Tem dessas coisas, sabe? Você fica dias, meses, anos sem fazer a menor idéia de pra onde a vida está caminhando. Bate aquele desespero, mas você vai levando, porque é mais ou menos essa a toada da vida, a gente acorda, as horas vão chegando, a gente vê o que elas nos trazem e vai seguindo, no fluxo contÃnuo e doloroso e louco do tempo.
Mas sim, um dia você acorda e mudou tudo. Você não sabe muito bem como, o desterro pode vir de várias formas - inclusive vestindo terra firme. Pode ser um amor surge assim assado, meio que se insinuando, deslizando pras nossas cobertas. Pode ser the fuckin' job, com aquela grana que faltava pra você tomar jeito, criar vergonha na cara e entrar de vez na vida adulta, parar de fazer declaração de isento e participar, finalmente, da terra prometida -- da população economicamente ativa (e fisicamente sedentária).
Aà tem cabra que fica feliz, deixa a barriga crescer e a poupança dar juro. E tem outro que pára e fala: caramba, o que - diabos! - está acontecendo comigo? Este é o cabra que que tem bicho-de-pé. Porque a vida é dividida assim mesmo: de um lado os que têm bicho-de-pé, e andam porque ele coça; de outro, os que têm pé sadio e, de preferência,mantém-no suspenso, em repouso absoluto.
Estou no meio do caminho. Cultivo com carinho meus bichos-de-pé, mas tenho os pés suspensos. A coceira está me matando e eu não sei muito bem o que fazer dela.
De vez em quando, tomado pelo comichão, eu coço a sola do pé. A maneira mais simples de fazer isso é comprando livros e lendo-os todos ao memo tempo, como se estivésse buarquizando e "me guardando pra quando o carnaval chegar".
E nada melhor pra coçar o pé do que duas biografias geniais, compradas na Bienal do Livro a R$ 10 reais cada uma: No Fundo de um Sonho - a longa noite de Chet Baker, de Jamis Gavin (Cia das Letras) e Bob Dylan, a biografia, de Howard Sounes (Conrad Livros). Na primeira delas a gente acompanha um cabra meio lesado, que tinha um talento da gota e levou um vida de merda -- em meio à s flores. Chet Baker atravessou o perÃodo mais rico da história do jazz, mas estava dopado demais para aproveitar.
O paralelo entre as duas figuras, feito nas dobras da leitura, é interessante. Se Baker não conseguia passar pela lama sem lambuzar-se nela, Dylan flutuava, eternamente "blowin' in the wind". Dylan tinha bicho-de-pé, por isso nunca parou, sempre rolando por aÃ, "like a rolling stone", uma rocha enrugada e fanha, llena de pinturas rupestres que remetem a eras remotas e dizem de um mundo desmundado.
Dylan é o blasé por excelência, o que passa incólume, o que sobrevive, o que escreve notas para a posteridade. Baker é o que desaparece, como as notas de um trompete. Dois caminhos. Descaminhos: encruzilhados.
Confuso? Também acho. Dylan tem mil caras, o geminiano. E engana quando faz crer que se deixa "blowar" ao vento. No fundo ou no topo, ele sempre sabe o que quer - e quando quer. Ele é rocha, lembram? Quando rola, ninguém segura. Quem quedava solto, ao sabor do vento, era na verdade o Baker. E o vento fez dele o que quis, jogou pra lá, jogou pra cá, jogou pro inferno.
E aÃ, pensando nisso, minha coceira dá uma trégua: uma hora a gente tem que escolher alguma coisa. Eu escolhi repousar e coçar de vez em quando.
E isso. Quase nada, quase tudo. How does it feel?
Gostei da imagem do "bicho de pé". Muito bom. Achei curioso que um estrangeiro assuma um local de estar - o Rio de Janeiro. Estrangeiro no Rio ou a partir do Rio? Na terceira margem, talvez. Essa coisa de dar pitaco no texto dos outros é estranho, mas, que seja. Embora vc arredonde bem no fecho da crônica, achei que as referências a Chet Baker e Bob Dylan ocupam caracteres demais, levam o leitor para longe da viagem do bicho de pé, que é muito mais interessante.
joca simonetti · Vitória, ES 20/11/2007 11:19Muito bom... Entusiasmante e reflexivo! Parabéns!!!
Reticências... · Salvador, BA 22/11/2007 14:53Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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