Jerry Espíndola bem que poderia lançar seu novo disco no aconchego de um teatro. Ou mesmo em uma casa noturna badalada de Big Field. Ou ainda em algum dos espaços artísticos comandados pelo governo ou prefeitura. Mas não. Vértice, o quarto disco do Espíndola mais novo dos irmãos, foi lançado em uma praça campo-grandense. Tudo bem que é uma praça especial, comandada por uma pessoa especial, mas a atitude de Jerry reflete a realidade dos fazedores de arte de Campo Grande. De como é a estratégia de um músico com mais de 20 anos de carreira e figurinha carimbada da cena cultural do estado. E como isso espelha a atual fase em que a Cidade Morena e Estado estão passando. A entrada do PMDB no governo após oito anos de PT e a incerteza do que virá loguinho estes dias, a classe artística desarticulada, o fundo de incentivo cultural do estado suspenso e ainda sem pagar os projetos relativos a 2005, as rádios da cidade tocando pouca música produzida no próprio estado, os cachês minguados, as televisões sem programas culturais...
Mas a produção cultural não pára. E precisa escorrer para algum canto e este canto são as praças de Campo Grande. Chegou a hora de público e artistas se reencontrarem. Sem frescuras. Como nos velhos tempos dos anos 80, lá no século passado, quando os shows dos ‘artistas da terra’ eram lotados. E nenhum lugar mais adequado para este reinício de conversa do que uma praça de bairro, freqüentada por gente de toda cidade. E no comando os próprios artistas, que acabam virando ‘padrinhos’ e coordenadores destes lugares. O Sarau Cultural da Praça das Araras, na região do bairro Amambaí, é um exemplo. Ele acontece mensalmente desde dezembro de 2005 e é organizado pelo artista plástico Jonir Figueiredo. A cantora e artista plástica Miska e o músico Edgar Mancilla também organizam outro encontro artístico (e gastronômico) bacana na Praça Bolívia, em outra região da cidade. Por lá rola muita música andina regada a saltenhas. Sempre domingo pela manhã. O barato destes eventos é mais do que ir ver os shows. É interagir. Encontrar. Retransmitir e absorver.
E é isso que faz a fama da Praça do Peixe, um verdadeiro oásis cultural no meio do bairro classe média do Villas Boas, próximo a Av. Elias Zahran, umas das mais movimentadas de Campo Grande. Na verdade, o espaço se chama Praça Demósthenes Martins, uma homenagem ao ex-prefeito da cidade, que viveu até os 100 anos. Virou Praça do Peixe porque vista de cima, a praça tem... o formato de um peixe! A região é conhecida por servir de morada para muitos artistas e professores universitários. E bem na frente da praça mora Lenilde Ramos, muito mais que compositora e cantora, uma verdadeira guerrilheira cultural e construtora da arte sul-mato-grossense. Pois bem, a praça estava um verdadeiro matagal. Então os moradores da região capitaneados por Lenilde resolveram com o apoio da Prefeitura revigorar o espaço com cultura. Isso há dois anos e meio. Deu no que deu. A ‘turma da cultura’ espantou os marginais, construiu-se quadras esportivas, quiosques, parquinho para as crianças, ciclovia, aparelhos para ginástica... e, o principal, o lugar virou arena para encontros culturais.
Desde que começou o movimento por lá, praticamente todos os artistas da cidade passaram pelo palco da Lenilde. Reuniu as mais diversas tribos, de roqueiros a seresteiros. Depois de vários arranjos, atualmente os eventos contam com um palco e som cedidos pela prefeitura. Com o tempo e a regularidade dos shows, não só os moradores do bairro deram a graça, mas gente de toda a cidade. Tatuados e caretas. Chega-se a reunir centenas de pessoas quando tocam as bandas mais conhecidas. O clima é sempre de cordialidade e euforia artística. Não foi diferente no lançamento do novo disco de Jerry.
Um dia especial, porque o cantor reuniu amigos! Começando pela própria rapaziada de Campo Grande: Sandro Moreno, Antônio Porto, Alex Fralda, Guilherme Cruz, mais os 'mandiocas' Pedro Ortale, Fernando Bola e Anderson Rocha. Mas o encontro foi interestadual, com músicos de outros estados. O paulistano Ciro Pinheiro, parceiro de Jerry em diversas canções, como Colisão, aproveitou para divulgar o recém-lançado Solo. Trouxe junto com ele Paulo Bira, baixista que tocou com Jerry na banda Os Incontroláveis. Das bandas de Mato Grosso veio o grupo OsViralata com suas violas de 10 cordas e uma performance acústica. Além de Capileh Charbel, Amauri Lobo e André Balbino, a atriz Anna Marinon declamou durante show e Eduardo Ferreira lançou seu livro EuNóia e aproveitou para trazer para Campo Grande o fantástico Deus de Caim, de Ricardo Guilherme Dicke. O último a se apresentar foi Rodrigo Teixeira & Mandioca Loca, lá pelas dez da noite. O último evento do ano de 2006 na Praça do Peixe unindo artistas de três estados.
Fico pensando quantas praças existem neste país e como poderiam servir de base para um movimento nacional pela cultura. Tenho certeza que em outros estados as praças também são ‘milagreiras’. E assim como Lenilde Ramos, outros artistas estão fazendo das praças suas trincheiras culturais. E o público gosta e comparece. Enfim! A praça é do povo!
Uma rede de distribuição e comercialização de produtos culturais em praças é uma excelente idéia de trabalhar a criação, produção e formação de platéia, através da ocupação do espaço urbano por seus moradores.
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 31/12/2006 13:47
Com certeza Alê! E levantar esta discussão é um dos objetivos deste texto. Durante os shows no lançamento do disco do Jerry, havia uma banquinha vendendo os cds dos artistas que estavam tocando e os livros que o Eduardo levou. Eu vendi 5 dos meus discos a R$ 15 cada. Os outros artistas tb venderam seus discos e alguns livros tb foram comprados. O interessante que são produtos que não contam com uma distribuição regular. O disco do Ciro Pinheiro não se encontra em Campo Grande, assim como os livros do Eduardo. Pensar em uma grande distribuidora de produtos artísticos reunindo as praças do país, criando uma grande rede colaborativa em praças/bairros é algo a se pensar. E por que não tipo um 'projeto pixinguinha' que rodasse as praças do Brasil? Alê, em Porto Alegre já rola bastante projetos em praças? E eu acredito também que as praças sejam um lugar eficiente para formação de platéia, até mais que as escolas, que acabam tendo um ambiente mais formal.
Uma idéia seria mapear as praças do país com projetos culturais e linka-las de alguma maneira. Um guia, um site... quanta coisa pra se fazer moçada! Em frente!
Nos anos 1980 isso rolou muito no Rio, com grupos de poesia que se apresentavam gratuitamente com performances e vendiam seus livros (no caso do meu grupo, ainda era coisa de mimeógrafo). Não sei se isso acontece em São Paulo, mas a idéia é ótima, Rodrigo (assim como teu texto: putz, fiquei com vontade de estar lá, conhecer o Jerry, você e o Eduardo!). Vou dar uma pesquisada por aqui.
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 2/1/2007 21:46Legal Fábio, brigadão! Dá uma olhada no blog do Eduardo e no meu tb! E o Jerry, bem... vem os irmãos junto com ele sempre... uma maravilha! abração
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 2/1/2007 23:06Beleza pura, Rodrigo! Volta e meia eu confiro o que rola de bacana no Caximir e no Matula. E, quando quiser dar um pulinho no meu blog, fique à vontade, que será muito bem-vindo!
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 2/1/2007 23:15valeu rodtex. vocês nos receberam muito bem, como sempre. muito legal esse projeto. ah, nossas praças! vivem do abandono...parece que as pessoas não apreciam mais, é estranho, pois todo mundo pede que construam praças...aqui mesmo, estão bem cuidadas, mas vivem abandonadas. agora a praça é a da alimentação - nos famigerados e artificiais shoppings centers...valeu fábio, ainda não tenho seu endereço para enviar os livros, rs. qualquer coisa mande para meu e.mail : caximir@hotmail.com. abraços gerais. (o rodrigo só não disse que ele fez o melhor show da noite!)
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 3/1/2007 18:22
ow rodrigaum...onde que eh a praça do peixe?na rua da pão moreno?na onde?pra quem parte aqui do carandá,como faz hehe
ahhh eh tem q dia show e q horas?eh regular sempre no mesmo horário?
valew cara!
A praça do Peixe fica na Av. Bom Pastor, no bairro Villas Boas. Você vem pela Av. Elias Zarahn e entra na Perkal. Não tem erro!
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 3/1/2007 22:16Ahhhh... Sleiman todos os finais de semana tem arte na praça. A música oficialmente rola no último domingo de cada mês, começando as 18h. Chega lá! abs
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 3/1/2007 22:17
Já falei que a cada dia que passa eu me apaixono mais por Campo Grande e pela cultura do Mato Grosso do Sul? Que projeto bacana! Ô povo que vai e faz! Ainda vou pra esses lados até o ano que vem! (me empolguei...)
Projetão esse das praças einh Rodrigo? Mas muito interessante... aqui em Brasília eu sei que tem muito movimento numa praça de Taguatinga, cidade satélite, mas eu não vou muito lá, longe! Mas posso checar isso direitinho se for rolar um projeto relacionado às praças mesmo. Tem alguns eventos musicais às vezes numa praça que fica bem no "centro" de Brasília, perto da rodoviária, tem sempre atividade também nos gramados perto da Torre de tv e da Funarte... (não é bem praça, mas a idéia é quase a mesma), fora as madrugadas tocando violão e conversando (bebendo um vinho) nas praças menores...
Parabéns pela matéria Rodrigo e parabéns pelo lançamento Eduardo!
Abraços!
Delícia de matéria Rodrigo. Delícia de pôr de sol com Osviralata violando, grande Jerry & cia, a Mandioca Loca cada vez mais arrasadora... Vida longa, com a boa música desse povo reunido, a paisagem da praça e a garra de quem faz acontecer!
Bia Marques · Campo Grande, MS 4/1/2007 22:46Olha, é bem isso o que rola na Praça do Peixe. Abaixo a agorafobia que assola nossas cidades. Espaços abertos, com muita arte, encontros com pessoas notáveis é imprescindível. É necessário e urgente. E principalmente, a idéia de que é possível usufruir das coisas boas da vida sem que seja necessário pagarmos por isso. É preciso garantirmos a continuidade do Projeto Peixe Vivo. Abraços.
Marília Chinchilla · Campo Grande, MS 5/1/2007 08:50
Salve, Rodrigo!
Seguindo os links do Dicke reencontrei a praça do peixe.
Estive nesse dia-noite por lá.
Conversar com Jerry e Lenildo e demais amigos foi bom.
A idéia é ótima em articular as praças, dando movimento, som e cor
a espaços por muitos esquecido.
Parabéns pelas matérias.
Abraço Pantaneiro.
PS - Vi voce e banda tocando Mixórdia!
Muito bom.
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