Agora sim, é Montage?

Wanessa Malta
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Ricardo Sabóia · Fortaleza, CE
6/3/2006 · 213 · 3
 

A banda Montage, formada por Daniel Peixoto (vocalista), Patrick Bachi (guitarra) e Leco Jucá (groovebox), fez sua primeira apresentação em janeiro de 2005, no apertado palco do Noise 3D, reduto indie de Fortaleza. Trazendo um punhado de canções curtas e irreverentes e uma postura para lá de abusada do vocalista Daniel, surpreendeu muita gente: revelava-se ali um trio antenado com as sonoridades contemporâneas, electro, pós-punk e rock industrial produzido na capital do Ceará.

Desde o primeiro show, o Montage não parou de colecionar feitos expressivos: em 14 meses de carreira, comandou, ao lado da cantora Karine Alexandrino, o trio da Parada Gay da cidade, evento com público estimado em 100 mil pessoas (número da Polícia Militar); amealhou seguidores fiéis no (pequeno) circuito de casas alternativas local, como o próprio Noise e o Fafi Bar, e fez um giro de dois meses e 11 apresentações no Rio e em São Paulo, em lugares bacanas como o Atari (SP) e Fosfobox (RJ). Participou ainda do Machina Festival, na capital paulista, onde tocou ao lado de nomes relevantes da cena eletrônica nacional.

O detalhe é que conseguiu tudo isso sem ter um único disco oficialmente lançado (a banda costuma vender apenas singles e o primeiro EP, The good boys, em algumas apresentações) e com um punhado de canções disponibilizadas nos sites Tramavirtual e Fiberonline.

A rápida ascensão do Montage, em uma cidade com bandas de rock há anos em atividade e pouco reconhecimento, seja artístico, midiático, ou ambos, chama a atenção. As apresentações da banda são sempre concorridas. É possível até identificar fãs recém-saídos da adolescência com camisas personalizadas reproduzindo o bordão ecoado pelo vocalista nos shows ("Agora sim, é Montage!") ou garotos que se inspiram na figura andrógina de Daniel Peixoto, visualmente uma síntese de Marilyn Manson e a vocalista Shirley Manson, do Garbage. Recentemente, o trio estampou as primeiras páginas dos cadernos culturais dos dois principais jornais do Estado.

Mas o que é, de onde veio e como chegou até aqui o Montage? O aparecimento da banda resulta de um desdobramento dos projetos individuais de cada integrante, como revela o guitarrista Patrick: "O Montage, no inicio, foi uma compilação de coisas que a gente tinha já feito, um canto em comum de coisas que nunca tinham saído".

Cada um dos integrantes do trio, porém, apresenta uma versão particular e elabora o próprio mito de origem da banda. Daniel salienta o projeto de programa de televisão Asterico, na TV União, que rendeu apenas uma edição: "O Leco era o editor, eu era o apresentador e o Ricardo [Castro, espécie de quarto elemento da banda, dublê de produtor, assessor de imprensa e pau pra toda obra] era o produtor. Éramos pessoas sem um real no bolso e ainda conseguimos viajar, cobrir festivais, entrevistar pessoas legais. Tem muita coisa inédita, daí, quando a gente ficar rico e famoso a gente paga alguém pra editar".

O vocalista lembra ainda de encontros ocasionais anteriores ao primeiro ensaio do show de estréia: "Conheci o Patrick no meio da rua, ele era booker e me convidou para trabalhar. Eu estava passando pelo Dragão do Mar e ele chegou: oooooi. Ele era modelo de publicidade. Conheci o Leco no primeiro show d'O Quarto [das Cinzas, projeto de trip hop que também conta com a programação eletrônica de Leco]. O [DJ] Tiago [Guiness] me convidou pra fazer um show de electro no Ritz [casa de rock alternativo, hoje extinta]. O Leco tinha interesse, mas nem existia a banda, era um Live P.A. Aí o Ricardo viu que aquilo poderia ser uma coisa bacana, mas até ele deve ter ficado passado quando viu o resultado".

Com a palavra, Ricardo Castro: "Eu cheguei no Dado [Pinheiro, proprietário do Noise], e falei: quero uma data. E saiu. A minha idéia era que o Leco e o Patrick fizessem sets. Não lembro direito agora por que o Patrick tocou guitarra".

Leco, por sua vez, descreve sua trajetória: "Eu tocava mais com O Quarto das Cinzas, gostava de produzir trip house, mais lounge. Produzia essas coisas mais electro, mais rock por gostar, mas nem pensava em tocar. Tinha até uma idéia de fazer uma parada com o Ricardo com groovebox e guitarra, mais no estilo John Frusciante".

Por fim, a posição de Patrick: "Daniel participou como convidado e ficou, ia ficar fazendo pose e repetir umas palavras, mas ele surpreendeu todo mundo".

Versões à parte, o primeiro show veio com a reunião dos três em um único ensaio. O público foi receptivo à mistura de rock e eletrônico e, a partir de então, o ataque aos ouvidos e corações dos cearenses partiu de várias frentes. Novos shows foram agendados e o material produzido por Leco e Patrick no home estúdio começou a aparecer, juntamente com imagens bem trabalhadas do fotógrafo Nicolas Gondim, nos sites Tramavirtual e Fiberonline.

É impossível dissociar os feitos do Montage dos novos canais de divulgação na internet. Além de disponibilizar canções para download em sites especalizados, os fotologs da banda e de Daniel, juntamente com a comunidade no Orkut, são os canais mais eficientes para divulgar o trabalho do trio. O vocalista (que, no momento da entrevista, não parou um só instante de atualizar e acompanhar os comentários dos fotologs), ressalta: "A gente percebeu que dava para articular música com outras coisas, com moda, com imagem. E a internet teve um papel fundamental nisso".

As músicas da banda têm circulado essencialmente na rede mundial de computadores. Patrick revela não acompanhar mais como de início o número de downloads, mas acha que tem ocorrido um retorno considerável: "A cada matéria que sai no jornal, muita gente procura nos sites. Aí tem piques. Sai uma notinha e acontece muito download. Acontece muito por boca-a-boca mesmo". Daniel comenta a prioridade pela internet: "Nossa música não toca na rádio porque a gente nunca foi deixar um disco. A gente nunca se preocupou com isso. Seria legal se tocasse, mas... Aqui em Fortaleza, as pessoas querem que você corra atrás delas de todas as formas e fique chupando o cu desse povo. Não é que eu não faça isso, eu faço se eu achar que vale a pena. Eles querem ser bajulados, babados, tipo implorar para tocarem. Botei o clipe na internet e teve 1500 acessos em uma semana", afirma.

O apelo visual no trabalho do Montage tem sido essencial para a afirmação da banda. No palco, destaca-se a presença de Daniel, ex-modelo e ex-produtor de televisão, com uma performance elétrica e um visual mutante, mas essencialmente andrógino. Patrick é poser na guitarra e interage bastante bem com o vocalista. Leco, por sua vez, fica mais escondido por trás do laptop onde comanda as programações, mas nem de longe tem uma presença apagada.

As apresentações têm recebido nos jornais adjetivos como sexual, intensa, agressiva. Indagado sobre o assunto, Patrick comenta: "A gente acabou ficando uma banda cheia de feromônios, é mais pela postura do som, do electro. Nossa música até dá para ouvir trepando, mas não é o que você vai encontrar em um motel. Ah, os três são caras sensuais, eróticos? Somos, somos caras que, sinceramente, passam uma coisa... Não sei o que o Leco teria a dizer sobre isso". "Nada a comentar", responde.

Dizer, porém, que o Montage seria apenas três rostos inegavelmente bonitos seria injusto. Se o vocal de Daniel revela-se, ao vivo, ainda limitado, não chega a comprometer (e o bom punk já ensinou que nem tudo que funciona é necessariamente resultado de virtuosismo). Patrick revela-se bastante competente na guitarra e a atuação de Leco (que participa também do Quarto das Cinzas) na programação das batidas eletrônicas é merecedora de grandes elogios, constituindo mesmo a base sólida para as intervenções de Patrick e Daniel.

As músicas disponíveis na internet aparentam uma ênfase mais acentuada na sonoridade eletrônica, notadamente o electro-punk. Nas apresentações ao vivo, o equilíbrio com um som mais rock é maior. "Nosso som é eletrônico mas soa ao vivo como rock, por causa do vocal, da guitarra. O Montage não tem nada a ver com a cena eletrônica daqui, a gente escolheu outro lado, resolveu fazer outras coisas. É centrado no rock e na evolução do eletrônico, dar um passo a frente. Quando eu vi Franz Ferdinand, pensei, caralho, dá pra fazer eletrônico não parecendo ser eletrônico, essas bandas pós-punks, que tem toda uma vontade de ser eletrônico mas é rock", sintetiza Leco.

As letras, por sua vez, são simples e essencialmente irreverentes, algumas em inglês, como I trust my dealer, onde Daniel repete "My life is amazing/ because I trust my dealer" e I lost u in the swing club, onde canta "We are a modern couple/ I'm a little gay/ I lost u in the swing club", outras em português, caso do hino pancadão-electro Ginastas cariocas. Nesta, Daniel e Patrick alternam-se nos vocais para cantar os versos "Elas são alongada, elas são esticada, elas são flexível/ela pula ela gira ela dá cambalhota/ São as ginasta carioca", acompanhados do refrão "Vai Daiane! Vai Danielle!". Em Raio de fogo, Daniel evoca uma letra extraída de uma visita a um terreiro de macumba: "Na encruzilhada em noite de lua cheia/ Raio caía/ Trovoada estrondava/ Era a pomba gira /Raio de fogo/ Que saía do inferno para as sete encruzilhadas".

O espírito desbocado é uma marca que emerge nas canções e na postura no palco, mas os integrantes assumem um tom mais sério quando falam da possível vinculação do Montage a uma nova e emergente cena musical em Fortaleza, celebrada nacionalmente com o aparecimento de artistas de peso como Cidadão Instigado e Karine Alexandrino, com discos vigorosos lançados no mercado e bem mais tempo de estrada. "Acho que não existe uma cena que cruze rock e eletrônico, por exemplo, porque não existe mais de um núcleo de produção. Tem um núcleo bem talentoso de DJs voltado só para eletrônica". E dispara: "Muita gente fica aqui parado, 'ah, vamos esperar que algo vai acontecer, vai surgir uma cena como a cena de Pernambuco'".

O produtor Ricardo Castro também revela não acreditar em uma "cena" propriamente dita: "Não acredito em uma cena em Fortaleza, as pessoas até querem que tenha, mas existe mesmo é uma cooperação. Tem muita gente que se ajuda, pessoas próximas da gente mesmo. E isso é legal, as coisas estão acontecendo na cidade, mas é insuficiente para quem vive exclusivamente disso. Fortaleza vive uma fase de que tudo está para vir e as coisas estão caminhando, mas a banda não está disposta a esperar".

Por não estar disposta a esperar, entenda-se a mudança em breve para São Paulo. Os integrantes demonstram satisfação com o que colheram em tão pouco tempo, mas traçam novos rumos para o Montage. Um dos motivos alegados para o estabelecimento na capital paulista é a facilidade de transitar por espaços com público para a banda: "Promoters não vão querer ficar pagando passagens Fortaleza-São Paulo toda hora", afirma Patrick.

Leco, por sua vez, destaca a existência de mercados mais amplos no Sudeste. "Estando em São Paulo, a gente pode arranjar um alcance maior. Aqui a gente fica limitado ao Nordeste, para pessoas ficarem pagando para a gente se deslocar. E ainda assim isso raramente acontece, só aconteceu uma única vez, uma rádio de Teresina promoveu um evento grande, eram pessoas que tinham grana e bancaram passagens, hospedagem. Em São Paulo a gente não vai ter esse problema, de lá poderemos ir para Brasília, Minas, Rio, interior de São Paulo", ressalta Patrick.

No Ceará, além das apresentações em Fortaleza, o Montage aventurou-se por shows no Crato (onde Daniel morou parte da infância e da adolescência) e em Horizonte, pequena cidade da Região Metropolitana da capital, onde promoveram um inusitado show de Dia do Estudante em conjunto com Karine Alexandrino.

Malas feitas, a banda faz um balanço dos seus feitos até agora e ao mesmo tempo desmistifica quem acha que o burburinho é resultado apenas de glamour e de sorte. "O Montage não usou nenhum dinheiro, nenhuma tecnologia, nada que não fosse disponível para outras bandas. Só que somos cabeças pensantes", diz Daniel. Patrick, por sua vez, ressalta o trabalho feito até aqui: "Nenhum produtor bateu na porta do meu estúdio ou na do Leco. A gente foi atrás, se tiver alguém achando 'aconteceu com o Montage, por que não acontece com a gente?', que vá trabalhar, porque não foi assim de repente. Teve muito trabalho meu, do Ricardo, do Leco e do Daniel, conhecer as pessoas, conversar com muita gente, por telefone, por internet. É um trabalho de auto-promoção mesmo, de divulgação do material".

Leco concorda: "Não é pra achar que é fácil. Pô, aconteceu rápido com o Montage? Aconteceu, mas em dois meses a gente fez 15 shows entre o Rio e São Paulo. E a gente tava lá ralando, tem gente que não agüenta isso. Ficar sem dormir pra passar o som à tarde, ficar na casa de amigos, não somos uma banda com estrutura mainstream", afirma.

E para que os discursos não revelem a impressão de que o Montage seria apenas uma banda "esforçada", os meninos lembram, entre a auto-confiança e planos futuros: "A gente tem conseguido por causa da qualidade da banda", diz Leco. "As pessoas falam, 'ah, mas em São Paulo existem 100 mil coisas iguais a isso', aí você chega lá e vê que não é bem por aí. A melhor coisa que vi por lá foi o pessoal do Cidadão Instigado, que é daqui". Patrick completa: "A gente tem uma banda única, eu realmente acredito nisso". Daniel, por sua vez, diz: "Eu estou disposto a comer quem quer que seja, seja de qual idade for, para fazer sucesso. E os meninos também, pode colocar isso aí por minha conta. Quero dominar o mundo como a Banda Calypso".

Não seria um tanto demais? "Não, não, o fracasso não subiu ainda a nossas cabeças", diz Ricardo, quem Patrick, aliás, define como um "grande inventor de mentiras culturais". Bem, uma mentira melhor do que muitas verdades estabelecidas por aí.

Montage na Rede:

Trama Virtual:
http://www.tramavirtual.com.br/montage
FiberOnline:
http://www.fiberonline.com.br/artista.php?id=1521
Orkut:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1298901
Fotolog:
http://www.fotolog.net/_montage

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Yuno Silva
 

fala Ricardo, conheci o Montage no início deste ano e fiquei surpreso com a vanguarda liquidificada aí em Fortaleza. Tenho que dar um pulo pra conferir também a Farra na Casa Alheia. Abraços natalenses.

Yuno Silva · Natal, RN 8/3/2006 01:33
3 pessoas acharam útil · sua opinião: subir
Thales Aragão
 

A Banda Montage também está na coletânea Ceará Original Soundtrack, a nova música do Ceará. A coletânea foi lançada no Porto Musical, evento internacional de Recife e tem muito da boa música contemporânea feita no estado. Maiores informações: www.geradormusic.com.br

Thales Aragão · Fortaleza, CE 8/3/2006 10:14
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karla_santana
 

Eu acredito que há muitas cabeças pensantes por aqui em Fortaleza. A diferença é que como disse o Patrick, a banda colocou desejo, esforço, tesão, suor e muita inteligência nesse projeto que virou uma boa realidade. Sucesso, Montage!

karla_santana · Fortaleza, CE 8/3/2006 16:36
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