Sim, eu sei, já está escrito, tudo é carnaval. Quer dizer que no carnaval pode-se fazer de tudo? Sei lá, sei que a alegria estava no ar. A libido desfilava pelo salão de luz azulada enfumaçada pelos mais de mil cigarros acesos no templo incensado do rock'n roll. Seu nome é Grito e seu som ecoará por toda a floresta. Carnaval no Grito! Calma lá, no Grito Rock. Caiu na rede é rock. Com mar ou sem mar, o grito roqueiro da cena indie correu por florestas, periferias e centros urbanos numa euforia juvenil anárquica e promissora.
Em Cuiabá, o salão ficou cheio por três dias numa autêntica maratona de enlouquecidos decibéis. Foram 36 bandas em sequência alucinante. É, o som estava bastante alto e a acústica do ambiente não ajudou muito, mas não tirou o brilho da festa. Lá pelas tantas, depois de muita regação etÃlica os ânimos relaxam, você fica mais solto e menos apto a analisar isso ou aquilo. Meus olhos de personagem giraram por todos os lados do salão em busca de ávidas novidades para relatar minhas impressões cronÃsticas. Crônica falta de jeito para praticar o jornalismo de uma forma mais acadêmica ou comportada. Fico voando entre informações variadÃssimas, tanto quantos os acordes que soam das guitarras e dos baixos pulsantes, bumbos, caixas, distorções, destroços da noite, vozes ecoando ensandecidas, palavras ininteligÃveis, giros, pogos e moshs, punks voando em ritmo lento (quase slow-motion), ora rápidos, ultra rápidos, harmônicos, dissonantes.
Pouca variação de estilos, tudo muito parecido, tudo muito igual, está faltando mais instigação, mais provocação, mais experimentos, mais ousadia. Pobre linguagem, um desatino. Até os melhores são iguais ao que já se viu. Passividade do público, aplausos corretos para rocks corretos. -DionÃsio, seus filhos estão muito bem comportados! O rock não erra mais. Receita de sucesso. Oficialize já. O rock não errou. Rock no poder. Cansei de ser rock!
Alimente meu humor. Vamos, quero mais. Iluminações: a vanguarda hoje é o som comportado dos rapazes da Vanguart. Ebulições, catarse coletiva, a galera teenager canta junto: o negócio é o semáforo: cante o refrão mais uma vez: sinal verde para o sucesso. Sinal vermelho na estação Parador: lembranças: BR 364. Para um poeta de meias, palavras bastam. De meias trocadas, fui assim no segundo e no terceiro dias do festival-carnaval. Apesar de ambas brancas, trocadas. Miolo mole? Nâo, bolso mole, mole de tão vazio. Mas a cerveja não faltou. Toma lá, dá cá, leva um livro e bebo três ou cinco cervejas. Sem nóias.
São muitas bandas, 36 no total. Totalize horas de vôo para esse velho personagem de muitas horas de vôos roqueiros. Cansei de ser rock! Repito o refrão 3 vezes.
Muitos beijos. Parece final feliz de filme roliudiano. O salão repleto de beijoqueiros. Como os jovens se beijam. Hard-core, punk-rock, folk-rock, pop-rock, tudo-rock, mas nada de novo no velho front. Que importa? Cerveja! Cerveja e rock'n roll, suor e frenesi, o jovem acocha a ninfeta num canto de parede, olhos viajam, olhos voyeur, pássaros livres. Ondas orgasmistron. A libido está no ar. A fumaça azulada. A garota acende um cigarro. Clima noir. Mas isso é carnaval?
Sim! É o carnaval multicultural da capital verde. A Hell City da galera alternativa gritando: queremos mais rock! Queremos mais carne! Queremos passe livre para a classe estudantil! Queremos liberdade e felicidade! Queremos poesia! Queremos revoluções permanentes! Queremos mercado! Queremos a festa e felicidade geral da nação! Rock politizado, ações em rede, os fora do eixo agora são o centro da onda que conecta a diversidade dos novos bichos-geográficos, ocupando espaços. Quem não quiser que desocupe a moita!
Não há serpentina, não há lança-perfurme, o que existe é muita disposição para curtir o bom e velho rock'n roll. Lord Crossroad é o nome da fera: lição de rock’n roll . Charlinho é a encarnação mÃtica do rock, comanda a galera numa performance cênica-vocal absurda com suas letras cronÃsticas cantando a história dos esquecidos do bairro Parque Cuiabá. Outsiders de todo tipo, marginais trombando na contra-mão da história. Somos filhos dessa viagem, passageiros dessa nave rumo à vertigem, está escrito na canção.
No antigo Clube Feminino tem rock feminino: Lazy Moon, ao vivo e à cores: Technicolor de Goiás; ecos do Acre: o Brasil passa por aqui: uma porção continental: bocas gritam fagulhas.
Surtos de luzes e sons. Minha cabeça baila na ciranda roqueira que poga em cÃrculos soltando faÃscas pela boca – com a licença do poeta A.Sodré que berra do Pedregal: viver não faz mal! O punk voa para o alto. Suavemente. Flutua sobre mãos ávidas de euforia. Gritos ecoam pela selva cibernética. Psicodélico, punk, hard-core, alternativo, hard-rock, experimental, baladas, rock romântico, muito romântico, o salão está repleto de meninos e meninas se beijando entre um riff cortante e outro melódico.
Apoteótico: momento Ãmpar: Rei Momo e a Rainha do Carnaval, trajados a rigor, desfilam no salão ao som do Macaco Bong: apoteose instrumental: apulpos da galera: o carnaval reina sob apulpos da galera: viva! Guitarrista master da festa: Kayapi: faz músico dos Patrões de Jaú gritar em alto e bom som: - Hendrix não morreu! O povo grita: Bruno caia aqui: MOSH.
O Rei Momo está tão magro quanto o Carnaval do Porto. O Tradicional desfile de Escolas de Samba se despede da arena melancolicamente. Os chupins da verba pública estão magros, de pires na mão, esperando Godot! Godot. Airport. Hotel 100 estrelas. Eles só existem no carnaval, depois desaparecem como fantasmas perambulando por entre paredes de inúmeras repartições públicas em busca de encher um pouquinho seus pobres pires vazios. Decadência sem elegância. Carnaval fake: carregado de carioquices. Nada a ver com esse lugar aqui. A novidade é o carnaval multicultural que a secretaria de cultura está realizando: talvez esteja aà a identidade tão buscada para o carnaval cuiabano: vários ritmos comandando a grande festa: lambadão, funk, samba, rap e rock: haja fôlego: a diversidade impera na capital-verde. Hell-city para os Ãntimos do rock.
Jornalistas convidados, lÃderes do Fora do Eixo, a alegria está no ar. Arlequins e Colombinas. Carnaval ao Cubo. Mágicos sem cartolas. A Fúria teatralizada desfila pelo salão: Caio mas não caio, Anarcos & Toledos, me equilibro bebadamente e não ouço a voz da apresentadora que irrita a galera. Aguda, agudÃssima. Babe cola, Baby Bini ou Rosa?
Buquê em chamas. Cadê a Rollin Chamas? De Goiânia agora é outro nome: Bang Bang Babus: coesão: porrada: como deve ser. Fósforo Records: acendendo novos talentos. Ao final do primeiro dia, Ecos Falsos, por mim, uma das bandas mais esperadas, de São Paulo, até agora ecoa a zoeira em minha cabeça chacoalhada: senti o peso, depois de seis horas de barulho a acústica ruim fez sentir o peso: saco meu colt 45 – saco! Acho que estou ficando velho para tantas horas tantans de rock’n roll. Som embolado, reverberações, minha cabeça fendida, rachada! Pow! Vejo estrelas e não estou no céu.
Um momento de forte emoção: ao som da banda jovem desse pedaço infernal: Asthenia: não sei por que, lágrimas saltam salgadas, flash-back, a memória flutua pelos já passados caminhos tortuosos que percorri até chegar aqui, são 25 anos, muitas vidas, muitos sonhos desfeitos, muitos defeitos, demasiado humanos. Poucos sobreviveram a isso, de repente encontro mais um perdido no meio da garotada. Reconhecimento entre sorrisos e marcas do tempo. Soa Cronos, soa nos bumbos graves de bateristas furiosos. Doce anarquia comportada, nenhuma treta, nenhuma porrada, nenhum entrevero. Paz sem guerra. A guerra está do lado de fora.
Arte-grafitte, rap, audiovisual, tinha ambiente para tudo. Os grafiteiros deram um banho de qualidade artÃstica. Caem os Museus com suas vestes mortuárias – máscaras que separam das ruas dos comuns. A arte se liberta e vai à s ruas.
Gritos de Rock em 20 cidades brasileiras colocam mais uma alternativa para a diversão momesca. O movimento dos independentes pede passagem. A organização da moçada se profissionaliza. Sou público. Sou consumidor. Sou ator. Sou filho de Momo, Baco e DionÃsio.
estupenda tua matéria, assim como a iniciativa do grito é um presente aos inimigos da folia de momo...parabéns, ferreira.
certamente o grito rock aqui em londrina furou as expectativas pra melhor!!!!
abs
oi lú. saudade de você. gritou muito?
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 23/2/2007 12:42em no de Baco, Eros e MacunaÃma, te saúdo!
Bia Marques · Campo Grande, MS 24/2/2007 15:46do alto da montanha os deuses sorriam, êi êi êi...salve bia!
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 25/2/2007 14:40em nome, era o que pretendia (risinho marelinho). salve Ferreira, sempre.
Bia Marques · Campo Grande, MS 27/2/2007 01:12
O melhor do grito é a sua leitura, parece até q estou te vendo flutuar naquela névoa nicotinada.
Abraço meu amigo. Parabéns!
gritar, gritar, que deverei gritar? _que venha a cavalaria, adelante guerreiros! o rock roeu a roupa do rei momo, e a rainha de raiva roeu o resto! valeu , ferreira!
gostei! a matéria ficou ótima!
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 27/2/2007 14:49
Dias IncrÃveis!!
Faltam quantos dias para o próximo carnaval?
Grande Ferreira, eu tava esperando o texto mesmo...
Abraços
valeu dewis, mattoso, anna, claudio e felipe: vamos botar o bloco na rua: cada qual com o seu ,como gosta de dizer o cuiabano. abraços gerais.
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 27/2/2007 19:13belo texto. estive lá e senti uma falta danada do CAXIMIR tocando. mas MACACOBONG arrasou, meus tÃmpanos ainda tremulam...
Balbino · Cuiabá, MT 28/2/2007 13:32
isso aà balbino. caximir está se fingindo de banda morta, rsrsrs.
estamos acertando os detalhes com o pessoal da fósforo records de goiânia para tocar no festival vaca amarela em agosto. vamos que vamos.
Muito bacana sua matéria! Tenho a impressão de que o Sr. é bem animado. Simpatia! Abraço.
Georges Kirsteller · São Paulo, SP 1/3/2007 17:36
Edu, vc se supera a cada texto, cara.
Muito bom!!!
valeu georges: só não entendi o Sr, mas tudo bem, rs.
grande marcelo: companheiro de ondas megahertz: obrigado cara, sua sensibilidade é que encanta! abraçãos!
anna que te quero verbo nesse mundo over de distâncias implacáveis...
Bia Marques · Campo Grande, MS 6/3/2007 22:04caracas ... demais tudo isso foram tantas palavras ... que no meio da fusão pareciam unicas pra mim .... t+
Livia Vianna · Cuiabá, MT 15/3/2007 22:51Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!