Por indicação de um amigo, conheci hoje o site CULTURA E MERCADO, muito interessante.
Encontrei, lendo a coluna CADERNO 2.0, entre os destaques, referência a um texto que tem a colaboradora do Overmundo Oona Castro como co-autora. Foi publicado originalmente no Observatório da Imprensa. Já que o artigo trata de um tema muito atual, com abordagem inteligente, e tem além disso a reprodução liberada, achei interessante tê-lo publicado também no Overmundo, considerando que por conta própria não escreveria tão bem sobre essa questão especÃfica, que teve desenrolar tão peculiar (como toda a implantação do sistema digital de televisão no Brasil).
Além disso descobri outros textos singulares, da maneira que se chega às coisas na internet: pulando de link em link.
Ainda lembro, há três ou quatro anos, do ministro das comunicações da época alardeando a pesquisa conjunta de universidades brasileiras para o desenvolvimento de um padrão nacional.
Agora, pelo jeito, além de engolir o japonês (que costuma ser um bom cardápio em restaurantes), também ganhamos como brinde a iminência de uma trava a mais.
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
A TV digital e os mecanismos anticópia
Por Diogo Moyses e Oona Castro em 18/9/2007
O Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) foi – e continua sendo – alvo de inúmeras polêmicas. Antes mesmo da publicação do Decreto Presidencial 5.820/06, diversos setores da sociedade debruçaram-se sobre os aspectos relativos à implantação da TV digital, com destaque para a escolha do padrão de modulação, a incorporação de tecnologias desenvolvidas no paÃs, o modelo de serviços e as regras para a transição para os atuais concessionários.
A bola da vez é a possÃvel adoção do sistema anticópia conhecido como DRM (digital rights management). Circulam nos meios de comunicações diferentes pontos de vista sobre o assunto, com as empresas concessionárias de radiodifusão defendendo a adoção de mecanismos que impeçam os usuários de gravar os conteúdos transmitidos pela televisão, alegando que somente esse dispositivo evitaria a pirataria. E, uma vez mais, o Ministério das Comunicações alinha-se à posição dos radiodifusores.
Caso venha a fazer parte das normas técnicas do SBTVD, o DRM impedirá o espectador de gravar qualquer programa televisivo. Os conteúdos somente poderão ser armazenados no set top box, aparelho conversor pelo qual vai passar o sinal digital para que o usuário possa assisti-lo em sua atual televisão. O professor que deseja gravar programas de TV para posterior exibição em sala de aula (para ilustrar algum conteúdo disciplinar, por exemplo), ou mesmo o telespectador que habitualmente grava conteúdos ficcionais (novelas, por exemplo), ou jornalÃsticos (como uma entrevista importante) para depois assisti-los em qualquer outro lugar, não poderá mais fazê-lo, já que a armazenagem no set top box não permite que o conteúdo seja transmitido a outra mÃdia e, portanto, assistido em qualquer outro lugar – nem na casa dos amigos, nem na escola, nem no trabalho.
Oferta livre de conteúdos
O espectro de freqüências por onde trafegam os sinais de rádio e TV é um bem público, sendo a exploração dos canais de televisão feita, portanto, a partir de concessões públicas. Trata-se de um "espaço" de propriedade do conjunto dos brasileiros, administrado pela União, embora o serviço seja ofertado por empresas privadas como as que conhecemos (Rede Globo, Record Bandeirantes, SBT etc.). Tais concessões são renovadas a cada 15 anos e devem seguir determinadas regras para que a exploração esteja de acordo com os princÃpios previstos na Constituição Federal.
Por se tratar de um serviço público, os sinais de televisão devem ser livres e gratuitos (Constituição Federal, artigo 155). Na mesma direção, o já citado Decreto Presidencial 5.820/06 estabelece que "o acesso ao SBTVD-T será assegurado, ao público em geral, de forma livre e gratuita, a fim de garantir o adequado cumprimento das condições de exploração objeto das outorgas".
É notório que a instituição da TV digital traz modificações na forma de transmissão e recepção da televisão (de analógico para digital), mas nada, em hipótese alguma, modifica o compromisso público que a televisão deve fazer prevalecer, entre elas, a oferta livre dos conteúdos. E, se hoje o espectador pode decidir o que fazer com o conteúdo que recebe pelo sinal da TV analógica, com o DRM não mais poderá fazê-lo.
Afirmações sem fundamento
Segundo os defensores do DRM, tais medidas de proteção tecnológica têm por objetivo impedir ou limitar a utilização de conteúdos digitais, sendo um instrumento para combater a cópia ilegal de filmes, CDs, softwares e outros tipos de conteúdo. A justificativa é compreensÃvel, mas os efeitos da opção serão negativos, em todos os sentidos.
A legislação brasileira (Lei 9.610/98) dá ao detentor do direito autoral a prerrogativa de decidir o que se pode fazer com sua obra. A mesma legislação, no entanto, estabelece limitações e exceções a esse direito, visando a garantir o interesse público. Com isso, algumas modalidades de uso são autorizadas sem a necessidade de autorização do autor (como o uso de trechos de obras para fins educativos, jornalÃsticos, de crÃtica etc.). Além disso, há obras sobre as quais não se aplicam restrições de cópias, como aquelas de domÃnio público.
Filmes como O Garoto, de Charles Chaplin, O Gabinete do Dr. Caligari ou O Último Homem na Terra, de notória relevância, estão em domÃnio público. Qualquer cidadão tem o direito de copiar, utilizar e distribuir tais obras. Com o DRM, tal direito será tolhido. Da mesma forma, filmes como Cafuné, licenciado em Creative Commons, cuja distribuição sem fins comerciais está autorizada pelo autor, não poderá ser copiado.
Em resumo, caso adote o DRM, o Estado brasileiro vai retirar do cidadão o que lhe é um direito, fazendo com que um dispositivo técnico se sobreponha à lei. Em nome de um direito (o autoral), violar-se-á outro igualmente importante (o de acesso às obras). Para que o leitor não seja enganado por afirmações sem fundamento, é preciso lembrar que a TV por assinatura já possui sinal digital e a comercialização de DVDs ilegais não se deve à gravação da programação exibida por cabo ou satélite. Não se vendem DVDs copiados de forma caseirae da Fox, Telecine e outras, até porque os filmes são exibidos muito antes nas salas de cinema.
Somos mais piratas do que eles?
O sistema anticópia defendido para o SBTVD, o High-bandwith Digital Copy Protection (HDCP), é proprietário, ou seja, uma empresa privada detém os direitos sobre a tecnologia. Sua inclusão na fabricação dos conversores da TV digital, se imposta à indústria pelo Executivo, imputará o pagamento de royalties, encarecendo ainda mais um produto que, indicam os fabricantes, já não será acessÃvel ao conjunto da população.
Entretanto, há quem esteja disposto a cobrir este custo. Recentemente, a MPAA (Motion Picture Association of America), representante dos estúdios de Hollywood, esteve em BrasÃlia, acompanhada de representantes das emissoras nacionais, para oferecer ao governo brasileiro subsÃdios para a inclusão do DRM nos conversores. Curiosamente, foi após esta reunião que o ministro das Comunicações declarou que, ao contrário do que havia anunciado anteriormente, o SBTVD adotaria, sim, o uso de sistema anticópia.
Com isso, além da evasão de capital nacional para o exterior e o encarecimento do set top box, compromete-se a livre concorrência, na medida em que a empresa detentora da tecnologia monopolizará sua produção, impedindo a inovação e a fabricação de dispositivos compatÃveis com o SBTVD.
A campanha contra a pirataria, uma vez mais, é a fachada para defender a inclusão do dispositivo na TV digital. Mas vale a pergunta: quando um CD da Marisa Monte, lançado com DRM, apareceu nas barracas de camelô, quem foi o responsável pela quebra do sistema? Um usuário médio, padrão, fã da cantora? Ou um especialista capaz de quebrar tantos outros sistemas anticópia? E quem será o responsável pela distribuição ilegal? O mesmo usuário padrão e seu fã? Ou seja, o DRM é, inclusive, ineficiente e facilmente violável por especialistas. Prejudicará somente o telespectador, não trazendo benefÃcios nem à grande indústria, que tanto o defende.
A indústria do entretenimento e da comunicação tem praticado um poderoso lobby a favor de uma tecnologia que não interessa ao cidadão. Ao contrário, é prejudicial ao desenvolvimento tecnológico, ao acesso ao conhecimento, à produção e circulação de informação, à economia e à educação.
Mas não custa perguntar: se o DRM é algo positivo e eficaz, por que os Estados Unidos e a Europa não o adotaram? Somos mais piratas do que eles?
-----------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------------------
_______________________________________________________________
Coerentemente, nos Termos de Uso do site Observatório da Imprensa, está escrito:
"É permitida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia dos editores, com a condição de ser mencionada a fonte – Observatório da Imprensa –, o endereço www.observatoriodaimprensa.com.br e, quando for o caso, a fonte mencionada pelo OI..."
________________________________________________________________
Aqui, no Overmundo, é interessante ler A Televisão não será Revolucionada, de Ronaldo Lemos
Os resultados da busca pela tag tv-digital também são interessantes.
_______________________________________________________________
Outros links:
Intervozes
Observatório do Direito à Comunicação
Baita texto, Obrer. Ótimos links (preciso conhecer um pouco mais estes cantos). Nem fiquei surpreso (!) com os caras de hollywood vindo aqui para o Brasil mesquinhando seus direitos. Putz.
Labes, Marcelo · Blumenau, SC 25/9/2007 16:43
Adoro a Oona e todos os outros textos dela. Muito bom, com certeza este texto deve estar no Intervozes também.
Um abraço pra Oona é uma pena não te-la conhecido no 1 encontro de SP.
Parabéns ao Obrer por lembrar do assunto que está por debaixo do tapete.
Parabéns, Obrer, um texto de primeira. Um assunto seriÃssimo.
Quem anda regulando, legislando e fazendo lobby para a adoção do DRM deveria, isto sim, observar a quantidade absurda de comerciais que estão veiculando nos serviços de TV por assinatura, que não são baratos. Recebem do assinante e do anunciante.
Muita gente já tem abandonado suas assinaturas, justamente por causa dos excessos de intervalos comerciais. Eu mesmo o fiz.
Espero que, no caso da TV digital (que empacou realmente), se pense mais na população brasileira e menos em meia-duzia de tubarões.
Abraços, parabéns, grande trabalho.
Baduh (que regressará, para votar!)
Acho que já está claro na introdução que fiz e no crédito, mas esclareço mais uma vez: o texto principal é de autoria da Oona Castro e do Diogo Moyses.
De todo modo, obrigado pelo comentário, Baduh.
Abraços,
Felipe
Oh, Obrer, valeu! Vejam outros textos sobre o assunto: um artigo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) no Estadão e outro do Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo. Tem também uma matéria da FSP E ainda uma nota da Paula Martini com vários links sobre o assunto.
Mais sobre outras questão relacionadas à vocês encontram no site do Observatório do Direito à Comunicação.
Higor, o que dizer diante de tamanha gentileza? Obrigada! A gente ainda vai se conhecer em outros encontros overmundanos ou pela vida mesmo. Pode ter certeza.
Correção:
"Mais sobre outras questões relacionadas à TV Digital..."
Sim, eu observei, meu caro Obrer. O que ocorreu foi que distraÃ-me e não estendi meu comentário aos principais autores, Oona Castro e do Diogo Moyses, que estão aqui parabenizados, enfaticamente, tendo eu antes me atido em homenagear quem os publicou e comentou, você.
Valeu Oona, valeu Diogo, valeu, mais uma vez Obrer, excelente trabalho!
Baduh
Muito legal o texto. Tinha visto quando estava na fila de edição. Devidamente votado e aprovado! Parabéns pelo trabalho.
Candice Gonçalves · Crato, CE 28/9/2007 19:19Vi agora na Agenda e deixo aqui o link: Oficina de Conteúdo para TV Digital, do Saulo Frauches
Felipe Obrer · Florianópolis, SC 29/9/2007 16:53Muito bom, esse discurso neo-liberal se contradiz a todo instante. Aprovado.
Ivan Macedo · Duque de Caxias, RJ 16/4/2008 11:13Estudo técnico jurÃdico: O bloqueio de cópias na tv digital, do Ronaldo Lemos, publicado no banco de cultura.
Felipe Obrer · Florianópolis, SC 1/5/2008 12:06Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!