Conforme a humanidade acumula dias de existência sobre o planeta a questão ambiental se torna um debate cada vez mais latente. A necessidade de produção e o tão falado problema do crescimento culminam, entre outros aspectos, na exploração dos fartos recursos naturais disponíveis em nossa terra brasilis. Esse processo acarreta na questão do desenvolvimento sustentável, idéia tão confusa que valeria um outro texto.
Em meio a tantos nós, a lei (Federal nº 9.795/99, de 27/04/99) apresenta alguns pontos concretos. A legislação ambiental coloca que empresas produtoras de petróleo, por exemplo, devem oferecer algum tipo de projeto de educação ambiental para as comunidades atingidas por suas atividades. E é exatamente este processo que vem acontecendo na região da Bacia de Campos (Rio de Janeiro).
O projeto, desenvolvido pela Abaeté Estudos Socioambientais para a Devon Energy do Brasil, estabelece um debate com as populações dos municípios da área de influência de sua atividade, através da Oficina de Cinema Ambiental Humano Mar. Neste caso o audiovisual é utilizado para promover uma reflexão não apenas sobre o impacto direto da atividade de produção de petróleo, mas também para ampliar as fronteiras do que pode ser encarado como questão ambiental.
Tudo começou com a experiência do documentário Humano Mar, quando um grupo de pescadores empunhou câmeras e filmou as aventuras que envolviam a presença das plataformas de petróleo em sua rotina de trabalho. Posteriormente a oficina foi oferecida a moradores de cidades como Arraial do Cabo, Rio das Ostras, São João da Barra, Búzios, Niterói, entre outras.
A dinâmica das oficinas sistematiza a questão ambiental com aulas teóricas e práticas de audiovisual. Todo o processo é orientado por antropólogos e profissionais de cinema.
O processo total da Oficina de Cinema Ambiental Humano Mar acontece durante três semanas. Nesse período os alunos têm aulas teóricas (linguagem cinematográfica, documentário, pesquisa social). Além de roteiro, câmera, áudio e edição. No ápice da oficina os alunos são divididos em grupos e produzem documentários que tratam de algum aspecto levantado por eles.
Com os vídeos prontos é marcado o Fórum Ambiental, evento sempre realizado em espaço público, onde os vídeos são exibidos e discutidos pela população. Tive a chance de acompanhar um destes fóruns, e vou tentar contar um pouco de como foi à experiência.
Macaé, a cidade por ela mesma
A movimentação na Praça Veríssimo de Melo começou cedo, a equipe que monta toda a estrutura do evento já marcava presença no local desde as 13h do dia 29 de maio. As pessoas passavam e, curiosas com a montagem, perguntavam sobre o que estava pra acontecer. Faixas, carros de som, panfletos, entrevistas na rádio e TV, tudo convocava aos moradores de Macaé para o Fórum Ambiental da cidade.
Assim que caiu a noite, o projetor ganhou vida e os trabalhos foram abertos com a exibição do documentário Humano Mar. As mais de duzentas cadeiras disponíveis na praça foram rapidamente ocupadas. Uma boa quantidade de pessoas se espalhava pelo restante do espaço. Todos de olho no que havia sido anunciado para aquela noite: filmes sobre Macaé, feito por pessoas que são de Macaé.
Heraldo Bezerra, apresentador do Fórum - popularmente conhecido como HB, explicou a dinâmica do Fórum. Os filmes são exibidos e no final de cada curta acontece um debate no sistema de câmera aberta, inspirado no modelo da TV Maxambomba, que é mais ou menos assim: alguém do público pede a palavra, enquanto a pessoa fala, ela tem a imagem projetada em um telão. Todas as colocações são projetadas e registradas. Depois de devidamente editadas, as falas são organizadas em um vídeo chamado Agenda Ambiental Audiovisual. Cada DVD se torna o produto final do Fórum, com uma compilação das principais idéias que foram debatidas em cada cidade.
O primeiro vídeo a ser exibido naquela noite foi Perambulante, um documentário exemplar pra expor a amplitude de assuntos que podem ser abordados a partir de uma oficina de cinema ambiental. O vídeo fala do inchaço populacional que atinge Macaé através da vida de ambulantes que trabalham nos ônibus da cidade.
Durante a projeção voltei minha atenção pra platéia. As pessoas assistiam os filmes e automaticamente se encontravam na tela. Reconheciam os cenários e os personagens que interagem nesses lugares. Se envolviam com as histórias, ficavam tensas, emocionadas, inconformadas e se emocionavam com cada corte, com cada depoimento.
Aberto o debate surgiram intervenções que envolviam a situação do transporte público, o crescimento da periferia de Macaé, a ocupação desordenada e, fundamentalmente, a propaganda institucional que vende a imagem de Macaé como uma cidade próspera e a “terra das oportunidades”. Marcelo Ataulpa, ator local, pediu e palavra e deu o seu parecer: “Esse tipo de vídeo coloca o outro lado da coisa, foge do padrão elogioso dos institucionais que são feitos aqui”.
Juliana Loureiro, uma das antropólogas responsáveis pelas oficinas, contextualizou: “As oficinas ensinam que meio-ambiente não é só árvore e florzinha. É por isso que essas temáticas surgem nos filmes”. Neste caso, o ponto mais latente foi a questão do emprego. Herlane, personagem do filme, concluiu: “Eu falo em nome dos camelôs e digo obrigado ao povo de Macaé. Porque o governo não me deu nada. Quem me ajuda a sustentar meus cinco filhos é o povo”.
Representantes do IBAMA e o ex-secretário de meio ambiente, Fernando Tavares, marcaram presença no evento. Tavares fez sua primeira intervenção no debate dizendo que o vídeo “não falou muito do imaginário, mostrou a realidade ímpar da cidade. A contra partida não serviu só para plantar mudinhas. Criou uma visão artística, uma linguagem”.
Essa tal “outra linguagem” é resultado direto das aulas, e o Fórum é o primeiro trabalho que os alunos realizam após a conclusão da oficina. A produção do evento conta com o envolvimento total dos alunos, que correm atrás da autorização para o uso da praça, de apoios locais, e até a divulgação na mídia. Mas o bicho pega mesmo é na noite do Fórum, são os alunos das oficinas que operam as câmeras e conduzem as intervenções que são gravadas e jogadas no telão.
O segundo filme da noite, Do lado de cá, comprovou a capacidade do projeto de mobilizar as comunidades. Os moradores da Malvina marcaram presença, aplaudiram o filme e promoveram um denso debate. O documentário trata da ocupação da área, que é um mangue, e suas complicações ambientais e sociais. Seu Roberto colocou no debate o ponto de vista dos moradores: “Gostaria de deixar uma pergunta para o ex-secretário (de meio ambiente) e para o IBAMA. Vão fazer a remoção, mas perguntaram se o povo quer ser removido?”.
Interessante é perceber que os personagens do filme comparecem ao Fórum para reafirmar suas posições. Esse encontro entre os personagens, as autoridades e os demais cidadãos de Macaé permite um diálogo dinâmico. Não por acaso a conversa toda acontece em plena praça pública, não em um cinema ou um teatro fechado. O ambiente da praça proporciona que os vídeos sejam vistos e comentados por todos.
Outro ponto bacana nesta proposta de Fórum é permitir intervenções que vão das mais teóricas e técnicas, até as mais emotivas. A primeira lacuna foi preenchida pelas falas de representantes dos órgãos ambientais. No segundo caso tivemos a participação de Tio Jorge, pescador e poeta, que declamou uma poesia sobre a situação atual do Rio Macaé.
Quando toda a proposta gira em torno do cinema, Vento corredor fechou a noite com uma saudável dose de poesia. O vídeo é recheado com imagens do filme “Anaconda de Jurubatiba”, uma animação dirigida por Ibr, morador da Restinga. Os desenhos de Ibr ajudam a digerir a tensão que existe no vídeo, que mostra como a possibilidade de remoção é um paradigma para as pessoas que vivem naquela comunidade.
Durante a exibição do vídeo caminhei entre o público para observar a reação das pessoas e tentar ouvir o que estava sendo comentado. No meio do burburinho consegui ouvir a seguinte frase: “O petróleo já está aqui, importante agora é discutir o que vamos fazer a partir disso”.
A princípio, o debate tratou da equação: moradia X preservação ambiental. Daí em diante as conversas contemplaram outros temas, o mais forte deles foi o planejamento familiar. Surpreendentemente, ou não, essa foi uma das temáticas debatidas com maior fervor. A complexa relação das políticas públicas destinadas ao controle da natalidade, e a autonomia das mulheres na questão da maternidade, botou fogo na conversa.
Acompanhando o Fórum, a impressão é que a cidade de Macaé se conheceu um pouco melhor. Pessoas que vivem no mesmo lugar, mas que não compartilham de um espaço de convivência puderam naquela noite exercitar a experiência do diálogo. Uma boa conversa despida de hierarquizações. Naquela noite a cidade se assistiu, se falou e se ouviu. Dinâmica que, por fim, proporciona a digestão do sumo audiovisual de maneira mais plena.
Com a conclusão do debate os alunos da Oficina de Cinema Ambiental Humano Mar foram devidamente diplomados e bastante aplaudidos. Entre sorrisos e lágrimas a rapaziada ainda recebeu o certificado de produção do Fórum, primeiro trabalho realizado após a oficina.
A principal herança que fica dessa experiência é a sensação de que é possível realizar e repensar o próprio cotidiano. Novos filmes já começam a ser pensados. Assim como um cineclube, que deve servir como o tal espaço de convivência e diálogo. Tudo para que o processo não pare, e Macaé consiga se enxergar cada vez mais.
Já no finalzinho do evento captei o seguinte diálogo: “Só conseguiu chegar agora, né? Pô, deu mole cara. O debate aqui pegou fogo!”.
Ola, amigo, estou tentando ha dois anos colocar um projeto nesta linha, ja aprovado pelo MINC no valor de 164 mil. São oficinas de video em 25 cidades. e o resultado sera veiculado em praça publica a populaçao. Da uma olhada no site da ong TESSER
http://ts-servicos.vilabol.com.br
e vou colocar seu link no meu blog
http://raros-e-loucos.blogspot.com
Oi João,
gostei muito, principalmente da segunda parte.
Bem legal... e vai me ajudar muito na minha monografia ;]
maraavilhoso!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
votado.
João,
Legal, grande idéia e grande postagem.
abraço
andre.
Valeu João! Estamos aqui na Abaeté comemorando a capa! Mandamos o link da matéria para os alunos dos outros municípios.
beijo
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