A aventura começa...
Parece filme de Indiana Jones rumo ao encontro de um tesouro perdido numa civilização distante.
Mas nesse filme não tem efeitos especiais. Só magia... Não há galã bonitão fazendo estripulias com chicotes e chapéus... Só pessoas comuns, uma cidade pequena, um cineasta sumido e uma pelÃcula valiosa para a filmografia brasileira e alagoana.
Muito interessante, mas vamos por partes: sou apresentador de um programa de TV chamado Sétima Arte, onde exibo curtas-metragens de ficção, documentários e animações de cineastas iniciantes. No programa faço comentários sobre os trabalhos exibidos, falo sobre cada realizador e sobre a sua cidade também. Não seria fácil conseguir muitos trabalhos na década de 80. Mas hoje com a internet e com os canais de comunicação instantâneos, baratos, acessÃveis e cada vez melhores, consigo mostrar a diversidade cultural do meu paÃs, através do audiovisual, numa TV comunitária em minha cidade, Cordeiro, no interior do Estado do Rio. O poder da comunicação transformando esse planeta numa aldeia cada vez menor. Melhor? Não sei.
O roteiro
O roteiro rocambolesco começa exatamente a partir daÃ: Diante de um computador. Estava à procura de material para os próximos programas da TV comunitária. Sempre deixo recados em comunidades especializadas no Orkut e, em alguns casos, volto para fazer convites individuais ao vasculhar profiles interessantes. Nos scraps que espalho no Orkut, geralmente acrescento o meu contato no MSN. Belo dia, deparei-me com o Rafhael “Spielbergâ€, na verdade Rafhael Barbosa, cineasta, jornalista e amante da sétima arte. Entre uma teclada e outra, algumas negociações e possÃveis contatos com diretores iniciantes e outros nem tanto, ele me perguntou se eu morava perto da cidade de Cantagalo. Ao teclar um “SIM†parece que ouvi um grito de “BINGO!†vindo lá das terras alagoanas.
Resumindo a história para dar-lhe um melhor desfecho a seguir, o Rafhael me pediu pra sair em busca de um tesouro perdido nas terras de Euclides da Cunha. Eis o tesouro: o primeiro filme rodado em Alagoas. “Um Bravo do Nordeste†desapareceu juntamente com o seu realizador , o cineasta Edson Chagas. Aventurei-me encorajado pelo meu novo amigo. Todos ganhariam muito com o desvendar desse sumiço cinematográfico e, de certa forma, ainda escreverÃamos umas páginas a mais na memória da cultura nacional.
O que sabÃamos era exatamente isso: Em 1931, Edson Chagas botou a pelÃcula debaixo do braço, ganhou chão e uma de suas últimas aparições foi em Pilar, ainda em solo alagoano, onde também exibiu o filme. Depois daÃ, viveu e morreu em terras do Cantagalo como veio relatar o jornalista, poeta, folclorista, cineasta e crÃtico Fernando Spencer: “Ary Severo (cinegrafista) me contou que foi visitá-lo no Rio, o encontrou casado com uma moça mais alvoroçada que ele (risos). Segundo ele, Edson viveu na região do Cantagalo até sua morte, no começo de 1959â€.
A busca
Hoje, sem a pelÃcula, nenhum registro de “Um Bravo do Nordeste†e o fato de Edson Chagas ser pernambucano que passou apenas dois anos em Alagoas, a candidatura à vaga de primeiro filme alagoano é controversa. A defesa de “Casamento é Negocio?â€, de Guilherme Rogato, como justo merecedor do tÃtulo parece estar ganhando vantagens e aos defensores de “Um Bravo do Nordeste†resta apenas a busca frenética por algum novo indÃcio do paradeiro de Edson Chagas.
Sendo assim, parti muito motivado para a pesquisa e também à procura de pessoas que acreditassem nessa história incrÃvel. O primeiro a ser contactado foi o Professor Gilberto Cunha, estudioso e pesquisador da história de Cantagalo. Logo ficou empolgado, mas achou um pouco estranho desconhecer o nome do cineasta e qualquer referência a uma passagem significativa dele por lá.
Outro historiador e grande interessado pelo patrimônio histórico-cultural da cidade, Professor João Bosco Bon, contagiou-se pela história e na possibilidade de encontrar registros de vida e morte de Edson Chagas em Cantagalo. Apostou em cidadãos que guardam, com carinho, o passado de sua gente na memória e podiam ser de grande valia. Foi assim que contou toda a história baseada nos dados de pesquisa de Rafhael Barbosa aos senhores Adalto Machado (poeta e trovador), Aloisio Falcão (contador de histórias e ex-chefe da estação ferroviária) e às senhoras Eni Kroff (poetisa e professora aposentada) e Eni Baptista ( professora aposentada e atuante no cenário cultural). O retorno foi desanimador. Nas primeiras horas, de uma manhã de quinta-feira do mês de agosto, recebo o telefonema do Professor Bosco, desalentado. Nada havia encontrado. Ninguém sabia de nenhum Edson Chagas, de nenhuma esposa dele e muito menos descendentes.
E a pelÃcula? O grande tesouro a ser “desenterrado†de uma história cheia de vai-lá-vem-cá? Nenhuma pista muito menos. No caso, o valioso trabalho de Edson Chagas são seis rolos de uma história de “faroeste†onde “um ladrão de gado tenta ludibriar um rico proprietário, comprando o seu gado. Chegando à fazenda, enamora-se da filha do coronel e dispõe-se a casar. Vendido o rebanho, o fazendeiro vai ao banco depositar o dinheiro, mas o caixa recusa-se a receber em virtude de ser dinheiro falso". (registro de sinopse encontrada na cinemateca brasileira).
A última tentativa dos novos bravos foi folhear cuidadosamente os livros de registros de óbito da cidade. Com data de morte delimitada em 1959, Claudia Fernanda Amaral Salgado, responsável pelo cartório de registro civil do 1º distrito de Cantagalo, ajudou a aprofundar ainda mais a pesquisa. Nada foi encontrado.
Mistérios a desvendar
Parece que o cineasta, ao largar o Nordeste, simplesmente desistiu de filmar, produzir cultura e, por fim tomou chá-de-sumiço justamente na região centro-norte-fluminense. Tudo parecia estar fadado a nenhum milÃmetro de avanço nessa aventura. Mas algo levantou os ânimos dos bravos personagens dessa história quando uma análise mais cuidadosa da fala de Fernando Spencer feita pelo professor Bosco acrescentou uma novidade em torno do desaparecimento de Edson Chagas. “Ao registrar em sua fala “regiões do Cantagaloâ€, Fernando Spencer nos fez acreditar que, na verdade, não seria Cantagalo interior fluminense, mas o Cantagalo, localidade da capital do Rio de Janeiroâ€. Ao notar esse pequeno acréscimo de artigo diante da preposição, o Professor Bosco acrescenta uma reviravolta na localização geográfica do sumiço do cineasta e, conseqüentemente, a história ganha outro rumo!
Um novo começo...
Brilhos nos olhos e esperança renovada para o Rafhael Barbosa, um bravo do nordeste, e os seus mais novos bravos colaboradores fluminenses. É assim que se escreve boas histórias no século XXI.
Novas buscas vão começar a partir de agora. Quem se habilita?
Que baita história, Luiz! Que a busca continue e que tenhamos acesso, um dia, a esse material!
Labes, Marcelo · Blumenau, SC 30/8/2007 16:33
Fala, Labes!
Tenho muita vontade de trazer o desfecho da história para o Overmundo. Espero que eu possa seguir adiante nas minhas investigações. Fiquei realmente interessado em recuperar o fio da meada de história pra lá de boa.
Quem sabe vou poder contar com a ajuda de nossos overmanos cariocas? Sem dúvida, ficará mais fácil.
Abraços
Olá, Cavalheiro:
Aproveitei para conhecer melhor suas colaborações e me deparei com essa bela narativa de um trabalho de garimpagem de produtos da Cultura, de pioneiros muitas vezes oriundos das camadas populares, soterrados nos desvãos do tempo.
Parabéns, e boa sorte na pesquisa.
Um abraço.
Oi, Levi!
Obrigado pelo elogio.
Deparei-me com essa história instigante meio por acaso e resolvi ir a fundo para melhor escrever esse texto e também para colaborar com o meu amigo alagoano, o Rafhael Barbosa. No decorrer das "investigações" o rumo da história mudou e nos surpreendeu, mas acredito que estamos no caminho certo e que, em breve, boas notÃcias vão surgir.
Grande abraço!
Parabéns Cavalheiro!
Mais uma vez me fez embarcar numa bela história!!!
Senti-me diante da "telona" vendo passar tão sábias e belas palavras dirigidas por você.
Que venham sempre mais belos textos e histórias desse interior lindo que o nosso Estado tem!
Abração
Oi, parceirão!
Cara... dei uma mancada com você e estou aqui pra consertá-la.
A terceira foto é sua e, inclusive, você também foi o responsável pela repaginada do meu programa Sétima Arte. Só que na hora de escrever o seu nome nos créditos, dei o maior furo. Conserto aqui: a terceira foto desse artigo é do meu amigo ADILSON SARTI.
Tá corrigido. Ufa!!!
Grande abraço!
Deliciosa história Cordeiro, espero que traga um final feliz pra gente.
Higor Assis · São Paulo, SP 1/9/2007 22:43
valeu, higor!
o final da história, quem sabe?
Abraços
Fala Benny!
Obrigado mesmo. Um elogio vindo do mestre das palavras é sempre uma honra pra mim.
Valeu!
muito instigante a história, e bem escrita!!
legal de se ler!!!parabéns!!
abraços,
Luiz,
Hoje abrà a revista de Domingo com um a matéria sobre Duas Barras e seu morador mais ilustre: Lenny Kravitz!
Acabou o sossego do cantor e dos moradores de Duas Barras...rsrs
BJS
CRIS
Suas pesquisa são fantásticas.Parabéns pela iniciativa!
BJS
CRIS
Obrigado André!
Valeu mesmo.
Abraços
Oi, Cris!
Vou ler a matéria sobre Duas Barras com certeza.
Quando comecei a escrever os "NARRADORES" pensei em começar citando o Lenny Kravitz e a sua relação com o povo de Duas Barras. Eu estava lá fazendo as fotos, colhendo falas dos moradores e o Lenny estava no mercadinho fazendo compras, sem assédio nenhum. Achei um barato!
Valeu Cris!
Beijos
Pesquisas...Desculpe, Professor!
crispinga · Nova Friburgo, RJ 2/9/2007 10:53
Cavalheiro, MARAVILHOSÃSSIMO esse seu resgate da história do cineasta Edson Chagas. Nossa que fôlego vc tem... Os bastidores do relato de suas aventuras são incrÃveis, mas o mais surpreendente foi essa descoberta da confusão causada pelo mesmo nome das localidades. O Prof Bosco é um exÃmio detetive, hein? (qualidade fundamental a quem se dispõe a mergulhar na micro história). Como ele foi perspicaz em descobrir essa confusão. Cara, isso é fazer história...
Sou superlativa de nascença, mas em matéria de história esse meu jeito fica acentuado rsrsrsrsr ainda mais que moro aqui do lado do morro de Cantagalo - hj região que impõe a seus moradores viverem sob o imperio do medo ocasionado pelo tráfico (mtas vezes à noite ouço os tiros dos fuzis dessa guerra insana e perco o sono pensando na agonia dos moradores - quem sabe um deles não é descendente do homem que vc procura?)
Ficaria aqui escrevendo horas...
Parabéns por essa imersão na história e tb por mais essa face sua de apresentador do Programa Sétima Arte. Isso tb excitou minha imaginação, mas os comentários a esse respeito trago depois.
Bj grande e saudações sinceras pelo que vc é.
Cavalheiro, a própria busca renderia outro filme.
Aliás, a vida daqueles que cuidam do resgate da memória nacional seria um épico.
beijos
Oi, Ize!
Que bom que você gostou do artigo. Realmente me empenhei mesmo e quanto mais eu pensava que estava chegando perto de uma solução, mais eu me distanciava. O Professor Bosco, com a inteligência e astúcia que lhe são próprias nos apontou uma outra direção. Pena que seja para um "campo minado"... Quem sabe o meu fôlego não me sustente numa nova busca?
Eu queria muito que fosse Cantagalo, aqui pertinho de mim. Seria um presente bacana para todos nós e para o povo alagoano também.
Beijos e mais beijos.
Obrigado de novo.
Oi, Saramar!
É mesmo! Daria um outro filmaço!
Beijos e obrigado
Ah... Ize! Quero ouvir o que você tem a me dizer sobre o Sétima Arte.
Beijos de novo
Luiz,
BelÃssima matéria!
Um aBRAÇO, Marluce
Cavalheiro:
Volto para acrescentar que também me despertou a curiosidade esse seu trabalho com TV Comunitária. Participei em Porto Alegre, nos idos de 97, do "Seminário de TV Comunitária, TV Pública e TV De Assinatura No Cone Sul", mas não pude acompanhar o processo e hoje, como espectador, fico com a impressão que aqui ficou meio desvirtuado, uma programação meio nada a ver.
Talvez vc pudesse nos falar melhor da sua experiência noutra matéria.
Um abraço.
Em tempo, Cavalheiro: ressalvadas aqui, no nosso caso, as honrosas excessões.
Levi Orlando · Porto Alegre, RS 2/9/2007 21:59Bravo!!! Parabéns!!!
Nydia Bonetti · Piracaia, SP 3/9/2007 08:52
Poxa Luiz, tomara que você encontre o paradeiro do seu Chagas. Boa sorte nas pesquisas e nas tuas andanças. História muito bacana essa que você nos trouxe...
Um abraço.
Ah, as fotografias que você utilizou, são um verdadeiro infográfico. Gostei muito...
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 3/9/2007 10:35
adorei o clima misterioso da matéria.
espero que tenha êxito nas buscas!
abraços.
Excelente artigo cheio de idas e vindas e mistérios a desvendar. Que a busca continue neste ritmo e que o final seja feliz e inÃcio de novas aventuras.
Abraços. :)
Cavalheiro,
que saga! A busca do bravo Edson Chagas - como bem sacou a Saramar - é o filme! Roteiro para um ótimo documentário. Até imagino a cena inicial: a fotografia de Edson Chagas com a câmera e uma música incidental de Gonzagão (talvez Asa Branca) ao violão, loc. em off. (acompanhando a foto que vai desaparecendo lentamente, sugerindo a ação do tempo): "Essa é uma história sobre memória e esquecimento, drama e paixão. Fala sobre busca apaixonada do primeiro filme brasileiro rodado em Alagoas, Um Bravo do Nordeste, e do seu diretor, Edson Chagas, desaparecidos em algum lugar do nosso passado, não se sabe onde ou quando, engolidos pela burocracia dos gabinetes, a indiferença e o descaso dos órgão que deveriam preservar a memória cultural." E aà era contar a história, entrevistar pessoas, investigar. Não seria uma beleza?
Um abraço e parabéns pela matéria, excelente em todos os aspectos.
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