CARRO DE BOI – História de uma geração
Francelino Antunes de Carvalho nasceu em Uruaçu no dia 25 de abril de 1927. Hoje com 81 anos de idade reside à Avenida Tocantins bem em frente ao carro de boi que ornamenta a pracinha do museu Dom Prada Carrera.
Seu Francelino olhou de longe toda a montagem do espaço e ali compenetrado voltou no tempo quando trabalhou de guia ou candeeiro para o pai, o sr. José Antunes Fernandes na Fazenda Tapera.
A Tapera é uma fazenda próxima a cidade , localizada à s margens da rodovia que vai para Niquelândia. Foi uma das primeiras fazendas da região, inclusive nessa fazenda nasceu também Dr. Cristovam Francisco de Ãvila, ex prefeito e promotor na cidade de Uruaçu.
Seu Francelino conta emocionado de suas viagens carreando lenha para vender aos comerciantes como o sr. Camapum, sr. João Delegado e outros compradores. Essa lenha ia num carro grande (40 balaios) movido por 8 bois curraleiros: o Barcão O Rivirão, o Chatinho, o Jeitoso, o Moreno , o Chitão, o Carinho e o Dilicado.
Esse carro de boi ele ainda conserva na sede da fazenda, só que depois da morte do pai nunca mais carreou. Porém seu Francelino descreve com muito orgulho todos os adereços do carro de boi:
- O carro tem o Cocão que não deixa o eixo sair da mesa. Para o carro cantar tem que apertar o eixo e engraxar com banha de porco ou azeite que fica no azeiteiro , um chifre com um pincel. O chumaço em cima do eixo serve para não deixar estragar a xeda que é o varão do lado. O eixo comprido é chamado de cabeçaio. O chaveio firma o tamoeiro da canga para segurar os bois. O pigarro segura a tiradeira para o comando da boiada. O fueiro é o pau que firma a esteira para carregar peso como milho e outras mercadorias.
E assim ele me leva até à fazenda Tapera para conhecer o velho carro.
A casa da Tapera tem ainda o aspecto antigo como as telhas, o assoalho e tudo o mais. Seu Francelino vai todos os dias para a fazenda de bicicleta, seus 81 anos de idade não o envelheceram; pelo contrário, ainda tem muito fôlego para trabalhar e contar os causos.
Dentre esses causos ele narra as viagens junto com o pai no carro de boi. Um carro cheio de lenha era vendido ao Seu Camapum (influente comerciante dos anos 40/50), por 10 mil réis. Essa lenha era cortada em tamanhos de 1 metro mais ou menos e revendida aos moradores para ser queimada nos fogões à lenha.
O percurso da fazenda Tapera até Uruaçu (4 km) era feito em 3 horas ou mais dependendo do clima. No carro eles usavam azeite no eixo para o carro cantar e era uma grande atração esse canto conhecido como “baixãoâ€. A entrada na cidade era triunfal, a cantiga do carro atraÃa muita gente pela curiosidade de ver quem estava chegando e o que trazia de novidade.
Seu Francelino sorridente diz:
- Quando o carro ia entrando na cidade e as moças ouvia o som do baixão corriam pra porta pra vê quem tava chegando aà a gente sorria e acenava com o chapéu.
Para ele ser candeeiro não era cansativo, pelo contrário era muito divertido. Trabalhava conversando com o pai e gritando com os bois. Se tinha uma subida maior precisava apertar os bois como ele mesmo diz (chegar o ferrão) e ainda gritar:
- Barcão, Dilicado, vamos! Ôa vamos !
E assim entre gritos e ferroadas os bois subiam de arrancada.
Segundo ele o boi curraleiro era mais dócil e amansava mais rápido. Um boi de 3 anos já começava a ser treinado para carrear junto com um mais experiente. O trabalho de amansar era feito aos poucos com uma canga própria e assim o peso era puxado de forma igual.
Um boi curraleiro podia trabalhar até 25 anos se fosse bem zelado. Na fazenda Tapera os bois eram bem tratados e tinham um descanso ao meio dia e assim se conservavam fortes para o trabalho.
Com o semblante triste seu Francelino diz sobre a despedida do boi curraleiro:
- Quando o boi já não dava mais para o trabaio a gente levava ele para o curral do matador. Era muito triste e eu nem gostava de vê. O boi curraleiro sabia que ia morrê e do seu zói curria água.
Seu Francelino se cala e de cabeça baixa diz:
- Sabe , a gente fica sentido pois esses boi ajudou tanto...
Outra história que seu Francelino conta muito animado é sobre o namoro com dona Arminda Martins com quem é casado há 53 anos.
- Quando o carro de boi passava na rua ela ficava na porta sorrindo e acenando pra mim toda bonita e enfeitada!
E continua:
- Como ela escutava a cantiga do carro de longe dava tempo de se arrumar e até passar um pó de arroz!.
Os dois riem muito ao relembrar esses momentos.
Assim a história de vida de seu Francelino e famÃlia se fez em torno de um carro de boi. E agora na fazenda esse velho carro desgastado com o tempo (160 anos mais ou menos) está encostado num canto como se olhasse os caminhos por onde passou.
Esse carro acompanhou as mudanças, o crescimento da famÃlia e o progresso da cidade. Hoje ele é apenas uma peça representativa do passado de uma geração, especificamente da história de Uruaçu.
Encostado junto ao carro de boi vão se amontoando as memórias de nosso paÃs...
Parabéns Sinva, por fazer ranger novamente as rodas do nosso passado.
Grande abraço Guaicuru!!!
Obrigada menino! Vamos rangendo juntos as rodas do passado.
bjs
Oi Sinva, que delicia de matéria. Lembra muito a história de Alberto da Paz de Santa Cruz. nosso mestre querido, cuja biografia está no ITS para ser editada a revista.
Parabéns, mil vezes a voce.
Adorei teu texto! É história pura menina, muito bem escrito!
Beijos
Sinvaline
Sempe nos tarzendo o suor...suor de muitas gerações, quase uns 20 anos que não vejo esta paisagem, arando a nossa terra, e o principal, o homem caboclo, rural...hoje máquinas ultrapassaram a mão calejada...
Memórias guardei e você aqui retrata...que muitas outras que venham não se espantem com o sofrimento belo....
Obrigada amigos. Imaginem o vÃnculo que ficou entre eu, seu Francelino, esposa e a história. Quando ele narrava as lágrimas apareciam e agora me procura sempre. Ficou um elo entre nós, daà a importância desse resgate. Que voces o façam por aà também, o nosso Brasil tem muito ouro guardado nas narrativas dos mais velhos.
Grande beijo a todos
sinvaline
Sinvaline
Quando menina andei muito de carro de boi, ouvindo aquele som que mais parecia um lamento. Talvez já antevendo o futuro...
Esta é a nossa verdadeira riqueza: o legado dos mais velhos.
Que nossas raizes não se percam. Precisamos cuidar.
abraço!
É muita história que passa de 40 balaios. Boas reminiscências; e esse registro faz com que nunca esqueçamos como era a vida naqueles tempos em que o carro de boi e ombro escravo sustentavam o Brasil.
abcs
Sinvaline, para mim, totalmente urbana, essas histórias de carros de boi, têm a música das rodas e do canto dos bois, que só vim a conhecer adulta, em festas religiosas do interior.
Gostei muito.
Obrigada.
beijos
Sinvaline,
Seu texto está magnÃfico!
Faz tempo não ando, muito menos vejo um carro de boi.
Gostava de pegar carona com algum até a escola.
Hummm, deu dor de saudade.
Um abraço,
Lindo... me dá saudades do que não vivi!
Beijão pra ti
voce não sabe como essa história do seu Francelino mexeu comigo, pois eu tambem já fui candeeiro do meu irmão mais velho, o Eurico, e depois mais tarde eu mesmo fui carreiro na fazenda Novo Horizonte, aquà no municÃpio de porangatu, lá existe uma Figueira que eu plantei a 37 anos, hoje as pessoas que chegam lá na fazenda e veen aquela árvore enorme, se alguem falar que conhece a pessoa que plantou aquela árvore e que ainda está viva e forte, graças a Deus, as pessoas não acreditam, pois a árvore parece centenária de tão grande, qualquer uma hora dessas eu irei lá tirar umas fotos dela para ser mostrada a voces. Parabens Sinva! seu trabalho como sempre é miiiiil. seu amigo Sutero
Caro Sutero, escreva sua história publique pra nós, coloque as fotos. Voce é um poeta sensÃvel e um grande homem! Obrigada por suas palavras.
Obrigada Rute, Ana,Saramar
bjs
sinva
Muito bom o texto! E' bom exclarecer que o azeite usado e feito de mamona que se espreme para ser extraido ...Parabens, votado,
victorvapf · Belo Horizonte, MG 30/4/2008 21:52
Ah! Sinvaline....
Tive uma tia, (no meu Gilbués todo mais velha era tia.tio), que ficou viuva moça, filhos pequenos, tomou a frente de tudo
já a conheci de meia idade. É igual está foto, igual.
Fiquei na saudade. Saindo pro trampo, vou reler depois, melhor acabar de ler.
abraço, obrigado
andre.
Sinva, linda história, lindo texto!
Não vejo a hora de ler e mais historias tão singelas e tão tocantes.
Parabens!
Bjos do amigo,
Vinicius
Sinvaline · Uruaçu (GO)
CARRO DE BOI-Lembranças
Um Trabalho muito especial.
Encanta qualquer um.
Cultura da nossa Terra amada.
Dentro do PossÃvel tem de avisar do Trabalho.
Se puder me avise sempre.
Muito significativo e de muito valor
Maior orgulho de votar
Obrigada pela atenção, quanto avisar do trabalho às vezes o tempo é curto e acabo nao enviando mensagens. Mas valeu!
Grande beijo. Obs, voto em todos os seus textos, Ã s vezes nao comento por falta de tempo, mas estou curtindo muito seu trabalho. TEnho um amigo na Unicamp Geraldi, vc conhece?
bjs
sinvaline
Olá Sinvaline,
Lendo seu texto me vem um monte de lembranças, da infância e dos dias de hoje.
Da infância me lembro bem de quando brincava na pracinha onde hoje está o monumento do carro-de-boi, quantas vezes andei ali de bicicleta. Também me lembro bem do Seu Camapum, joguei muito futebol no quintal da casa dele junto com seus bisnetos.
E foi a alguns poucos anos que conheci Seu Francelino e sua esposa quando se mudaram para casa do lado. Muito me encanta ver os dois sempre juntos ou na porta de casa no fim da tarde ou indo a missa aos domingos, sempre um companheiro do outro.
Sinvaline também me encanta ver como escreves sobre a história e a cultura do nosso povo, suas palavras nos fazem viajar pelo tempo na tentativa de nos imaginar por essas ruas a 50 ou 60 anos atrás. Elas também nos fazem olhar para o nosso interior e servem de alimento.
Parabéns por seu trabalho e espero ver um breve seus textos reunidos na publicação de um livro, as gerações futuras devem conhecer quais “os personagensâ€, os valores, os sentimentos, as dificuldades e alegrias que fizeram parte da fundação e do crescimento da nossa cidade.
Abraço,
Wolney.
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