Com eles é vapt-vupt. O grupo campo-grandense Caras de Pau se especializou em atender com rapidez os mais diversos pedidos de peças criadas para secretarias de governo, empresas, escolas, ONGs e instituições. Muitas vezes peças encenadas uma única vez. Os temas variam conforme o freguês e o gosto pode soar esdrúxulo. Como receita fiscal, transporte público e AIDS, por exemplo. Mas se este fast-food teatral parece indigesto a atores de formação clássica, para os integrantes do Caras de Pau soa como música para os ouvidos. 'Quando começamos nem sabÃamos o que era teatro empresarial ou educativo, que falam que o grupo faz hoje. A gente sabia simplesmente que aquilo era divertido', afirma o ex-office-boy e hoje jornalista Eduardo Romero, um dos atores do núcleo fixo do Caras de Pau.
Na verdade, o grupo é um dos poucos em Campo Grande que cria textos especÃficos para determinado cliente e situação. A história deles começou em 1993, após iniciarem um grupo estudantil chamado GET na escola estadual José Barbosa Rodrigues, no bairro Universitário, em Campo Grande. Depois se apresentarem algumas vezes na própria escola, sete dos 30 integrantes foram chamados para se juntar a uma turma que iria fazer performances em terminais, pontos e dentro de ônibus municipais de transporte. A empresa queria conscientizar a população e não ter mais os ônibus depredados e danificados. Numa confusão de nomes na reunião com o responsável pela empresa, de Cavalo de Pau, o grupo ganhou a alcunha de Caras de Pau. 'O contratante da empresa brincou que a gente precisaria mesmo de cara de pau e sentimos na hora que o nome tinha de ser este. Tinha tudo a ver com a proposta e a referência ficou mais fácil', acredita Eduardo.
Durante 1 ano e meio o grupo trabalhou exclusivamente para esta empresa de transporte de Campo Grande. Montaram a peça batizada de O Ônibus Nosso de Cada Dia e começaram o que para eles ainda parecia uma brincadeira e para o público campo-grandense era inédito. 'O pessoal estava esperando o ônibus e chegavam sete pessoas vestidos de preto, rosto pintado de branco e fazendo encenações sobre o cotidiano do ônibus. No começo todo mundo estranhava, mas como eram 12 apresentações por dia, logo nos tornamos conhecidos na cidade', afirma o ator e também fundados do grupo Elânio Rodrigues. 'Mas a gente era adolescente. Saia das festinhas nos bairros e ia direto encenar. Queria era se divertir', complementa.
Depois de ter ajudado a empresa a diminuir os custos com a frota - no começo do projeto a empresa gastava o valor de um ônibus por mês para recuperar a frota e quando terminou passou a gastar o mesmo valor em três meses – o grupo passou um ano tendo de se virar. Um dos integrantes acabou virando inclusive motorista da própria empresa. Resolveram levantar de novo o Caras de Pau, montaram a peça PaÃs das Letras e foram à luta novamente. SaÃam de bicicleta para vender a peça para as escolas da periferia e região rural de Campo Grande e cobravam de 0,50 a R$ 3 reais por pessoa, dependendo da quantidade de alunos do local. 'Até que fomos contratados pelo Detran, com a peça No PaÃs das Ruas, e fomos obrigado a profissionalizar de vez o grupo, abrir firma e registrar o nome', ressalta Eduardo.
O pulo do gato do Caras de Pau aconteceu em 2001 com a peça sobre DST/AIDS. Prevenção é a Solução passou por mais de 100 escolas de Campo Grande e sete estados brasileiros, levou o grupo à Ãfrica e passou a ser o carro-chefe do Caras de Pau. Além de capitais como Porto Alegre, João Pessoa, BrasÃlia, Cuiabá e São Paulo, a peça foi encenada em lugares distantes, como Wanderlândia, cidadezinha de oito mil habitantes que fica a 4 horas de avião e mais 9 horas de ônibus da capital tocantinense. 'O padre da cidade não queria liberar os alunos sem a gente cortar algumas cenas e claro que não aceitamos. No final, todos os alunos viram a peça na praça da cidade e o próprio padre reviu a sua posição', lembra Elânio.
O trabalho na Ãfrica, no entanto, foi a certeza de que o grupo está no caminho certo. No final de 2005, foram convidados pela ONG norte-americana Pathind, que atua em 20 paÃses, e pelo governo moçambicano para dar uma oficina teatral na capital Maputo para grupos das 11 provÃncias do terceiro paÃs mais pobre da Ãfrica. 'Fomos lá para ensinar como os grupos poderiam montar peças tratando do tema AIDS, escrever os textos colados a realidade deles, criar cenários com material reciclado e sensibilizar as pessoas', conta Eduardo. Foram 20 dias de oficinas diárias de 10 horas de duração com 66 jovens do paÃs inteiro e de grande reflexão. O ator diz que a dificuldade começa pela própria polÃtica pública de saúde em Moçambique, um paÃs que precisa prevenir a doença, mas não distribui preservativos de graça.
Apesar do português ser o idioma oficial, cada estado fala um dialeto e muitas vezes uma etnia é inimiga da outra. 'Lá o pior problema é ainda a sobrevivência em si. Aqui no Brasil temos a AIDS também, mas a população de uma maneira ou outra tem acesso a alimentação, saúde e educação. Lá o problema é o acesso mÃnimo a alimentação diária. Como fazer o sujeito pensar em não contrair AIDS se ele não tem nem um prato de comida em casa? Teve dias que eu me desesperava e pensava em desistir', assume Eduardo. 'Mas no final da oficina todos os 11 grupos estavam com peças montadas sobre a AIDS e atingimos o nosso objetivo. Isso mais uma vez nos deu a certeza que o Caras de Pau está no caminho certo', comemora o ator.
Mas mesmo com o reconhecimento na área do teatro educativo, o Caras de Pau não tem uma agenda regular. Passa por momentos de paradeira e os integrantes não se dedicam exclusivamente ao grupo. Participam de outras atividades artÃsticas, se dedicam a outras profissões e selecionam mais os pedidos de peças. Mesmo assim, Eduardo e Elânio, por exemplo, não esquecem que pagaram a faculdade particular de jornalismo com o dinheiro vindo das apresentações do grupo. 'A questão é como manter a equipe só com o Caras de Pau. A alternativa é estar sempre juntos nos trabalhos bacanas e que funcionam. Não dá mais para fazer tudo que aparece, nos tornamos mais seletivos', explica Eduardo. Para Elânio, o mais importante é não perder o espÃrito do inÃcio do grupo. 'O importante é não perder o link com a periferia e sempre manter as oficinas com os estudantes. Nós usamos a linguagem teatral como ferramenta de apoio a comunicação e nunca fomos um grupo elitizado. Nunca podemos esquecer isso', ressalta Elânio.
O grupo Caras de Pau é formado por Eduardo Romero, Elânio Rodrigues, Tati Vieira, Marcos Rubens e Valdeir Santana.
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* Alguns meses depois desta entrevista o jornalista-cara-de-pau Eduardo Romero se lançou em uma aventura: rodar o Brasil em uma moto. Com certeza, a experiência em Moçambique mexeu com o rapaz e trabalhar enfurnado em uma sala é para quem precisa mais do que muito do emprego. Edu resolveu investir no projeto Duasrodas – GIROBRASIL. Se apresenta nas cidades como ator e registra a viagem como jornalista. A rede de overmanos fique ligada. Ele pode estar aà na sua cidade!
Rodrigo, feliz inciativa
- O teatro em todos os lugares e em todas as épocas guarda para com a sua sociedade a mesma relação, o estágio e o momento em que estão vivendo: Se o teatro está bem a sociedade está bem; e vice versa.
- Particularmente nao entendo o conceito de arte popular e nao popular. Se é arte é necessariamente popular. É como se pudessemos difençar o mijar de quem está usando jóias de quem não as possuem sequer.
- Os cara-de-paus estão fazendo o mesmo que nós no Overmundo, lutando para entremarmos - mesclarmos conhecimento, desejos, aspirações e acima de tudo sustentarmos, cada um, a vaidade, o orgulho. Sem o que não se digna ninguém. um abraço, e por extensão aos "meninos"
Rodrigo!!!
Muito boa a matéria, você teve a sensibilidade de captar o que é o Caras de Pau como nenhum outro jornalista já fez.
Obrigado pelo apoio.
Sucesso a você e ao Overmundo
Legal a matéria Rô! Aqui em Campo Grande, os artistas têm que ser guerreiros mesmo, afinal conviver com a falta de continuidade de incentivos a projetos culturais não é fácil não. Parabéns para estes caras que fazem sua parte e já conquistaram um espaço além desta terrinha... Bjs Gi
Gisele Colombo · Campo Grande, MS 24/5/2007 14:59Muito boa essa matéria,pertenci ao grupo do caras de pau,o tempo que estive tivemos muitos momentos bons,o Eduardo e o Elânio sempre foram referencia na arte ,parabéns.
Jenner Vieira · São Paulo, SP 9/10/2009 16:42Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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