Banda Grossa - Entrevista com Paulo Gerloff

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Demetrio Panarotto · Florianópolis, SC
14/10/2006 · 112 · 3
 

Produção de quadrinhos no Brasil. Incentivo, falta de incentivo (a discussão é a mesma como nas demais vertentes culturais). De repente uma oportunidade que se transforma em realidade: uma revista apoiada por uma lei de Incentivo a Cultura (poder público). E a pergunta parece inevitável

– verba pra quadrinhos!!?

Antes que me recriminem corrijo o meu estarrecimento: não que o trabalho não mereça, acho que, como tantos (alguns) outros, merece. Mas a surpresa fica por conta de não ser comum o poder público destinar grana para os quadrinistas – afinal de contas, na maioria das vezes, as políticas culturais são pensadas como atividades sociais para que o governo possa/consiga contabilizar politicamente em cima. E talvez os quadrinhos não (e nem sempre os quadrinhos) sejam o melhor investimento/possibilidade de angariar retornos políticos. E talvez o humor presente nas tiras não case bem com as podridões do poder público. E talvez alguns nem entendam. E talvez exista interesse em não querer entender porcaria nenhuma. E talvez ainda... Cale-se! Cale-se! Cale-se! você está me deixando louco!!!

Pois bem, após o projeto ter sido aprovado, verba liberada, revista nas bancas, a surpresa geral no legislativo: Quem aprovou? Passou pelas mãos de quem? Mas não viram os teores? E a câmara dos vereadores de Joinville (norte do estado de SC) se transformou em um muro das lamentações: Foi fulano. Foi Beltrano. Chamem os responsáveis pela revista. Sessões e mais sessões. Ânimos exaltados. – Mas o projeto não era esse, não foi pra isso que nós demos verba (Tóin!).

Pra encurtar o causo, a revista já está circulando faz um tempo e continua volta e meia repercutindo aqui e acolá. Abaixo uma (pequena) entrevista com Paulo Gerloff, editor da Banda Grossa, onde ele fala um pouco, entre outras coisas, sobre o rolo todo.

1.Fale a respeito da revista (Banda Grossa), quem são os responsáveis pela edição? Os colaboradores? De quem partiu a idéia?
- A concepção embrionária era um fanzine, xerocado, sem frescura. Quem tava na roda era eu, o Luimar, o Rodrigo Damati e o Gui Neves, que eu juntei pela internet (eram de outras cidades e/ou estados) e havia empurrado a idéia da publicação. Aí o Luimar veio com um conceito mais ambicioso de fazer uma revista com referências e seções e já batizou a revista, porque acho até que ele tinha um projeto solo de fazer uma revista, mas que não levou pra frente.
Deu que ficou um ano nesse "vamos fazer a revista", mas ninguém tinha começado a produzir, procrastinando ao máximo. Aí foi-se perdendo contato, o Gui Neves já tava em outra e o Rodrigo Damati tava se dedicando à banda dele.
Isso quando surgiu o Edital de Apoio à Cultura, que inscrevemos sem muita esperança. Eu e o Luimar acabamos assumindo a edição, com o Rodrigo Damati só colaborando.

2.O projeto (da revista Banda Grossa) foi aprovado pela lei de incentivo à cultura (administração municipal de Joinville), mais tarde deu toda aquela confusão em função do conteúdo da revista, comente um pouco a respeito??
- Toda essa situação que a Banda Grossa sofreu foi um grande equívoco. A começar pelo equívoco dos vereadores semi-alfabetizados, que confundiram quadrinhos com literatura infantil e nos acusaram publicamente de pedofilia(?), entre outras coisas. Depois, o equívoco da própria fundação cultural que não teve culhão de admitir que foi o projeto que eles aprovaram, onde entra um possível equívoco da equipe que analisou o projeto descritivo, que analisou mal e porcamente. E tem o equívoco de uma parcela da imprensa que não apurou os fatos e passaram umas duas ou três semanas cacarejando insultos pessoais diariamente, tendo comprado a imagem que os vereadores fizeram de nós, e principalmente de mim.

3.Depois de todo o rolo (depois de ameaçarem voltar atrás e retirar o patrocínio ou retirar a revista do mercado) em que pé está a situação hoje??

- Recebemos uma notificação judicial pra tapar as logomarcas da prefeitura com uma tarja preta. Depois fomos processados por, supostamente, não haver aviso de censura para menores. O bizarro é que, de fato, há esse aviso de censura na capa. Esse processo já foi arquivado. Agora tá pra rolar um processo pra devolução da verba destinada para o desenvolvimento do projeto. Com isso eu não tô preocupado, o foda mesmo é ter que ficar queimando grana com advogado.

4.Como é que a revista está circulando? Aonde está chegando? E a aceitação dos leitores?

A revista tá sendo vendida pelo site e estamos recolhendo o refugo das bancas. Isso porque a número dois tá sendo produzida pra entrar na pista em dezembro ou janeiro.
Agora tão tranqüilas as vendas pela internet, tem semana que vendemos duas ou três revistas, tem semana que não vendemos nenhuma. No ápice da nossa exposição na mídia por parte dos vereadores, em que aparecíamos tanto na tv, rádio, jornal quanto na página da UOL como destaque, vendíamos 20 revistas por dia pelo site e as bancas venderam tudo rapidamente. Há lendas de que tinha nego oferecendo R$ 20,00 por uma mísera revista e outra que um casal de evangélicos comprou todas as revistas que estavam na banca.
Espero que haja algum tipo de discussão daqui a uns 10 ou 15 anos sobre a Banda Grossa, com os leitores dizendo que são oldschool, que foram na festa de lançamento e presenciaram as strippers se chupando e enfiando velas acesas no rabo.

5. Mudando um pouco o foco, quais são as tuas referências? Elas se concentram nos quadrinhos/cartoon?
- Gosto de pensar que tenho influência do Robert Crumb, Angeli, Allan SIeber, RHS ou Marcatti nos quadrinhos, não só pela estética, o traço sujo, hachurado, mas também pela temática. Mas isso é complicado, porque sempre que dou entrevista, cito autores diferentes como referência.
Há também os escritores Charles Bukowski, Pedro Juan Gutierrez e Edward Bunker, que chamam atenção pela temática, disseca a sordidez humana com sarcasmo. Não sei se é isso que eu produzo, mas é isso que leio e o que me motiva.
Deve ter mais coisa, mas a primeiro momento, não lembro.

6. Como é que tu foste parar nessa vida?? E como é a vida de cartunista/quadrinista no Brasil?

- Acho que o universo conspirou para isso. Na minha infância eu vivia recluso, desenhando, trancafiado em casa. Daí pra vir a ser quadrinista, é só persistir no erro.
Pô, vida de cartunista acho até comum, eu acordo, almoço, dobro, passo, lavo. É mais uma função complementar, porque ninguém enche barriga fazendo quadrinhos. Não nesse país.

7.Fale a respeito da produção brasileira hoje?
- O mercado editorial é uma piada. Há pequenos grupos que fazem e editam como a revista Quase (ES), a F. (RJ), a Tarja Preta (RJ) a Mosh (RJ), Sociedade Radioativa (SP) entre vários outros, mas a tiragem é pequena porque o público ainda não se mobilizou, não se tem tradição na compra e leitura de quadrinhos. E essa situação é inversamente proporcional a qualidade dos trabalhos publicados.

8.Projetos futuros?? Outros projetos?? Onde mais tu colaboras??
- Tô editando o fanzine Muco a 6 patas com o PabloMayer e o Diogo Cesar. Também temos um projeto de curta-metragem em animação, que tá em fase de pré-produção.
E tenho uns outros projetos de revistas, ainda não desenvolvi direito, mas com uma proposta diferente da Banda Grossa.

9.Tem algo que tu gostarias de falar que não tenha sido comentado??
- Tenho duas:
1º - Comprem a revista Banda Grossa#1 no site www.bandagrossa.com.
2º - Não se enganem pelas aparências, apesar de editar uma revista com uma abordagem sexual e herege, sou um católico fervoroso!

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Thiago Camelo
 

Eu tenho uma leve sentimento de que a turma de quadrinhos é a mais unida do Brasil. Mas sou tão leigo nisso que é só uma impressão do julgamento das coisas que eu leio. Parece que um sempre se refere ao outro com admiração e que toda essa nova geração dialoga e se conhece.

Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 11/10/2006 17:44
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apple
 

O problema é que existe a "Lei de incentivo 'a cultura", mas pornografia não é exatamente cultura...

apple · Juiz de Fora, MG 12/10/2006 11:14
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Ramon Cavalcante - Grupo TR.E.M.A
 

Bom Thiago, na verdade não...
a turma dos quadrinhos nao é unida, nem ao menos se conhece realmente... exemplo disso é que o cara citou as revistas F. e tarja Preta, que tem tematicas bem proximas da propria Banda Grossa (outras produções nacionais, sejam infantis, super-herois, mangá [sim, tem mangá feito no brasil... por incrivel q pareca], produções academicas não passam nem perto de ser mencionadas) ..
que não crisBH, nao se resume a pornografia... na verdade nem tem pornografia mesmo, tem o sexo (visto de varias formas pervetidas) como temática, juntamente a drogas, desobediencia e etc.

Mas que é cultura... dentro do conceito de cultura em q eu acredito... não é educativo, isso realmente nao... mas é cultura...

Agora Thiago...
Os grupos se entendem muito bem... afinidades editoriais são os principais motivos de união...

mas nem tudo é problema... a produção dos quadrinhos tem crescido exponencialmente nesses ultimos anos...

Falou

Ramon Cavalcante - Grupo TR.E.M.A · Fortaleza, CE 19/10/2006 12:10
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