Bonassi 1: a vida animal

Camilo Brunelli
Uma posição mais humana, menos cachorro.
1
Fabrício Muriana · São Paulo, SP
22/6/2007 · 132 · 5
 

Sentia calafrios ao adentrar o Studio 184. Eu, que ali assisti, ainda nos meus mais tenros tempos de faculdade, a montagem de a Filosofia na Alcova (será que o pessoal do Satyros lembra disso?), agora só guardava lembranças assustadoras do espetáculo Heleny, Heleny, Doce Colibri, que até resenhei pra cá. Mas logo na entrada tudo mudou.

Ao invés das poltronas da platéia que nos distanciam da peça, somos levados ao palco, onde o chão está forrado de jornais e o público é acomodado em cadeiras de papelão. Lá também nos aguarda o dono do espetáculo, aquele que vai nos mostrar as profundas semelhanças e diferenças que existem entre cachorros e seus donos (o autor fala também dos cachorros sem dono).

O texto é de Fernando Bonassi que, segundo o rilise, "é jornalista, roteirista, dramaturgo, cineasta e escritor" (eles esqueceram diretor) e como é complicado falar das montagens com textos desse cara. Um autor que vai desde O Mundo da Lua (lembra da Mira Haar e do Fagundes?), passa por Apocalipse 1,11, do Vertigem, Carandiru no cinema (que segundo ele, só faz "por dinheiro"), monta também como diretor Centro Nervoso no Sesc Consolação (peça de que gostei, mas que não me parecia teatro) e está em cartaz também com o espetáculo O Incrível Menino na Fotografia.

Bonassi declarou há pouco tempo que quer ter algumas dúzias de monólogos como Eu não sou cachorro. Disse ser sua perspectiva de aposentadoria. Um foco típico de gente absolutamente chata. Parece a equipe da Bacante, que resolveu falar o que der na telha de teatro (admitimos, somos chatos). Esse foco nos monólogos traz algumas limitações fundamentais, que são desafios tanto pra quem escreve, mas principalmente pra quem atua.

Como compor um personagem sem diálogos? O que fazer para representar em cena alguém que é só fluxo de pensamento? César Figueiredo aceitou o desafio e realmente pesquisou o corpo do cachorro para ilustrar as diversas relações estabelecidas no texto. Então vale tudo: rosnar, mijar de perna pro ar, coceirinha na perna, carinho da platéia, comer no potinho, tudo isso encenado por um ator enorme, que se fosse mesmo cão seria desses Filas Brasileiros que só povoam sítios e casas de campo.

O trabalho de interpretação convence, o uso do espaço é criativo. Algumas rebarbas ficam nos detalhes: a iluminação não colabora em nada para a criação de novas relações entre humanos e cachorros; tá dito no rilise que a trilha é uma "pesquisa de sons experimentais de grupos contemporâneos", bem, eu nem me lembro da trilha.

Mais uma vez o texto de Bonassi é uma alegoria para falar de algumas situações do nosso tempo. É angustiante assistir ao espetáculo, pois não se sabe até onde essa alegoria consegue exemplificar o quanto de cachorro somos, ou gostaríamos de ser no nosso cotidiano. Ao fim e ao cabo, ela vale muito mais, graças à entrega total e absoluta daquele dono do espetáculo, citado lá no começo da resenha.

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Fabrício Muriana
 

Publicado originalmente na Revista Bacante.

Fabrício Muriana · São Paulo, SP 20/6/2007 18:09
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Julio Rodrigues
 

Obrigado! Estas resenhas para quem está estacionado no oeste do centro-oeste são muito uteis.

Julio Rodrigues · Cuiabá, MT 22/6/2007 15:02
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Fabrício Muriana
 

Pô. Eu queria ver as resenhas das peças daí.
Se soubre de alguma, avisa.
Abraço

Fabrício Muriana · São Paulo, SP 22/6/2007 15:07
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canal aberto
 

fabrício, não sei se chegou a assistir Preso Entre Ferragens, do Bonassi, logo depois do Apocalipse 1,11. Foi no Ruth Escobar, aquela sala lá embaixo. O cenário era horrível e interessante, um carro batido, em cena, e um ator dentro. A direção era da Eliana Fonseca. Caaara, o texto era sobre um cara que bateu o carro, está no meio da estrada jogado numa ribanceira dentro desse carro e passa a falar sobre a vida. Uma mulher (dele?) estava ao lado, mas não se saber se viva ou morta. Foi a coisa mais esquisita que já assisti na vida. Outra que fez e não foi bem estreou no Sesi da Paulista, nem lembro o nome (Abajur?)Acho que ele tá pegando o jeito da coisa, além de ser um personagem (ele próprio) muito engraçado, porque se quer underground (não tão Bortolotto), e diz que faz o choubisnes por dinheiro. Não sei, Acho ele um misto de Mooca com Higienópolis, com ataques frequentes de Bexiga.
Mas gosto da verve do rapaz, gosto muito, apesar de ainda não ter visto essa peça do Studio 184 nem Cão sem Dono.

canal aberto · São Paulo, SP 9/7/2007 16:08
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Fabrício Muriana
 

Eu indico.
Desisti de definir o bonassi.
Desisti tb de tentar descobrir se gosto ou não.
Mas ainda vou nas peças.

Fabrício Muriana · São Paulo, SP 10/7/2007 16:50
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