Você é jovem e tem uma rede de televisão nas mãos.
Tem todo o equipamento necessário, inclusive câmeras profissionais, equipamento de edição e equipe de produção. Além disso, não sofre pressões comerciais. E tudo o que produzir será transmitido em sinal aberto, alcançando a maioria dos estados do paÃs. Esse é o terreno perfeito para a experimentação, certo? Errado.
É só passear pelos canais universitários para se desanimar. Apesar de serem feitos por gente jovem, geralmente estudantes de escolas de comunicação, acabam em sua grande maioria reproduzindo formatos consagrados pela televisão tradicional. São telejornais (gente sentada atrás de uma mesa, relatando as notÃcias do dia, muitas vezes de terno!), talk-shows, ou programas de "variedades" que nada fogem ao jornalismo convencional. A esperança de que um novo modelo de linguagem televisiva apareça dali é mÃnima. É uma pena. O grande desafio atual, que representa também uma enorme oportunidade, é encontrar a linguagem das novas mÃdias. Quem fizer isso, ganha um doce e captura, ainda que temporariamente, um mercado novo.
A corrida já começou. A principal mÃdia em busca da sua própria linguagem é o YouTube. O melhor exemplo é o caso lonelygirl15. Idealizado por um grupo de empreendedores EUA, a idéia consistia em abalar os limites entre realidade e ficção, criando uma personagem "real", através dos depoimentos de uma garota de 15 anos chamada Bree (na verdade, uma atriz contratada). A história causou enorme controvérsia. Artigos no Wall Street Journal acusavam os idealizadores de terem ido longe demais, rompendo com todas as barreiras éticas. Outras publicações celebravam o caso como primeira novela das novas mÃdias, aliás, assistida em seus vários episódios por milhões de pessoas. Na cabeça dos idealizadores a idéia era muito clara: explorar os limites do YouTube, criando o "reality show definitivo". Mas o YouTube não é a única nova mÃdia a ser inventada. Qual é a linguagem do Skype? E dos mensageiros eletrônicos? E dos celulares? Ou ainda, das webcams? Quais os limites de cada uma dessas "mÃdias"?
Dois exemplos podem ajudar a pensar melhor nas possibilidades. O primeiro vem de uma história contada por John Perry Barlow, ex-membro da banda Grateful Dead e um dos principais ativistas digitais contemporâneos. Barlow relata com entusiasmo uma conversa que teve de Nova Iorque com o empresário japonês Joi Ito, localizado em Tóquio. Quando o assunto acabou, ambos decidiram manter o canal no skype aberto. Por várias horas consecutivas, uma janela auditiva permaneceu aberta entre os dois apartamentos. Era possÃvel ouvir ruÃdos de passos, louça sendo lavada e conversas paralelas em cada lugar. Esse uso "não-utilitário" do skype, que vai além da mera idéia de "ligação telefônica", diz muito sobre o potencial midiático ainda não explorado das novas comunicações digitais.
O segundo exemplo tem a ver com a linguagem das webcams. Inicialmente usadas principalmente para comunicação entre duas pessoas, começam a se tornar ferramentas de comunicação coletiva. Um rápido passeio pelo portal Stickam revela a quantidade de gente que passa o dia transmitindo sua própria imagem ao vivo para toda a internet. No entanto, uma vez mais, o formato é praticamente sempre o mesmo: câmera parada, filmando o dono enquanto usa o computador. Apesar das várias centenas de pessoas online, até o enquadramento utilizado por todas elas não costuma mudar muito: geralmente a câmera fica colocada em cima do monitor do computador, produzindo o mesmo ângulo em todas as tomadas. Experimentar com a linguagem das webcams ao vivo (sem tirar a roupa) é algo ainda a ser feito.
Por isso, um apelo à s escolas de comunicação do Brasil para abraçarem o quanto antes esse tipo de experimentação. De outro modo, vão continuar reinando os formatos consagrados de telejornal, ou a experimentação "institucionalizada", que segue o modelo de câmera tremendo na mão e edição rápida, que podia ser interessante em 1992, mas já passou. É uma chance do Brasil colocar a prova sua vocação antropofágica, deglutindo as novas mÃdias para produzir formas de comunicação global em áreas que ainda nem foram imaginadas.
***
Artigo publicado originalmente na minha coluna da revista Bizz, Maio de 2007.
Infelizmente, no nosso mundo capitalista, enquanto essas novas mÃdias nao acontecerem para as velhas mÃdias que aà estão, o velho formato continuará.
wiene · Cuiabá, MT 27/7/2007 13:04
O problema não é a mÃdia, mas o uso que fazem dela. Particularmente, achei bem infeliz o que disse no seu primeiro parágrafo... Concordo que nem mesmo o universitário (geral) sabe explorar a televisão, mas é a mesma coisa pra web ou qualquer outra "nova mÃdia".
Quanto à questão da estética, é algo bem complicado. Por mais subversiva que seja, sempre cai na mesmice, no modismo. Se alguém encontrar um ângulo diferente, um movimento diferente (algo já quase impossÃvel), logo em seguida chega alguém, copia e pronto: deixou de ser novidade. Mas isso quer dizer que deixou de ser subversivo? Calm'aÃ, não funciona desse jeito, né... A subversão se faz principalmente no conteúdo.
Fora isso, foi um bom texto, hehehe...
concordo totalmente em relação ao modelo dos canais universitários. o que mais se encontra são cópias dos padrões pré-estabelecidos pelas grandes emissoras e muitas vezes uma total falta de interesse pela busca do novo e da experimentação, visando alcançar um resultado mais interessante, não apenas para o público mas também para os próprios alunos.
· , 28/7/2007 13:52O modelo "universitário" de hoje é direcionado ao "mercado de trabalho", portanto acaba sendo infelizmente óbvia a utilização dos canais universitários para pastiches pobres da programação das emissoras comerciais. Acontece em outros cursos que não o de Rádio e TV...
Marcelo V. · São Paulo, SP 28/7/2007 16:36Durante a faculdade vi pouquÃssimas experiências de linguagem de TV. Um dos únicos que eu lembro foi esse. Assim como as webtvs - há algumas exceções, claro - costumam seguir também o padrão tradicional. Não é fácil pensar fora do esquemão já estabelecido. O que eu vejo é mta gente já nos primeiros anos de faculdade doida para botar o terno e gravata e sentar atrás de um balcão.
Sergio Rosa · Belo Horizonte, MG 28/7/2007 16:59este texto do Ronaldo deveria ser leitura obrigatória no primeiro semestre de todo curso de comunicação!
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 29/7/2007 02:46
Muito bom, Ronaldo! E esse titulo maravilhoso! Eu vi o documentario sobre o golpe de estado que aplicaram na Venezuela, sensacional, eu quase que fiquei simpatico ao Hugo C. tanto foi a intensidade e eloquencia dos jornalistas irlandeses (ou foram ingleses?) naquela oportuna construcao de conteudo jornalistico imediato. Eles foram la para outro motivo, mas apesar do risco, decidiram ir a fundo numa perigosa e rica materia politico-investigativa. E `e isso que falta aos nossos ilustres universitarios: correr risco, criar, se aprofundar, inovar... esse nao `e o modelo comportamental das gentes que entram nas universidades que tem seu canal proprio e em rede aberta, nani nani nani.
Caros, voces sabem qual `e a maior reinvidicacao dos alunos da UNB (Universidade de Brasilia)? ESTACIONAMENTO! TA faltando lugar pra deixar o carrinho de nossos alunos "superiores", e isso eles nao suportam! reinvidicam prioritariamente!
`E isso, `e esse o nivel. As pessoas que entram para as Universidades Publicas brasileiras sao de origem semelhante a elite que controla e preserva a nossa cultura patrimonialista, iberica, arcaica, retrograda. Eles num tao nen a`i pra inovar, pois quem tem necessidade de inovar quer atingir objetivos, quer alcansar outros patamares de vida, seja pra realizacao profissional ou para suprir carencias materiais proprias ou da comunidade. INOVAR nao combina com o ambiente universitario, e consequentemente com tudo que se produza la, eu desafio os blogueiros do OVERMUNDO a mostrar aki algo de inovador oriundo da Universidade Publica brasileira.
Eu acho `e que temos que concentrar todos os recursos publicos para a educacao no ensino de base e o profissional. Nao se justifica o atual modelo publico de ensino superior, patrimonialista e com publico elitizado, e com falta de estacionamento no campus... `e mole?!
Se é verdade que o Brasil pode, com a reinvenção da TV universitária, "colocar a prova sua vocação antropofágica", é bom lembrar que muitas coisas podem ser apropriadas e que outras devem ser esquecidas. A proliferação de talkshows nas TVs universitárias sempre me incomodou. Os apresentadores mais parecem clones de outros que vemos nos canais que ficam mais pra cima no dial. O mais paradoxal é que o povo que faz comunicação, cinema e áreas afins sempre é tido como os doidões, o povo do experimentalismo na universidade. Parece que esse experimentalismo está demorando para chegar na televisão. É preciso saber o que vamos colocar no caldeirão da antropofagia. Usando uma expressão que ouvi numa palestra do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: o bom antropófago é aquele que sabe o que não pode comer.
dansudansu · Rio de Janeiro, RJ 29/7/2007 18:28
Peço a vocês que baixem a guarda. Não generalizem, nem todo universitário é assim. Nem todo curso, também. Ou, talvez, eu tinha tido "sorte", ao encontrar três colegas que toparam fazer um documentário experimental, como projeto de final de curso... Também tive "sorte" em encontrar ótimos professores, que aula após aula, defendem o subversivo, o ativismo, experimentalismo, reflexão. Sérgio Rosa já passou por lá e conheceu dois deles - sabe do que estou falando.
Infelizmente, a infra estrutura e administração da faculdade não ajudam. E sim, claro, que a maioria dos universitários não querem nada mais do que entrar no campo de trabalho. Mas isso só acontece nas universidades? Infelizmente, meus caros, é uma caraterÃstica de toda a sociedade.
eu sou professor de cinema em uma oficina itinerante pelo estado do Rio e em uma das aulas de linguagem, o interesse é mostrar que existem olhares diferentes do olhar reproduzido pela midia. então foram exibidos varios filmes que fogem do padrão comercial, entre eles o AnguTv que conheci q pouco tempo e fiquei completamente fascinado pela ousadia com que trata cada assunto.
o que mais me causou expanto é que no final da aula um aluno me chamou no canto e perguntou: "pq tudo isso q vc mostrou ai, é muito melhor que tudo que eu vi na globo a minha vida inteira?"
Pode ser que a mudança esteja nas mãos de um octogenário, alguém assim como Manoel de Oliveira, tal e qual o faz com palavras o nosso Manoel, o de Barros. Passado o século XX, já me aborrece o culto ao novo. Que o jovem dê medalhas no esporte, belo! Que é impetuoso e aflore sangue nas guerras, sabemos. O que devemos temer é que a juventude mostre-se, ainda que não seja regra, mais um depósito de velha(ca)rias com cara de novidade.
Rinaldo Santos Teixeira · Campo Belo, MG 31/7/2007 09:18O espaço das TVs Universitárias é fundamental. O problema é que ele se torna praticamente obsoleto ao não ser utilizado para experimentação. Pior que isso, o espaço virou um lugar pra várias faculdades fazerem propaganda de seu curso. Enquanto fazem do modelo JN a coisa mais jeca já vista, tentam mostrar que, aqui, vc pode vir a se tornar a jornalista do horário nobre da grande TV. Querem provar o quê pra quem? A experimentação pode ser de conteúdo, de forma, de tecnologia, de qualquer coisa. E não perceberam que, se fizerem tentativas infelizes 100 vezes, mas Bingo! em uma, ganham todos muito mais: tanto a linguagem audiovisual, como os estudantes e sua instituição.
Oona Castro · Rio de Janeiro, RJ 31/7/2007 14:19Tem mais um artigo meu sobre televisão aqui!
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 6/8/2007 12:16
Gostei muito.
Sempre estou discutindo com meus professores e sempre eles dão pra traz, pois nunca me contradiz, valeu!!
É aquela velha história, né, Ronaldo: até que ponto a academia consegue, sem deixar de ser acadêmica, se enquadrar (ou fazer o acadêmico se enquadrar) no mundo contemporâneo? Estava vendo JN ontem: eles fazem curso de postura corporal da Globo, tamanha a igualdade como se portam. E é assim: se a academia prepara o acadêmico para o mundo, por que não o prepara para mudar o estabelecido? Veja que não falamos de sistema financeiro, mas de quebrar o gelo na programação audiovisual: ninguém deve morrer nesse processo.
De qualquer forma, a melhor maneira de se lidar com isso é "em time que ganha, não se mexe". Ou poderÃamos alterar a máxima para "em tv que ganha, não se mexe a câmera".
Parabéns pelo texto. Que o teu apelo seja ouvido pelos estudantes de comunicação. Que ousem! E que hajam doces para premiá-los.
Abraço.
muito bom, ronaldo! colei a matéria na comunidade do curso de estudos de mÃdia (uff) no orkut pra ver no que dava. entre outras coisas, como a notÃcia da iniciativa da uerj de criar um "youtube universitário", foi esse vÃdeo aqui: http://br.youtube.com/watch?v=UVzZGMMhs4E
Inês Nin · Rio de Janeiro, RJ 9/8/2007 23:17
O fato de uma nova linguagem televisiva não ser criada a partir dos universitários realmente é desanimador, não pelo desmantelo desta idéia de "revolução" esperada por muitos, mas principalmente pela falta de criatividade como bem notou em seu texto.
A preocupação dos estudantes em usar ternos, talvez tenha uma lógica fundamentada naquilo que eles projetam: serem vistos por profissionais da TV tradicional, que tenham interesse em contratá-los. Penso que seria muito mais produtivo se arranjassem outras formas de abordagem, o que serviria para incentivar quentÃssimas, além de ricas discussões acadêmicas no campo da comunicação. Outro dia mesmo estava vendo uma moça fazendo uma matéria universitária sobre turismo ecológico e estava com um salto finÃssimo e alto para apresentar o interior de Minas Gerais e o pior: não usava o plural.
¬¬
a lo mejor el problema de pensar en la necesidad de nuevos lenguajes y televisión experimental (¡la idea de pensar en trabajar con skype suena increible¡), tiene que ver con que pareciera que a pesar de todas las posibilidades narrativas que ofrecen una computadora y el internet, es como si en realidad el público quisiera permanecer casi igual. es decir, si, unos cuántos cambios, pero digamos, ¿por qué youtube ha sido un gran éxito a nivel narrativo formal y otras formas narrativas como el hipertexto o el video interactivo no lo fueron? cierto que a lo mejor hace falta un dostoievski de esas formas, pero quizá el hecho de ser tan barrocas ha ayudado a espantar a la clientela. no por nada youtube, que salvo por los cambios a nivel distribución y publicación que ofrece, sigue siendo una especie de televisión pequeña do-it-yourself. quizá habrÃa que pensar en estrategias innovadoras de producción, distribución y experimentación de formas narrativas que ataquen por distintos flancos: lo que se conoce como popular y lo experimental, para que los productores / investigadores no nos quedemos atrapados en nuestros media-labs, pero tampoco que por estar tan conectados con los procesos urbanos nos olvidemos casi por completo de la experimentación (tal cual es el caso de la televisión)....
muchos saludos desde tijuana, ronaldo, ¡gran texto!
f.
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