Cafuné é meu primeiro longa-metragem. Pra mim ele representa não só uma primeira incursão numa narrativa de maior duração, mas tabém uma nova direção a partir dos meus curta-metragens. Pela primeira vez, ao invés de vestir a pele dos morros cariocas, estou contando uma história do meu ponto de vista, ou seja, de classe média. Uma classe média que, embora de uma maneira totalmente diferente, também é afetada pela violência e pelas questões das quais falei nos meu curtas - e que cria suas próprias respostas e reações.
No que diz respeito à produção, filmar o Cafuné não foi muito diferente de filmar um curta. Ganhamos o prêmio para filmes de baixo orçamento do Ministério da Cultura, que tinha a brilhante limitação de não permitir que os premiados captassem mais dinheiro além do prêmio recebido - no nosso caso, de R$600.000,00. Digo brilhante porque longas têm um processo parecido com uma bola de neve: muitos dos ditos BOs juntavam mais recursos de outras fontes e se tornavam filmes médios ou grandes. Assim, imbuÃdos de espÃrito low-budget, saÃmos para fazer esse filme relativamente complexo, com locações em toda a cidade e elenco grande, e conseguimos colocá-lo na lata por 400 mil reais, filmando em três semanas com uma câmera DV 24 quadros e editando na minha ilha em casa. Mais 150 mil foram gastos no transfer para 35mm (obrigatório por contrato) e finalização e ainda ficamos com um troco para a difusão do filme.
Mas na hora da distribuição, as coisas não seriam tão simples.
TÃnhamos um filme com linguagem diferenciada, nenhum elenco global e pouquÃssimo apelo comercial.
De cara, por exemplo, o distribuidor apontou um problema intrÃnseco ao filme que era o final. "Muito aberto", "não amarra nada", "dÃficil para o público". Mas já sabÃamos, nesse ponto, que farÃamos uma distribuição digital do filme, a princÃpio por uma questão de custo: o preço total da distribuição digital equivale a uma cópia 35mm. Com cópias em 35mm, precisarÃamos fazer uma cópia pra cada sala; com a distribuição digital, o filme não tem cópias e pode ser exibido em quase todo circuito de arte nacional pelo mesmo preço. A Rain Networks (www.rain.com.br) é a empresa que equipou os principais cinemas desse circuito com projetores digitais e criou uma rede de distribuição virtual de filmes. E se estávamos fazendo uma versão digital do filme, porque não assumir esse final múltiplo e fazer filmes múltiplos? Afinal é só uma questão de reeditar o que eu tinha na ilha em casa e mandar pra Rain. Dito e feito: o público, dependendo de qual sala vai assistir o filme, pode ver tanto o final original em 35mm, mais "aberto", quanto a versão digital, que "opta" por uma das possibilidades de fim, deixando satisfeitos tanto o distribuidor, quanto esse diretor que vos escreve.
Outra surpresa foi no trailer. Eu sabia que não queria um trailer normal, um rápido resumo do filme, e sim um trailer que respeitasse o tratamento de linguagem que dei ao filme, com a câmera parada, em planos-seqüência, sem alterar a montagem. Ao checar o processo da Rain, descobrimos que o trailer estava incluso no pacote e que não teria custo. Então porque não várias cenas? Acabamos criando sete "curtas", trechos de um ou dois minutos do filme que passam aleatoriamente antes das sessões de circuito, graças à tecnologia de distribuição digital, e que respeitam o ritmo original do filme.
Mas como colocar esse filme na rua? O filme brasileiro desse perfil entra em uma ou duas salas e fica no máximo algumas semanas em cartaz. Um final muito frustrante depois de se investir tanto tempo e dinheiro num projeto... TÃnhamos que descobrir novos meios de distribuição, para um público que tenha um interesse nesse tipo de produto audiovisual.
Nossa sorte é que, olhando os canais alternativos de distribuição, percebemos que muita coisa interessante está surgindo. Os cineclubes estão extremamente organizados, montando redes próprias de distribuição - interessados não em filmes comerciais, mas em filmes brasileiros, de contestação e pesquisa de linguagem. Diversas ONGs por todo paÃs estão investindo em cursos livres de audiovisual e formação do olhar, criando uma nova geração de espectadores. E por fim, os internautas usam cada vez mais o computador para trocar longas inteiros, gravando-os em DVD ou assistindo no próprio monitor. Assim nossa estratégia partiu da vontade de falar pra essas pessoas, passando o trailers em escolas e cursos próximos à s salas onde o filme vai estrear, e exibindo o próprio filme em lugares longe das salas e perto do público de baixa renda.
Por isso o Cafuné está sendo lançado com uma licença Creative Commons de uso não comercial, ou seja, ele pode ser exibido sem autorização prévia em qualquer evento desse tipo. Divulgamos isso para os cineclubes, escolas e espaços alternativos.E vamos disponibilizar, no mesmo dia do lançamento, com a bênção do distribuidor, o filme inteiro para download pela Internet, usando as mesma redes que hoje se usam para piratear conteúdo audiovisual pela rede: eMule, bitTorrent, Kazaa. Quem achar o Cafuné pela rede pode baixar, queimar um DVD e assistir sem medo de estar quebrando a lei. Até onde sabemos, é a primeira vez que um longa brasileiro é distribuÃdo sob esta licença, a primeira que se lança um longa no circuito comercial e na internet ao mesmo tempo, e a primeira vez que um longa brasileiro usa as redes de compartilhamento de arquivos para distribuição com o consentimento dos autores.
E mais: incorporando totalmente a não-linearidade proposta pelo filme, essa licença também vai garantir o direito dos usuários de editar o filme para uso próprio, ou seja: eles podem dar ao filme o final que julguem melhor, usando o seu programa de edição caseiro preferido para isso.
O próximo passo, quem sabe, é criar uma ferramenta que permita que os novos editores do Cafuné compartilhem suas experiências. E quem sabe, quando lançarmos o DVD do filme, que ele tenha não só a "Versão do diretor", mas também algumas "Versões dos internautas"....
ps.: dia 25 de agosto o filme também estará disponÃvel aqui no banco de cultura via BitTorrent
ps 2: no YouTube tem vários trailers do filme, inclusive alguns que não chegaram a ir para os cinemas: www.youtube.com/videos/bvianna
alô Bruno: muito bem-vindo aqui no Overmundo. Fiquei MUITO empolgado desde que ouvi pela primeira vez as notÃcias que você iria disponibilizar o Cafuné na rede, junto com a estréia do filme nos cinemas. Certamente vai ser uma rica experiência: temos que procurar novos caminhos para distribuir nossos trabalhos (seja em que mÃdia forem), já que o "sistema" tradicional parece bem emperrado. Muito obrigado por ter escolhido o Overmundo também para disponibilizar o arquivo do filme. Vai ser uma alegria baixar o longa no dia 25! No dia vou colocar um aviso lá no Observatório, pois a data vai merecer comemoração: é uma atitude muito corajosa: espero que tenha muito boas consequências para toda a cultura brasileira, na internet e fora da internet! Parabéns!
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 16/8/2006 11:38Bruno, fiquei muito empolgado com o filme e com o projeto de lançamento pioneiro. Acho que o filme está desbravando em vários sentidos, não só pelo lançamento digital e pela internet, mas também pela idéia dos finais diferentes. Pelo que conheço, nunca tinha visto uma estratégia parecida, já tinha visto um filme ser lançado com dois finais diferentes, mas nunca simultaneamente nas salas. Acho que isso abre até uma perspectiva de linguagem muito mais contemporânea para o cinema, a ser explorada e celebrada. Nem preciso dizer também sobre o licenciamento do filme em Creative Commons, que contribui para a formação relação diferente entre o espectador e o autor, uma relação participativa e que trata a produção da cultura em termos contemporâneos, sem medo da tecnologia e tendo o espectador como aliado. E sobretudo, fiquei com MUITA vontade de ver o filme. Por que você não posta um trailer aqui para atiçar ainda mais essa curiosidade?? Um abraço!
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 16/8/2006 12:24o trailer seria uma boa maneira de testar a postagem em bit torrent - ainda não é a coisa mais simples do mundo (não só no Overmundo)...
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 16/8/2006 12:29
Eu já vi quatro desses "curtas" no cinema. Iniciativa incrÃvel, que, muito além dos mais que merecidos elogios pela coragem, estimula muito a curiosidade sobre o conteúdo daquilo que vamos ver no dia 25 por aqui.
Excelente idéia, vou preparar um torrent com os trailers. Mas enquanto isso já vou colocando lá em cima um link para os trailers que já estão no youtube...
brunovianna · Rio de Janeiro, RJ 17/8/2006 10:36Ha um tempo venho falando nas listas do fato de os cineastas nao disponibilizarem suas obras na rede - nem usarem licencas mais flexiveis -, sobretudo aquelas feitas com dinheiro publico. Parabens pela sua atitude coerente, inteligente e corajosa. Espero q vc consiga disponibilizar os filmes em outros canais pq aqui eh complicaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaado. Eu mesmo queria ter disponibilizado os meus aqui, mas esse lance de bit torrent ainda esta muito complexo... Nem com as boas aulas q eu tive entendi como funciona e, alem do mais, mais um software no computador...
Roberto Maxwell · Japão , WW 17/8/2006 13:14Ótimo, Bruno. Se o trailer tiver até 10MB não precisa nem ser em torrent, dá para fazer o upload direto...
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 17/8/2006 13:15
Oi, Roberto. Não vou desmentir você dizendo que é fácil disponibilizar um conteúdo em BitTorrent, mas acho que a idéia ainda pode pegar por essas bandas, porque afinal é uma tecnologia bem interessante, que agiliza o processo de compartilhamento de arquivos.
O pessoal do Overmundo já preparou um tutorial sobre Como usar o BitTorrent e está tentando facilitar ainda mais o acesso para quem não é "tecnófilo" ou "tecnólogo". Aos pouquinhos a gente vai chegando lá, mas a oportunidade de ver o Cafuné direto daqui do Banco de Cultura é bem mais interessante do que ficar caçando o filme por aÃ, não acha?
Parabéns ao Bruno pela iniciativa. Estamos todos esperando pelo Cafuné.........
existem saÃdas para furar os esquemas tradicionais de distribuição e o bruno está comprovando isso. o bem cultural está acima dos interesses meramente mercadológicos que alimentam o discurso nefasto dessa indústria capenga que domina a distribuição de filmes no brasil. parabéns velho, pela ousadia, desprendimento e firmeza na atitude.
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 18/8/2006 20:56Isso é que é bom... eu quero fazer cinema tbm porra
Marcela Fells · Belo Horizonte, MG 19/8/2006 13:34Ola, Vitor, li o tutorial. Eu sei que ai no Brasil a maioria das pessoas usa, perdao da palavra, Windows. Seria possivel algum tipo de informacao para quem usa Mac?
Roberto Maxwell · Japão , WW 20/8/2006 00:40Ah, quanto ao lance da oportunidade de ver o filme aqui, vou mais longe: os cineastas brasileiros produzem filmes com dinheiro publico e, contraditoriamente, nao disponibilizam suas obras em licencas flexiveis, fazendo com que nao se possa fazer mais nada com elas alem de ir a sala de cinema e pagar para ve-las (ou as outras modalidades DVD etc). Claro q ja fui chamado de tudo ao dizer isso em listas de discussao. Na verdade, cansei de dar murro em ponta de faca e nem falo mais no assunto. Entao, todo o trabalho do Vianna, para mim, eh uma prova de que, dentro da mediocridade do produtor de audiovisual no Brasil, ainda existe gente que se arrisca. E gente que tem responsabilidade com o dinheiro publico. Nunca fiz um longa - e nem sei se vou fazer, apesar de a maioria soh considerar-se e/ou aos outros "cineasta" depois desse passo - mas entendo a pressao q o moco sofreu e admiro ele ter ganho a guerra, mesmo tendo q ceder alguns territorios. Na verdade, nem acho q ele tenha cedido nada. Acho, ate, q ele ganhou com a historia dos multiplos finais. O filme se prolonga ja que, provavelmente, as pessoas sairao da sala de cinema em busca das outras possibilidades. E para o Overmundo, eh um ato politico bacana, q soh servira para colocar o site no caminho onde ele se propos a ir: o de ser um polo irradiador de cultura livre. E, com a aprimoracao, com certeza o site tera outros colaboradores dispostos a disponibilizar obras como Cafune.
Roberto Maxwell · Japão , WW 20/8/2006 00:48Bárbaro Bruno, Campão tem o Cine Cultura http://www.cinecultura.com.br/ que tem tudo a ver com o que você disse. Sucesso e lindos finais pra cada um dos projetos, atuais e futuros.
Bia Marques · Campo Grande, MS 21/8/2006 09:02oi Roberto, pra Mac tem o BitTorrent original: o link direto está aqui.
Felipe Vaz · Rio de Janeiro, RJ 21/8/2006 15:46Nossa, ainda no bit torrent... Tentei uploadar uma contribuicao, mas nem sei se deu certo. Nao consegui baixar nada no meu computador...
Roberto Maxwell · Japão , WW 21/8/2006 23:37só uma informação adicional: aqui no Rio, o filme entra com legendas em inglês no Cine Santa Teresa, onde há uma grande quantidade de estrangeiros ... Este filme só inova!
clelia bessa · Rio de Janeiro, RJ 23/8/2006 15:35oi Roberto: baixei seu filme na boa! recomendo todo mundo a fazer o mesmo: o filme é muito bacana! tá lá na fila de edição
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 23/8/2006 20:11Consegui com as dicas q eu recebi por email. Valeu a ajuda de todo mundo.
Roberto Maxwell · Japão , WW 23/8/2006 22:23Matéria sobre o lançamento do filme Cafuné (inclusive com os links aqui para o Overmundo) publicada no site global do Creative Commons. Link aqui.
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 7/9/2006 20:00Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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