ALBERTO DA PAZ
Recebeu do Conselho Estadual de Cultura, a Medalha do Mérito Cultural, como “Patrimônio e Memória” do Estado de Goiás. Rei mouro (Iedo) e Imperador cristão (Evaldo) das cavalhadas de Santa Cruz de Goiás conduziram Alberto da Paz (Albertão) ao palco do Teatro Goiânia, no dia 05 de maio de 2008, às 20 horas, na entrega do “Prêmio Jaburu”, quando foi homenageado.
“Patrimônio cultural não é só monumentos edificados.
Há uma dimensão imaterial, intangível, que tem o mesmo valor”.
À margem da GO-020, (Rodovia JK) a 128 km de Goiânia, está Santa Cruz. Tão próxima e tão distante da Capital! Foi considerada uma das primeiras povoações, no início do desenvolvimento de Goiás. A formação do arraial originou-se pela mineração. Aventureiros, negros escravos e garimpeiros foram os primeiros habitantes.
Apesar das perdas materiais e simbólicas, Santa Cruz manteve firme sua fé, sua crença e seu folclore; as manifestações religiosas e culturais é que nos impulsiona...
Quando falo em folclore, me vêm à mente muitas imagens: minha Tia Diana que contava causos; cantava embolada; tocava violão. Vem dela muita coisa que guardo na memória. Tio Américo, que me presenteou com uma caneta quando pequena e disse que eu nunca me separasse dela. Tio Júlio: todos, músicos; e, também meus Pais, principalmente minha mãe, com sua medicina alternativa, sua habilidade para o artesanato, sua disposição para qualquer serviço. Dentre todas estas imagens, vem precisamente e com nitidez, a imagem de Alberto da Paz (Albertão). Olhos opacos, (...); Se falar em uma música, ele canta, para ensinar o que sabe. Se falar em uma dança, imediatamente ele ensina alguns passos. Hoje, Diretor do Conselho Consultivo da Comissão Municipal de Folclore — uma maneira de homenageá-lo — não mais integrando ao time das cavalhadas. Continua às vezes na folia, apesar de debilitado pela falta de saúde.
Nome artístico “Ás de Ouro”, Inspetor da Guarda Civil, violeiro e cantador de folias e danças populares, poeta, rei cristão das cavalhadas (cavaleiro por 56 anos), marcador de quadrilha, contador de causos... Deixa registrado em nossa memória, o universo do camponês goiano, através das danças e músicas folclóricas. Sua história se entrelaça à história de Santa Cruz e de todo Estado de Goiás. Sua impressionante vida se apresenta com extrema grandeza, como poderoso gesto de sedução da memória. Não é um gesto qualquer. É uma volta ao tempo, onde se vivia simplesmente em função do bem estar; da união; da alegria... Onde era cultivado o prazer pelas coisas naturais e belas da vida, através da arte. Alberto uma criança grande e feliz, não quer ver a história de Santa Cruz morrer. Com sua vida artística, muito contribuiu para nossa cultura. De tudo que aprendera sobre folclore, sua maior paixão foi, e é, as Cavalhadas. Conheceu esta manifestação folclórica, ainda era criança.
Disse Alberto.
"Terezinha, escrava, teve um caso com Berto um Senhor de Engenho, em Pilar de Goiás, deste caso vieram dois filhos clarinhos. Seu marido Benedito achou estranho quando viu Euzébio um menino clarinho. Depois veio Terezinha também branquinha. Benedito pensou:
“Como pode um casal de negros gerar filhos claros?”
Revoltou-se e brigou. Alguns negros eram a seu favor e outros contra. Houve muita morte. Benedito morreu nesta rebelião. Os negros favoráveis a ele fugiram levando o casal de crianças: Terezinha e Euzébio. Eram ajudados por negros de outras fazendas, que lhes ajudavam escondido dos feitores. Vieram até Santa Cruz. Aqui chegando os coronéis deram abrigo aos negros fugidos, em troca de serviço. Chegou a Pilar de Goiás, tempos depois, a notícia de que os negros estavam em Santa Cruz. Os Capitães do mato vieram atrás deles; a turma de coronéis os rechaçaram; voltaram para Pilar..., nunca mais puseram os pés em Santa Cruz, por medo de serem em número maior os negros desta região. Para livrar de uma revolta os Coronéis de Santa Cruz mandaram os negros refugiados para Bela Vista de Goiás, de acordo com os Coronéis de lá, indo junto: Terezinha e Euzébio. Passara o tempo. O casal de criança foi registrado e batizado pelos Coronéis que os estimavam muito. Ficaram com nome de Tereza Marques das Neves do Pilar e Euzébio Marques do Pilar (Neves, em homenagem à neve, que achava bonita demais).
Francisco Teixeira da Motta Coronel da Guarda Nacional era poliglota (falava: tupi-guarani, francês, alemão, português e espanhol), aprendeu ouvindo os estrangeiros. Aprendia com eles seu idioma e os ensinava o português; era um rapaz de posses. Casou-se com Tereza, antiga Terezinha – escrava fugida, educada pelos coronéis - Francisco recebeu após o casamento, a Espada de Honra ao Mérito das mãos do Conde de Assumar, Governador de Goiás.
Francisco Teixeira da Motta e Tereza tiveram um filho: Alcebíades Teixeira da Motta. Quando moço aqui em Santa Cruz, Alcebíades exerceu as seguintes funções: Ouvidor (Juiz de Direito) Rábula (Advogado leigo) Prosador (Contador de história) e Intendente (Prefeito). Alcebíades Teixeira da Motta casou-se com Angélica Teixeira dos Santos. Desta união, no dia 24 de janeiro de 1920, às 05h30min de sábado, nasceu Alberto da Paz, que sou eu.
Desde pequeno eu aprendi a gostar de folclore. Meu primeiro contato com a congada e outras danças e músicas folclóricas foi assim: Saindo da fazenda Pico, fui pra outra de nome Cubatão, cujo proprietário era Balizaria Leopoldina de Moraes. Também exercia lá nessa fazenda, a profissão de vaqueiro e roçador de pastos. Fiquei lá até aos 17 anos. Depois fui trabalhar com Manoel Teixeira Araújo, fiquei até os 19 anos. Nesta época conheci Luis Teixeira de Araújo, pai de Manoel, que morava na fazenda vizinha. Ele era folclorista, violeiro, catireiro..., aprendi com ele quase tudo que sei sobre folclore: Folia de Reis; Catira; Folia de São Sebastião; Cana Verde; Roseira; Engenho de Maromba; Passeio Bom; Quadrilha... A Congada eu aprendi com Manoel Cristino, carpinteiro e dançador de congo e também com Benedito Rebolo, um Senhor oriundo de Rio das Pedras - MG. Mas eu nunca enveredei por esse lado; gostava era de ser cavaleiro das Cavalhadas. Fui também marcador de Quadrilha.
Quando conheci a encenação das cavalhadas, meados de 1924 a 1925. Fiquei encantado! Aos 17 anos corri pela primeira vez, como um cavaleiro cristão. No ano de 1945, com 25 anos de idade assumi como contra-guia: cavaleiro que abre as cavalhadas, na hora que vão os Reis, um para cada lado. (Há um contra-guia mouro e um cristão). Em 1948, com 28 anos de idade, passei a guia (rei cristão), ficando até o ano 2000; minha última cavalhada!
A primeira encenação das cavalhadas em Santa Cruz foi em 15 e 16 de agosto de 1826 coordenada por Raspasiano Adagomanto. Não registraram esta história para posteridade, portanto, infelizmente não sabemos quem é Raspasiano, nem porque ele trouxe esta encenação para cá. Só sabemos que as Cavalhadas, nada mais é que a representação da guerra entre o Império Francês contra os Turcos Mouros. Guerra por religião, política e paixão.
Sei um bocado de danças de troca de pares, pode improvisar versos na hora. A gente dançava e cantava nos pagodes! “Pagode”, Fátima, era festa de escravo (eu era tratado como um). Nós reuníamos pra dançar e cantar, acompanhados de sanfoneiro e violeiro. Dois cantador alternados cantavam as músicas, enquanto desenvolvia a dança. Mas o povo ajudava.
Quando a gente chegava ao pagode, no começo ficava desanimado. Ficávamos ali pelo terreiro, encostado nas paredes, uns cabisbaixos, outros mais cendeiros (assanhados) tiravam as mocinhas pra dançar.
Eu desconhecia as dança chique de salão, mas sabia pisar num pagode! Era um belo bailado de saia rodando! “Dois poetas, ou dois trovadô” (assim chamava os cantadô) animava com as músicas conhecidas, ou ia improvisando os verso na hora. Aí ficava bonito! O salão ficava apinhado de gente. Se um levantasse o pé, pode ser que conseguia descer, de tanto que ficava cheio. Era um amassa barro, levanta pó,... mas tudo dentro do ritmo. O suor descia, a boca secava... mas ninguém cansava! Uns tomavam uma pinguinha num gole só, outros só tomava água, “pra dá uma moiadinha” na boca. Como a gente era feliz! Num tinha pobreza, num tinha nada que apagava a alegria de estar em um pagode. As casas eram de pau a pique, chão batido; rancho mesmo! Virava um poeirão danado... mas todo mundo se divertia!
A festa acabava de madrugada. Chegávamos em casa e nem bem pegávamos no sono, íamos acordando com o canto da Saracura Três - potes: — 'três potes, três potes"...Elas cantavam no começo e no fim do dia. Era o trem mió do mundo ouvi as bichinha cantá!”
NOSSAS TRADIÇÕES SÃO PASSADAS DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO. SÃO RECEBIDAS E REPASSADAS DE MANEIRA INTUITIVA E AFETIVA, DEIXANDO NO CORAÇÃO DE CADA UM DE NÓS A CERTEZA DE QUE, PELA ARTE, PODEMOS ILUMINAR A VIDA. PARA NÓS, É IMPORTANTE A CONTINUIDADE, A MEMÓRIA, O RECORDAR OS TEMPOS IDOS. ENQUANTO VIVENCIAMOS UMA ARTE, ESTAMOS DE ALGUMA FORMA CONTACTANDO NOSSO PASSADO. EM UMA DETERMINADA MÚSICA UM VÊ O PAI, EM UMA DANÇA OUTRO VÊ O AVÔ E ASSIM POR DIANTE...
Tradição descende da palavra latina “traditione“ que significa entrega, outorga; assim, a tradição é o ato de transmitir ou propagar valores espirituais de geração em geração e nesses valores podem-se incluir fatos, hábitos, usos, costumes, lendas, e muitos outros valores de apreço ou de rejeição, de um povo ou parte dele, sobre certa reminiscência ou memória. Assim é Alberto da paz (Albertão), uma pessoa do povo, que nos enriquece com seus saberes, sua memória inigualável, suas crenças, suas lendas, seus causos. Uma homenagem justa, a um Ícone do Folclore Brasileiro.
Aparecida Teixeira de Fátima Paraguassú
Presidente da Comissão Municipal de Folclore de Santa Cruz de Goiás.
DEPOIMENTOS SOBRE ALBERTO
Na década de 1970 tive o privilégio, entre as autoridades presentes, na Cavalhada, inclusive o Governador do Estado, de receber a maior homenagem da festa, a "argolinha" conquistada, na ponta da lança, pelo rei cristão, Alberto da Paz. Estavam comigo no palanque, a folclorista Regina Lacerda e o escritor, meu compadre, Bernardo Élis. Conheci o Alberto, em Goiânia, desde o tempo em que fora Inspetor da Guarda Civil, violeiro e cantador de folias e danças populares, com o nome artístico Ás de Ouro, fazendo dupla sertaneja com o Campo Grande. Ultimamente, todas as vezes que passava por Santa Cruz, o visitava em sua casa, que ainda mantinha um pelourinho do tempo da escravidão, ele, quase cego, ao ouvir minha voz, exclamava entusiasmado:
–“Waldomiro Bariani Ortencio, que prazer!”.
Bariani Ortêncio - Presidente da Comissão Goiana de Folclore
O que posso dizer é que ele está na minha memória de criança, e que o gosto pelas cavalhadas eu adquiri ouvindo-o falar, cantar, tocar... Eu tenho uma verdadeira admiração e respeito por ele. Sim, ele é inspirador! Ouvindo-o cantar nas folias, não há quem não se emocione, não chore, não respeite a sua fé! Eu tenho na memória, registrado com saudade: o tom de sua voz, o olhar, os gestos e a imponência ao representar, ao contar os causos todos. Muito lindo! E não é nada material, mas sim o espírito de alguém que ama sua terra, sua origem, sua historia!
Moema Nepomuceno, Brasília-DF.
Viva Santa Cruz, Viva Alberto da Paz e Viva à vc que nos mostra tanta riqueza cultural!
bjs
sinva
Obrigada amiga Sinva pelo apoio. Vc também nos surprende com matérias magnificas.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás, GO 20/5/2008 22:22
Fátima, maravilhosa narrativa. Retrato fiel da história das Cavalhadas em Santa Cruz de Goiás. Festa folclórica e de cunho religioso característica do Estado, tem seu maior esplendor em Pirinópolis.
Parabens.
Abração!
Fátima, esta foi uma verdadeira aula de nossas manifestações culturais juntamente com a merecidíssima homenagem a este rei, não só das festas, mas da alma do povo goiano.
Obrigada por nos mostrar.
beijos
Brigite, em Santa Cruz conservamos a simplicidade e originalidade das cavalhadas, talvez pela falta de recurso e pouca divulgação.Mas é isto qoe encanta.Só se fala em Pirenópolis.Graças a Deus veio este reconhecimento ao nosso mestre Alberto pelo bem que nos fez e faz.Temos ainda a contradança, o batuque.
Obrigada pelo apoio.
Saramar, Alberto é mesmo fascinante.Tem uma revista que flao sobre tod vida dele, está pronta para ser editada, junto ao ITS, só esperando o sinal verde da UCG. Fico feliz pelo apoio.
Obrigada!
Herbeson, obrigada pelo voto.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás, GO 21/5/2008 08:15Fátima, parabéns pela iniciativa. Ficamos encantados com a entrega desse prêmio ao "nosso Alberto". Bravo Fátima!! Bravo Alberto!!
Fernando Santos e Juliana Alves · Goiânia, GO 21/5/2008 09:33Fernando e Juliana, o universo de Santa Cruz tornou-se mais amplo a partir do momento que voces também se apropriaram de nossa história. Obrigada pelo apoio. Obrigada pelo trabalho que realizam em prol de nossa cultura popular.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás, GO 21/5/2008 09:39Gladys, obrigada pelo apoio.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás, GO 21/5/2008 09:58
Fátima.
Fico profundamente feliz quando vejo pessoas, nesse país, como você, não permitirem que esqueçamosa da nossa história, que continuemos sem memória, sem passado.
belíssima narrativa
Grande abraço
Noélio
Noelio Mello., agradeço seu apoio e digo que, é meu sonho, trazer à tona esses saberes que são o suporte, o que de fato é real neste mundo cão.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás, GO 21/5/2008 21:07
Esta ai o meu voto com louvor, amiga, colega e sócia no divulgar de nossa querida Santa Cruz de Goias, seja pelas suas belesas naturáis, festividades ou por qualquer acontecimento, ou pelos seus filhos e moradores ilustres presentes e ausentes.
Parabens pelo trabalho incansavel por esta divulgação, tanto com sua presença fisica marcante pela sua simpatia e carisma, como no site.
Mauro Viégas.
Fátima,
Linda e muito justa homenagem ao Sr. Alberto! Quem dera tivéssemos sempre oportunidade de reverenciar, como você tão bem o faz, personalidades como ele! Cumprimento-a também pelo que vi na solenidade do Conselho Estadual de Cultura - a você e aos reis cavaleiros de Santa Cruz.
Parabéns!!!
Luiz de Aquino
Mauro e Luiz. Um amigo e sócio, o outro, grande amigo. Que bom o comentário de voces. Quanto mais falo no Albertão, mas me emociono e acredito que vale a pena a reverência a estes mestres.
Obrigada pelo carinho e apoio.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás (GO)
ALBERTO DA PAZ/PATRIMÔNIO E MEMÓRIA DE GOIÁS
Um Trabalho profundo e de muito fólego.
Toda História e abrangéncia.
Homenagem especia a Alberto da Paz Inspirador e Amigo Lendário da Cultura do Povo.
Um encontro Santificado.
Valeu a pena, valeu a vida.
Abracáo Amigo
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