...tem muito samba, muito choro e rock and roll" –?
Quando eu era pequeno, eu achava que Chico cantava que “aqui na Terra tão jogando futebol, tem muito samba e muito SHOW de rock and roll”. Mas logo que vi que eu tava errado e que Chico tava certo. Até tão jogando futebol, tem também muito samba e muito choro, mas rock and rool que é bom tá cada vez mais difícil, meu caro amigo Chico. A coisa aqui tá preta.
Quem mora na Bahia, além de morar num estado um tanto atrasado em diversos aspectos, sofre com as notícias sobre os artistas que vem ao Brasil, mas que nem passam perto daqui. E os outdoors dizem que é o estado que mais cresce.
Além de não ter shows internacionais aqui, ainda temos que torcer, pra que quando tiver, pro tal artista não passar mal ao comer uma iguaria. Nick Cave cancelou seu show na última hora após um abará. Bjork, que veio num carnaval e não ia se apresentar, mas que talvez rolasse algo, passou mal com um vatapá e cancelou qualquer chance de uma apresentação.
Stevie Wonder teve aqui em 2006 pra a 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora e nem “Hi” no microfone ele disse.
Meu Deus, Stevie Wonder veio e não soltou uma nota. Com o perdão do trocadilho Stevie, mas isso só se vê na Bahia.
Esses dias recebi um mail de um amigo dizendo que ele poderia morrer em paz se fosse assistir aos shows internacionais que acontecerão fora da Bahia no ano de 2007. Um outro amigo respondeu que ele já viu de tudo... Pixies, Stooges, Flaming Lips, Nine inch nails, Sonic youth (2x) e Teenage fanclub… e que isso já tava bom pra uma vida.
Como nunca vou aos shows internacionais que (só) acontecem fora da Bahia, nunca vi muita coisa. Alias, nunca vi nada. Só Placebo, que até hoje as pessoas perguntam se ocorreu mesmo aquilo em Salvador, e Information Society, que tocou com Asa de Águia no Baiano de Tênis em 1991. Prefiro gastar de dois em dois anos com viagens mais duradouras e até pra fora do país. Um dia, quem sabe, pelo acaso, posso estar em alguma cidade onde terá algum show de meu interesse.
Tava dando uma repassada no meu cerebelo pra lembrar do que já vi em Salvador e, entre outras, selecionei Wander Wildner com Tom Capone no baixo, Cigarettes com Spencer no baixo, brincando de deus na formação original, Dead Billies (? vezes e uma delas com uma stripper no palco), Engenheiros do Havaii com Gessinger, Licks e Maltz, Titãs com Arnaldo Antunes, Legião Urbana, Cascadura lançando o primeiro disco com três guitarras, Úteros em Fúria também na formação original, Paralamas com Herbert em pé, o que era uma coisa absurda, extraordinária... Vi também a banda carioca Pelvs tocando no Calypso...
Em Lisboa ganhei na mega-sena. Comemorei como um louco, pois vi de longe um anuncio do R.E.M. Eles em tamanho natural. Olhei procurando a data do show, pois só ficaria em Lisboa por quatro dias, quando finalmente vi em letras garrafais “07/01/05”. Não ganhei na mega-sena por três dezenas erradas. Eu estava em 14/10/04.
Me contentei com uma foto com eles, já que estavam em tamanho natural.
Em Santiago no Chile, em 2006, foi com Placebo. Apesar de já ter visto, não perderia a oportunidade de ver de novo. Mas o show era pra dali a duas semanas e eu já estaria em Salvador. Tirei outra foto com o cartaz. Pra mim, um pobre baiano, ver cartaz desses shows é raridade.
Na Bahia, o único cartaz que vi foi de um show do Ramones. Que não teve. Era boato.
PUTAQUEPARIU.
Só na Bahia pra ter um boato de um show do Ramones. E com cartaz. Pena que não fotografei.
O único show que consegui ver fora do país foi em Madri. Saí de Salvador pra ver Moreno Veloso em Madri. Mas valeu a pena. Era com banda completa, Kassin, Domenico e mais três, num teatro massa e barato. Bem mais barato que seu pai na Concha Acústica, semanas atrás. E mais ainda que Chico Buarque no TCA, um mês atrás.
Apesar de ter visto Chico nas ruas do Rio de Janeiro, queria ver ele num palco. Faziam 13 anos que Chico não se apresentava em Salvador. No Teatro Castro Alves seria perfeito.
– Compre no SAC do Iguatemi – disse Cris.
Cheguei meio-dia e peguei a senha, pra esperar o atendimento, de número 86. Estavam chamando a senha 38.
– Mas ainda tem ingresso?
– Tem sim senhor – respondeu o cara que organizava a fila.
Esperei por exatamente duas horas e meia.
– Mas conseguiu comprar? – perguntou Cris ao telefone.
– Consegui, mas acho que você não vai gostar muito...
– O que foi?
– Só tinha sobrado a fila zê.
– FILA ZÊ? – gritou ela.
– Na verdade... zê dois.
Quase que Cris desiste e manda eu vender. Mas ela concordou que era Chico e que talvez não tivéssemos outra oportunidade.
A sociedade baiana é engraçada. Senhoras de vestido longo preto e cabelos armados só pra ver Chico. É como se arrumar pra viajar de avião. O show foi muito bom, Chico veio com A Banda e a distancia não foi problema. A única coisa ruim do show foi o cheiro de maquiagem que carregava o ar do teatro.
Mulheres de Atenas, hein Chicão?
No show de Chico tem de tudo. Gente de todas as idades, tipos, tamanhos, formas... Madames, engravatados, ripongas, o governador e a primeira dama, gente com camisa do Los Hermanos... Até minha terapeuta eu encontrei no show de Chico. Nunca a vi em lugar nenhum. Nunca, só no consultório, mas a encontrei na fila da água antes do show começar. Fiquei naquela sem saber se ia ou não falar com ela, mas achei melhor não.
– Minha terapeuta tá ali – disse eu.
Cris queria ver quem era, insistiu, mas não mostrei. Oxe, minha mulher conhecendo minha terapeuta? Nem a pau. As duas sabem tudo de mim. Imaginei paranoicamente as conversas que poderiam acontecer e achei melhor não mostrar.
– E aquele problema que ele tem de blá, blá, blá... – diria uma.
– Ah, mas pior é aquele outro problema que num sei o quê – diria outra.
Nada de apresentar uma a outra. Cris ficou tentando adivinhar pela aparência, mas me mantive frio e não dei pistas. Foi a primeira vez também que vi Dra. Maria de maquiagem. A dela tava leve, mas era uma maquiagem.
"Mirem-se no exemplo daquelas mulheres...", né Buarque?
Semanas depois teve Caê na Concha Acústica. Eu já tinha visto Caetano, mas fiquei pirado, pois era na tour de Circuladô, em 1992. Fiquei pirado por causa dos outdoors. Foi quase igual a história com o Ramones. Era Caê e Daniela Mercury (início de carreira) e tava no outdoor “Caetano Veloso e Daniela Mercury”. Esse outdoor ficou assim por três semanas e faltando dois dias pro show colocaram embaixo da palavra Caetano Veloso, em letras minúsculas, “Voz e Violão”. Eu tinha o CD Circuladô ao Vivo e queria ver a banda toda, não ele voz e violão. Mas já tinha comprado e fui. Não vi Daniela. Saí antes. Mas dessa vez na Concha era com banda. E de rock.
Na Concha não tem lugar marcado e ficamos num lugar que, a priori, parecia ruim, pois era em cima da mesa de som. Porém, por parecer ruim, não tinha ninguém, um vazio no meio da platéia e por isso se transformou no melhor lugar do show.
O show durou cerca de 1:40 e durante a primeira hora o que mais se ouvia era a palavra “senta”. Algumas pessoas queriam dançar e outras queriam ver o show sentados. Como estava no meio, pude presenciar várias confusões ao redor. Os “sentados” gritavam “senta, senta, senta” e por causa disso, na minha frente, quase que um cara senta a mão no outro. “Vão dizer que a violência é culpa do rock”, pensei.
Uma hora rolou uns aplausos, logo no início de uma música, e Caê achou que era pra ele e sorriu em direção ao grupo que aplaudia. Mas eles estavam aplaudindo o cara da frente que finalmente sentou.
Do meu lado, um casal que era visivelmente “público TCA”. Faixa dos 45, ela de preto, ele de camisa de botão, ela maquiada, ele de barba bem feita... Ela em pé, ele sentado... Imagino que foram pro show de Caetano no modo “é Caetano? Então vamos”.
Ela batia palmas cada vez mais desmotivadas enquanto seu marido tapava os dois ouvidos por causa da barulheira que o guitarrista de Caê, Pedro Sá, fazia no fim de uma música com sua guitarra. Uma microfonia dissonante à Sonic Youth.
– Caetano tá tão estranho – comentou ela no fim da musica.
Aquilo que falei no início do texto sobre a Bahia não receber astros internacionais vale pra qualquer tipo de “coisa”, menos pro reggae. Uma vez teve um festival de reggae que era tributo ao mundialmente famoso reggaeman Peter Tosh. Nesse evento teria o show do filho dele, Andrew Tosh. Xandão, um amigo meu, tava pirado com as pessoas dizendo “ah, vai ter Andrew Tosh e eu vou porque Andrew Tosh é massa, é filho de Peter Tosh, é o máximo e blá, blá, blá...”
– Porra de Andrew Tosh – dizia Xandão – ninguém nunca ouviu falar nele, ninguém sabe a história dele e agora vai a baianada babar só porque é filho do cara? Se é assim, todo mundo devia ir babar no show de Preta Gil – finalizava ele.
Um dia depois desse festival, quem quisesse maconha era só ir pra Avenida Paralela e procurar pelo acostamento. Na hora do show teve blitz policial. Todo mundo dispensou pela janela do carro.
Esse negócio de filho é foda. Só de Bob Marley já veio uns 10 pra Salvador. E Bob Pai nunca veio tocar quando vivo. Veio jogar bola, inclusive com Chico, onde bateu a clássica foto de time de futebol com Toquinho e Paulo Cezar Caju, campeão mundial em 70.
Uma amiga minha que tá em Madri me disse que viu o show de Sean Lennon por lá e que foi emocionante ver o filho de Lennon, que ele parece muito com o pai e tal...
Sean realmente seria interessante.
– Vi um Lennon – disse ela tirando vantagem de mim.
– Mas eu vi Chico – respondi triunfalmente, por saber que ela é fanática pelo carioca.
Pro show de Chico eu fui com um amigo que é advogado, Gustavo. Na entrada, ele encontrou com um cliente dele que era um dos organizadores do evento.
– No domingo, depois do último show, vai rolar um baba com o Chico, quer ir? – perguntou o tal cliente.
Ele disse que sim e me chamou. Eu não poderia ir. Tinha uma viagem a trabalho marcada. Como o trabalho era no Vale do Capão, não foi tão dolorido. Gustavo foi e no caminho passou pela porta de um amigo em comum da gente, Faustão, que estava naquele momento entrando no edifício.
– Tô indo pro baba com Chico.
– Chico?
– Buarque.
Foram juntos. Os dois torcem pro Bahia, mas jogaram com o uniforme do Vitória. Chico jogou com o uniforme do Bahia. O Bahia e o Vitória deram uniformes completos. Bateram a clássica foto de time de futebol. Chico bateu com os dois times.
Estavam presentes os ex-jogadores Bobô, Sandro, João Marcelo (todos campeões brasileiros pelo Bahia em 88), além de jornalistas, convidados e a primeira dama do estado, que estava torcendo por Chico com uma empolgação balzaquiana.
Mulheres de Atenas, né Carioca?
O jogo foi 4 x 4. Quase igual ao 6 x 5 real do último Ba x Vi. Faustão fez um gol, marcou Chico, que segundo eles me disseram, parecia ser admirador da elegância sutil de Bobô e ainda trocou de camisa com ele no fim do jogo.
Faustão não viu o show de Chico, mas diz que se contentou com o fato de ter jogado futebol com o próprio, que tava de bom tamanho...
– Foi show de bola – disse ele.
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(?) Meu caro amigo, de Chico Buarque e Francis Hime.
Desculpe, eu já fui a Bahia (e como dizia o poeta, quem não foi a Bahia que então vá) várias vezes e o que mais tem na Bahia é diversidade cultural. Aí você está reclamando que a cultura massificada importada não chega aí? Devia agradecer aos céus que a Bahia não foi invadida nem tomada pelos estrangeirismos ruins (porque a maioria das "bandas internacionais" que vêm ao Brasil estão atrás dos nosso $Reai$), pasteurizando, globalizando e homogeneizando a rica cultura baiana.
Viva a Bahia, que continue a ser o caldeirão cultural que é.
Moço, vi mtos espetáculos interessantíssimos em Salvador. Onde, além de Salvador, Cesaria Evora (en)cantou em ' praça pública' ( Farol da Barra)? Qtas estrelas internacionais desfilaram nestes 13 anos de PercPan? Jean-Pierre Rampal, Kirov ... enumeraria vários, vários ... Recentemente, Hamilton de Holanda a 10 dinheiros no Teatro Castro Alves, numa noite belíssima com quase 4 horas de música e músicos brilhantes .... só se vê na Bahia!!!
Qto ao show do Chico, fui à estréia. Realmente, mtas mulheres vestidas para ver Chico Buarque ... rsrsr .
Abração,
Ótimo texto. Sinta-se lisonjeado em estar na Bahia. Imagine eu, que moro em Palmas, uma capital, mas com apenas 200 mil habitantes. Aqui, Caetano já é um advento histórico - estamos comemorando uma possibilidade de ele vir fazer show dia 30. Bons shows, são uns 2 por ano. Se fossemos falar em termos de internacionais, nenhum na história.
Comemore o que você tem.
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