Arnaldo Antunes - entrevista sobre o CD Qualquer

Bob Wolfenson
Arnaldo Antunes
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Vitor Lopes · Vitória, ES
19/8/2007 · 118 · 2
 

Confira a entrevista que o Arnaldo Antunes concedeu ao jornal A GAZETA (Espírito Santo) em março de 2007, sobre o disco “Qualquerâ€.

Por Vitor Lopes

Quando você compõe, se sente desafiado pela língua portuguesa?
Em qualquer língua que você trabalhe há esse embate das possibilidades e existe esse desejo de explorar os limites da linguagem. E aquilo que você pode fazer com as palavras e a sintaxe é sempre um desafio. É sempre prazeroso usar materialmente a língua como algo que vai potencializar sensações ou alterações de consciência em quem lê. Isso é um trabalho muito material, quase um constante corpo-a-corpo com a língua portuguesa. Seja pra fazer poesia escrita ou pra fazer canções.

A língua te traz mais interrogações ou soluções?
(Pensativo). Eu não sei dizer. As duas coisas, na verdade. Você acaba usando as virtualidades do repertório que você tem a favor de uma criação. É como se ali tivesse soluções adormecidas e latentes que você potencializa. É difícil dizer.

Você chega a pesquisar a origem da língua?
Eu não sou um pesquisador acadêmico, não faço um trabalho constante de estudo etimológico. Mas eu sou um interessado (risos). Geralmente quando eu estou fazendo um trabalho, consulto os dicionários; o dicionário analógico, que te dá um campo semântico das palavras, de todas as palavras afins. Adoro o dicionário de rima, o próprio Aurélio, o dicionário da língua portuguesa. Gosto do dicionário etimológico, saber as origens das palavras. Essa rede de relações que a língua oferece, eu sou interessado. É mais em prol da minha produção, quando estou com desejo de expressar uma coisa, recorro a esse arcabouço.

Você tem quantos dicionários em casa?
Eu tenho vários, sem contar os de outras línguas, espanhol, inglês, tenho dois de rima, sinônimo e antônimos, um etimológico, um dicionário da língua portuguesa, que é o Aurélio, que tenho em versão digital, dentro do computador, e o dicionário analógico, que é o meu mais querido, um grande auxilio. (risos). Muitas vezes dá vontade de ficar só lendo. É um objeto de consulta. Eu acabo lendo e fico viajando nele.

Você escreve em algum outro idioma? Algum te dá esse mesmo prazer?

Eu não domino bem outros idiomas a ponto de criar em outras línguas. Isso não acontece. Eu quebro um galho para falar nas viagens, mas fica por aí.

Mas tem interesse maior por outra língua?
Não me vejo escrevendo em outra língua. Eu tenho um certo bloqueio nessa coisa de línguas. Sempre estranho. Já tentei fazer algumas investidas, mas nada muito certo. O que eu já fiz foi versões traduzidas, versões de canções em inglês, em espanhol, mas é esporádico. E o que eu faço é quando tem uma tradução. Por exemplo: foi feita agora uma antologia de poemas meu que vai sair na Argentina e eu acompanho a tradução. Coloco questões para os tradutores, procuro achar soluções conjuntamente. Eu, realmente, partir de outra língua pra criação... Quem sabe um dia quando eu dominar bem essas outras línguas, se eu chegar a dominar, pode ter esse desejo. Você conseguir um ponto de chegada em outra língua com a mesma inventidade deve ser um desafio e tanto.

Você costuma ler livros nas línguas originais?
Pouca coisa. Em espanhol leio bem. Em inglês eu não tenho tanto conhecimento. Às vezes dou uma olhada, comparando as traduções, mas em espanhol sim.

Você tem retorno dos estudos acadêmicos que fazem da sua obra?
Tenho. Recebo teses, textos, ensaios, me interesso, leio, comento com os autores. Esse movimento existe. É sempre um prazer ter um retorno do próprio trabalho. Quando eu estava no colégio, a maior parte dos autores que eu estudava na aula de literatura já tinha morrido. Você saber que seu trabalho está sendo usado na sala de aula, seja no primário, no secundário, na universidade, isso traz uma satisfação muito grande, porque é um reconhecimento gratificante, é um sinal de que o ensino está mudando e que as pessoas estão tentando acompanhar a produção contemporânea. É um bom sintoma.

Esses trabalhos acadêmicos ajudam a você entender a sua própria obra?
Algumas coisas eu discordo, às vezes aponto falhas e às vezes me trazem revelações de coisas que eu nem mesmo tinha me dado conta, mas que estavam ali de certa forma presentes, que eu não tinha nem feito conscientemente. Algumas relações que as pessoas descobrem ali são surpreendentes. E quando isso acontece é um prazer (risos).




Como nasce uma obra sua? Como decide se uma idéia vira música poesia, arte digital...?
Existe esse território da palavra que tudo que eu produzo envolve o trabalho com palavra, seja ela com o código musical pra virar uma canção, seja ela com algum aspecto visual que transforme aquilo num vídeo, num cartaz, enfim, num poema visual. Eu acho que a palavra é como um porto seguro de onde me aventuro para outras linguagens. O trânsito entre essas linguagens acaba sendo fluente pela própria presença da palavra poética em tudo que faço. Mas geralmente ao fazer, no processo de feitura, eu já sei o estilo que aquilo vai ter, se é pra ser cantado ou se é uma página. Quando é uma idéia visual muitas vezes já vem. Isso não quer dizer que seja sempre assim. Muitas coisas que fiz originalmente como texto foram musicadas mais tarde por mim mesmo ou por outras pessoas e acabaram virando canções. Ou às vezes faço uma canção e descubro um jogo visual ou uma forma gráfica que ressalte outro aspecto daquela letra e aquilo acaba virando um poema visual. Mas de uma maneira geral, as coisas já vêm um pouco encaminhadas, eu já prevejo se é pra ser cantado, lido, algo que passe com movimento, com cor.

O mesmo Arnaldo Antunes da poesia é o mesmo da música? O jeito de compor é diferente do outro?
Claro. A adequação ao meio é essencial. No caso da palavra cantada, ela está intrínseca ligada aos aspectos melódicos do ritmo, como você vai dividir na cadência musical, a maneira expressiva da voz. Tudo isso tem de estar adequado a essas questões e é diferente de você apenas ler. Muitas vezes você pode ter um poema maravilhoso, mas se for musicado inadequadamente vai ficar uma canção franca.

Você tem um desprendimento fácil da sua escrita para os outros musicarem?
Acontece muito processo diferente. Alguém dá uma letra e alguém musica, às vezes põe a letra na música de uma pessoa que já tem uma melodia criada, às vezes crio a letra estimulado por aquela melodia. Eu tenho um certo desprendimento, eu não tenho esse preciosismo do que eu escrevi eu tenho de musicar, não. Eu tenho muitos parceiros, gosto desse embate criativo com outras pessoas. Isso traz questões novas. Acabo fazendo coisas que sozinho não faria. Isso estimula.

No disco novo você regrava algumas músicas, como ‘Eu Não Sou da Sua Rua’ e ‘Acabou Chorare’. Qual o motivo de regravar uma música?
Eu sempre escolho o repertório de cada disco dependendo do tipo de sonoridade que estou buscando. E esse disco tem uma característica muito própria, marcante. O fato de não ter bateria, percussão... Queria fazer um disco com sonoridade mais leve, com cordas e pianos. E vi nisso uma oportunidade de reler algumas coisas, minhas ou não. Eu queria dar informações novas, uma versão pessoal daquilo, como “Eu Não Sou da Sua Ruaâ€, “Lua Vermelha†e “As Coisasâ€. E eu nunca tinha pensado em regravar, inclusive, porque as originais, uma pela Marisa Monte, outra pela Maria Bethânia e outra pelo Caetano Veloso e Gilberto Gil no disco Tropicália 2, já tinham sido muito bem gravadas. Mas o desejo de gravar veio muito em função da formação desse disco novo, do tipo de repertório que eu fui descobrindo. Eu gosto de reinterpretar canções já gravadas quando vejo uma possibilidade de inserir um novo olhar nessas canções, alguma informação nova que de certa forma revitaliza a musica, traga uma novidade mesmo.

O “Acabou Chorare†aparece por que?
Eu sempre fui fã dos Novos Baianos, sei as musicas de cor, ia muito aos shows nos anos ‘60 quando era adolescentes. Sempre tive desejo de regravar alguma coisa daquele repertório, mas não tinha pintado ainda um contexto que justificasse. Dessa vez eu acho que ficou muito próximo do que eu estava buscando como som e o tipo de canção que eu queria gravar nesse disco. E claro que o desejo de gravar veio com um certo receio por admirar muito a versão original. Mas daí o Dadi, que participou da gravação original, me encorajou a fazer a versão. Ficou bem bacana e suficientemente diferente para que eu incluísse no disco.

Porque eu imagino ser difícil se desprender de uma canção cuja melodia já está consagrada há 30 anos
Pois é. Muitas canções dos Novos Baianos já foram regravadas posteriormente, pela Marisa Monte. “Acabou Chorareâ€, eu não conhecia nenhuma regração. E eu achei bacana por causa disso.

O disco é uma fuga do experimental, é mais silencioso. Isso surgiu antes ou durante o processo?
Foi uma escolha prévia. Eu quis fazer um disco que evidenciava as canções e também que propiciasse arranjos que tornassem o contexto favorável para cantar nessa tonalidade mais grave, que é um tipo de canto que vem ocupando cada vez mais espaço nos meus discos desde o “Paradeiroâ€, no Tribalistas e no “Saibaâ€, eu venho explorando essa região mais grave da minha voz, onde eu me sinto muito confortável, mas que não se compatibiliza com o arranjo mais pesado, em que você tem de ter mais volume de voz, tem de impôr uma postura mais errada. É naturalmente um timbre que eu já tenho menos volume de voz, em que eu passo uma interpretação menos impostada, mais natural e tudo isso. Esse desejo de fazer um disco sem percussão e bateria tem muito a ver com o desejo de cantar cada vez mais nessa região, nesse tipo de interpretação mais intimista, mais natural, mais confortável mesmo para minha voz. Na verdade é um tom mais próximo da minha voz naturalmente.

Mas não parece que há um abandono da percussão, pois elas aparecem na sua voz e nos outros instrumentos
E você tem ali elementos percussivos na batida do dedo na corda do violão. Na percussão do canto. Você não deixa de ter percussão. Eu tive essa dúvida durante o processo, mas depois que o disco ficou pronto, acho que ficou bacana e não senti falta. Inclusive quando eu escutei o disco com o Carlinhos Brown ele disse: “é, realmente, está ótimo, não precisa de percussão, está tudo aíâ€... (risos)

Se o Carlinhos Brown disse isso...
(Risos) O Carlinhos falando isso eu fico mais aliviado em relação a essa dúvida.

Você falou da forma da canção. É um momento de experimentar menos?
Eu não acho que a canção foi embora para poder voltar. Ela continua atual. O que acontece é que a gente tem um repertório maior de recurso para renovar a forma da canção. A música eletrônica oferece as possibilidades de editar sons... Você tem tecnologicamente novas situações de criação que a criação da canção acaba fazendo uso a favor, usando esse repertório a favor da criação. Não acho que haja uma crise. Muita gente fala em crise apontando o hip-hop e o rap que são músicas mais faladas. Mas você tem ali um uso da musicalidade da fala que é próprio da arte da canção. Pensando em Brasil, desde os sambas dos anos 20, você tem o samba de breque, tem o Noel Rosa que usava inflexões na fala, na maneira de entoar a letra. Eu acho que isso faz parte da natureza da canção

Pro disco você chegou a compor algo em digital?
Esse disco foi gravado ao vivo em estúdio, com todos os músicos gravando disco. Tem essa valorização dessa espontaneidade de uma criação conjunta. Não teve muita edição. É como se fosse um registro de uma execução ao vivo. Em outros discos eu acabo usando bastante.

Como será o show em Vitória?
Tem essa novidade da sanfona, que é um timbre que não tem no disco. Eu rearranjei algumas músicas do meu repertório, como “Socorroâ€, “Silêncio†e “Saibaâ€. Algumas delas a gente não só rearranjou, mas algumas eu mudei o tom da música para poder interrpetar adequadamente a esse contexto. Refaço, “Não Vou me Adaptarâ€, “Pulsoâ€, coisas do Titãs. Acabo abrangendo um leque maior que o disco novo, mas o que dá direção é o disco novo. O disco novo inaugura um tipo de som, de interpretação que eu quis trazer pra esse formato.

Isso pode ser uma linha pros próximos trabalhos? Você quer investigar mais isso?

Eu não entendo nunca um disco que fiz como um ponto de chegada. Realmente, sinceramente, eu não sei o que vou fazer no próximo disco (risos). Eu estou adorando cantar nesse show e isso tem a ver com uma conquista nesse disco e nesse show. Cada disco tem sempre uma novidade e acabo tendo novidades de fazer algo novo a cada trabalho. Não dá pra dizer que eu cheguei num formato que eu vá seguir, ou algo assim. Eles não são conceitos fechados.

Como está a vida na Biscoito Fino, uma gravadora menor?
Na verdade, o disco é uma parceria que foi lançado pelo meu selo, o Rosa Celeste. O último disco, “Saibaâ€, era em parceria com a Sony-BMG, minha gravadora anteriormente. A indústria fonográfica está vivendo uma crise séria pela própria pirataria, mas também pela possibilidade de baixar música na Internet. O repertório digital trouxe questões sérias para a indústria fonográfica. E eu estou gostando de estar num selo menor, porque me dá uma atenção maior, por não ter um casting muito amplo.

Você chega a baixar coisas?
Eu não tenho tempo, demora muito baixar na Internet. Eu acho complicado ficar na Internet. Eu gosto de ir em loja de disco. Eu sinto uma certa pena das lojas de discos estarem fechando. Acho um programa bacana comprar um disco pela capa, sem conhecer. Eu tenho esse apego. Não creio que o suporte de disco irá acabar, mas o mercado deu uma contraída muito agressiva.

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Andre Pessego
 

Legal, estes dias eu via no telecurso, por diversas vezes, de forma recorrente até na mesma aula, a professora ler textos do antunes e tal, é isto; é do Gil é do Caetano, e eu fiquei pensando como se setem estas pessoas em vida, vivinho da silva, de repente nas suas casas verem, ouvirem, assistirem aquelas aulas.
E mais, os filhos e os netos em plena sala de aula olha este texto do Antunes, ...
um abraço andre

Andre Pessego · São Paulo, SP 18/8/2007 21:32
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Denis Sen@
 

Perfeito!

Denis Sen@ · Salvador, BA 21/4/2010 03:29
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