sua importância para o desenvolvimento da Baixada. Esse reconhecimento terá que necessariamente passar por duas instâncias, a do poder público constituído e a do poder da sociedade civil organizada. A TEIA BAIXADA 2010 dá continuidade, no âmbito dos Pontos de Cultura, as reflexões que já vem sendo produzidas nas Conferências de Cultura, municipais e estaduais. Pelo menos uma conclusão já é bastante clara: o Programa Cultura Viva, como um dos mais importantes Programas de transformação sóciocultural do país, precisa deixar de ser Programa de um Governo para se consolidar como uma Política de Estado, para o qual necessita estar gravado em Lei. Se a Cultura é um direito da cidadania deve ser, portanto, um dever do Estado.

É importante também que esse reconhecimento passe pelas instâncias executivas estadual e municipais. A criação de Editais específicos para a Baixada no âmbito da Secretaria de Cultura do Estado do RJ poderá fortalecer em muito o ambiente cultural da região. As Secretarias de Cultura dos municípios da Baixada tem um papel importante a jogar nesse contexto, criando e reconhecendo seus Conselhos Municipais de Cultura, criando seus Fundos de Cultura, bem como seus editais específicos. A integração do ambiente cultural local ao Sistema Nacional de Cultura, consolidando e proporcionando sinergia a Cultura no Brasil pode favorecer sobremaneira a implementação das políticas públicas de cultura, dando voz aos municípios que, em outras áreas, se encontram bastante distantes das decisões federais.

Por outro lado, é nossa responsabilidade como operadores culturais, entender que o reconhecimento pela sociedade do papel fundamental que a Cultura exerce em nossas vidas dependerá em muito da capacidade que tenhamos para dialogar com suas necessidades, produzir expressões estéticas que respondam ao seu imaginário e dar voz a diversidade das identidades culturais do território.

São justamente esses os temas que a TEIA BAIXADA 2010 considera fundamentais trazer para o centro dos debates.

Egeu Laus
Secretário Adjunto de Cultura de Nova Iguaçu
Membro da Comissão de Articulação da Teia Baixada 2010

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marcio rufino
 

Excelente artigo Egeu.

Como poeta da baixada Fluminense deixo aqui também mencionado as contribuições dos grupos Pó de Poesia e Gambiarra Profana para o atual cenário artístico e cultura da Baixada Fluminense. Abrçs!!!

marcio rufino · Belford Roxo, RJ 12/9/2010 11:48
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marcio rufino
 

http://po-de-poesia.blogspot.com


http://gambiarraprofana.blogspot.com/

marcio rufino · Belford Roxo, RJ 12/9/2010 11:59
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ymaraz
 

Seus comentários a respeito desse grande encontro são ótimos e só nos fortalecem.
Deixo também aqui o meu, o projeto Circo Baixada se fez presente naqueles dias, com presenças pontuais através de nossas coordenadoras( pedagógica e geral), assim como também crianças e adolescentes acompanhadas pelo projeto.Atuando com demonstrações atístiscas circenses entre outras...Foi nossa primeira vez enquanto ponto de cultural e desejamos que vcs utilizem os nossos espaços que são amplos (Lonas de Circo).Nos sentiríamos honrados em poder acolher eventos dessa natureza e outros.
Abraços,
Ymaraz, arte educadora e historiadora.

ymaraz · Queimados, RJ 14/9/2010 07:05
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