AO BALANÇO DE SÃO PAULO

André Porto
Thig, do Relatos da Invasão
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André Maleronka · São Paulo, SP
9/9/2007 · 184 · 8
 

Três grupos com diferentes propostas de balanço contrariam estereótipos atribuídos ao rap brasileiro e trazem expectativas de sucessos comparáveis ao período áureo do pagode paulista dos anos 1990.

"O que é o rap? Ritmo E poesia. Então primeiro o ritmo, depois a poesia. É o ritmo que te pega, que te prende, em tudo. Em tudo”. KL Jay, DJ dos Racionais MCs, declara a formação de um novo momento na música brasileira. “A cultura hip hop no Brasil tá passando por um momento de mudança musical. O cara que joga bola tem que prender as pessoas pelo jeito de jogar. O DJ tem que prender as pessoas pelo jeito que toca. Se você faz rap, tem que fazer as músicas com as batidas loucas, com balanço". Os frutos dessa estratégia, esse balanço que só vem de São Paulo, conquistaram pistas de dança “dos barracos de madeira às boates do Jardins”, pra citar uma frase do Rosana Bronks. "Jogar pra Ganhar", o disco de estréia do grupo da zona Sul, foi lançado pela Cosa Nostra, de Ice Blue e Mano Brown, parceiros de KL Jay nos Racionais. Foi o selo independente que lançou os últimos discos do maior grupo do Brasil e o fenômeno Sabotage. A Cosa Nostra também aposta suas fichas em "Trutas e Quebradas" d' U Time, enquanto KL Jay editou "É O Gigante" do Relatos da Invasão pelo seu Equilíbrio.

No dia das entrevistas, depois de um mês gelado, São Paulo acolhia os transeuntes como centenas de amantes ensolaradas e momentâneas. Nada mais adequado para conversar sobre as produções de uma geração que já vive a assertividade orgulhosa reivindicada pelos grupos predecessores. Delas emerge uma São Paulo festiva, obstinada e que oferece seus mapas no convívio. As redes de distribuição dessas músicas cheias de idéias ainda não passam pela mídia, fora uma ou outra esbarrada nos grandes veículos, mas mesmo assim já atingem as audiências mais diversas.

O Relatos é o próprio retrato disso. Antes mesmo do lançamento da estréia do grupo da zona Norte, um dos melhores e mais orgânicos encontros entre rap e samba já feitos, a música "Jaçanã Picadilha" virou sucesso. "Tivemos ajuda do DJ King, que ouviu a música, entrou em contato com a gente pra pegar, tocou e fez virar um hit nas festas. Ele teve a coragem de chegar e tocar a música. Depende muito dos DJs, mas acho que eles têm que fazer isso, colocar as coisas que gostam no trabalho - se preocupar com a arte" declara Pampa, o DJ do grupo. O passeio pelo bairro periférico conduzido pelas levadas malandras e sambadas de Negrinho e Thig mostra a cara de "um grupo formado por pessoas pobres, negras, trabalhadoras, felizes em ser quem são e que têm uma ansiedade", descreve o último. Ele fala entre o samba em alto volume, jogando as frases com som final aberto enquanto abre curvas largas com seu Passat, mais do que empolgado. Ele conseguiu transpor perfeitamente o seu jeito de ser para o seu som. Talvez por isso "Jaçanã Picadilha" tenha batido não só nos extremos da cidade: durante uma discotecagem que precedeu a apresentação dos Racionais MCs no Urbano, casa noturna do centro expandido, o som foi recebido com gritos e assobios de aprovação.

"Se você fizer um som bem louco os DJs vão tocar. Não adianta fazer um som com uma batida lenta, ninguém vai dançar. Os DJs não vão cobrar R$ 1 de você, é só a música ser boa" conta o rimador Dom Pixote, líder d'U Time, que estréia com o CD Trutas e Quebradas. A graduação: "Somos membros originais da Família RZO, que adotava vários MCs iniciantes. Os ensaios eram na laje do Helião, e muitos caras freqüentavam pra mostrar o trabalho. (Helião) Dava uns toques, ensinava e quem se destacava ele incluía nos shows deles", lembra o rapper Negro Vando. O álbum do grupo que forma ao lado de Dom Pixote e Calado "Teve produção artistica do Helião, DJ Cia (ambos RZO). O Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock também, ajudando na composição das letras, na produção das bases, em tudo. O Ice Blue não nos deixou sozinhos um dia no estúdio", relata Pixote.

Nem uma revista policial interrompendo nossa visão da amplitude do mirante do Jaraguá abala sua convicção: "Nossa mente é voltada pra fazer revolução contra esse sistema covarde, entendeu? Não só com idéias: a primeira revolução é ter a música muito louca. Isso é assumir a responsabilidade de traduzir essas ruas que você tá vendo, de compor o que os meninos vivem aqui, o que o Negro Vando vive no Morro da Pinga, o que meus parceiros vivem no Rincão, vivem na Arábia, vivem aqui na Xurupita. Isso é rico demais". A variedade do repertório de estréia é alicerçada pelas batidas bem cuidadas e a inventividade rítmica e melódica desenvolvida na escola da zona Oeste. Com diferentes pistas em mente, o disco parece dividido entre dia e noite, como se fosse um LP, o lado A - com apresentações, bem escritos contos da vida na quebrada e até do crime concluídos por um reggae falando de superação -, e B - onde seus raps de pista começam até incursões pelos territórios do R&B, e o óbvio potencial radiofônico em âmbito nacional de "A Idéia", uma sedutora conversa durante uma balada, chama a atenção.

"Frango ensopado, picadinho ou costela?". O almoço era bom no boteco ao lado da casa de Negreta, MC do Rosana Bronks. Eles não tinham pressa em ser entevistados, exibindo a mesma calma compassada que apresentam rimando. Assim como U Time, que teve cenas de suas gravações inclusas nos extras do DVD dos Racionais, o Rosana Bronks também apareceu graças ao grupo, com quem cultivam uma amizade de quinze anos. Eles foram os primeiros convidados a participar de um disco dos Racionais. Negreta conta que "o Brown foi pro Japão e disse: 'vou voltar com novas idéias'. Ele voltou com o título '1 por Amor, 2 por Dinheiro' para fazer uma parceria com a gente, foi quando voltamos a escrever. Éramos de grupos diferentes e Rosana Bronks é nome de um time de futebol que a gente tinha".

90% das batidas aqui tem assinatura de Mano Brown, e o resultado impressiona. As rimas "são nossa visão das coisas. Essa idéia de falar de rolê, de até abordar problemas socias, mas de maneiras diferentes que o rap já fez", conta Zuruca. O balanço em alta voltagem levado por eles em rimas compassadas, um desenvolvimento da vertente do rap brasileiro que tematiza as festas e rolês de quebrada, está expresso na capa do CD, que vem em formato de LP duplo com um desenho que remete às capas de discos de funk dos anos 1970 e 80, a trilha sonora dos bailes onde cresceram, e já rendeu dividir o palco com Leci Brandão e Netinho de Paula. "É música que pode tocar em qualquer lugar. Nossa música é universal, é pra todas as pessoas" diz Maspingon.

As últimas fotos para a matéria foram feitas durante o Dia dos Pais, na 10 Quermesse da Vila Fundão, próxima ao Jardim Rosana onde residem. Enquanto a base de Vida Loka 2 terminava, para uma audiência repleta de crianças, em cima de um palco igualmente lotado, Mano Brown declara: "o verdadeiro motivo para que haja quermesses espalhadas pelas periferias de São Paulo e pelas periferias do Brasil é para que as palavras e as idéias sejam propagadas e eternizadas no ar, para que você leve no coração e na atitude no minuto derradeiro, no quarto escuro, aonde você achar que tá sozinho. Palavras que você tem que eternizar. O motivo é esse, nada mais. Saúde! Muito obrigado e feliz Dia dos Pais". Zuruca dissera dias antes: "Nós somos fundadores da festa da Vila Fundão, depois aí começamos a fazer Quermesse da Paz no Jardim Rosana há quatro anos. É na rua, tem barracas, vários grupos de rap e de samba. Esse ano as festas são no último fim de semana de setembro e no primeiro de outubro, que vai ser o lançamento do Rosana Bronks. É só chegar". A mudança de ares no rap paulistano já está em curso. Só falta chegar mais para curtir a redenção pelo balanço funk da rapaziada.

Uma versão reduzida dessa matéria foi publicada originalmente na edição 429 da revista ELEELA.

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Hermano Vianna
 

Maleronka: eu estava senti falta dos seus textos aqui no Overmundo - muito bom ler este relato do que anda acontecendo de novo no hip hop de São Paulo - viva as batidas loucas!

Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 7/9/2007 14:30
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André Maleronka
 

Valeu Hermano! Eu também estava com saudades daqui! Enquanto fazia a reportagem eu tive a oportunidade de assistir os três grupos ao vivo, e recomendo! Tenho vídeos feitos com o celular, até coloquei alguns na minha página no youtube, mas é um "rascunho". Quando editar de maneira decente disponibilizo por aqui. Muito amor!

André Maleronka · São Paulo, SP 7/9/2007 14:45
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Higor Assis
 

Muito bom.

Legal a forma que a matéria foi escrita, muito bom trazer o rap paulistano para o overmundo. E o que falar de RZO, Racionais né.

Higor Assis · São Paulo, SP 10/9/2007 08:24
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André Maleronka
 

E aí estão os vídeos. Peço desculpas pela qualidade do áudio, é que o microfone do celular não oferece ajustes e os graves sempre estouram.

Relatos da Invasão - Jaçanã Picadilha (ao vivo).

U Time - A Idéia (trecho ao vivo).

Rosana Bronk's - Quebradas Emoções (ao vivo).

Rosana Bronk's - Mudanças (ao vivo).

André Maleronka · São Paulo, SP 11/9/2007 00:50
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André Maleronka
 

valeu Higor, tem essa outra que fiz pra cá, mais antiga, fala um pouco mais do RZO. O disco mais recente do DBS é realmente muito bom. abs!

André Maleronka · São Paulo, SP 11/9/2007 13:58
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Dikobfbrasil
 

Salve!
Olha nois ai!
Me cadastrei para deixar um comentário!
Parabéns e obrigado por ajudar a disseminar a Cultura Hip-Hop...
Naveguei nesse site... Muito bacana...já conhecia mais não tinha navegado tanto...vou freqüentar mais.
Visitei seu blog também vi o vídeo...classe “A”
Tamos ai guerreiro... Vamos ficar mais em comunicação!
Meu email é diko@bocadaforte.com.br
Paz

Dikobfbrasil · São Paulo, SP 13/9/2007 10:49
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JPNK
 

Salve o RAP NACIONAL, o RAP DO BRAZA, o RAP DO BRASIL!!!

Parabens a todos os manos citados na entrevista, so fã de todos

Paz

JPNK

JPNK · São Paulo, SP 10/2/2009 10:19
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JPNK
 

E parabens ao RELATOS DA INVASÃO pelo clipe...MTO FODA
É DISSO Q TAVA FALTANDO E É DISSO Q TAMO FALANDO...

Pz

JPNK · São Paulo, SP 10/2/2009 10:28
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