Foi-se o tempo em que um artista independente era olhado com desconfiança - e até mesmo pouco caso - quando optava (ou precisava) lançar um álbum por conta própria. Hoje, com toda essas mudanças causadas pela "revolução do mp3" e pela crise da indústria fonográfica, vemos novos horizontes se configurando para uma gama de artistas que já está sacando toda essa reviravolta. E o Lasciva Lula está nesse barco. O grupo acabou de lançar seu primeiro disco de forma independente e tem conseguido uma repercussão de gente grande no meio musical.
A banda nasceu nas areias de Cabo Frio (Região dos Lagos), em 1998. Já mudou de formação e hoje está devidamente radicada na Cidade Maravilhosa. Felipe Schuery (voz e guitarra), guga_bruno (guitarra e voz), Jamil Li Causi (baixo e voz) e Marcello Cals (bateria e voz) são os nomes responsáveis por uma das sonoridades mais criativas de que se tem notÃcia nesses anos 2000.
Com três EPs nas costas, passagem por festivais de renome e presença certa nos mais importantes palcos alternativos do Rio, o grupo iniciou em janeiro deste ano sua mais ousada e excitante empreitada: o lançamento do primeiro disco, "Sublime Mundo Crânio". Depois de uma estréia vitoriosa em um Teatro Odisséia lotado, o quarteto vem arrancando elogios de toda imprensa especializada e tem agradado os ouvidos das mais variadas platéias por onde toca.
No som não há muito mistério: O Lasciva faz um rock bem criativo, unindo Pixies, Secos & Molhados, Beatles e Sonic Youth num mosaico de referências que surpreende no final. Os quatro rapazes conseguem transformar todas essas influências num som cheio de novidade e frescor. Junta-se ainda uns traços de jazz aqui, um pouco de MPB ali... e o engraçado é que essa leveza das músicas é proporcional à dificuldade de categorizar o som que a banda faz. Fato é que o grande mérito do grupo está, como o próprio Felipe diz, em não ter "compromisso de seguir tradição ou acompanhar a modernidade". Há duas semanas tive uma conversa via e-mail com Felipe, Marcello e guga_bruno que se segue logo abaixo. Confira.
Overmundo: O CD está sendo muito bem recebido pela mÃdia em geral. Aliás, eu não lembro de um veÃculo que ainda não tenha falado do disco (risos). Como está sendo o trabalho de divulgação visto que não há uma grande agência por trás?
Felipe: A gente acompanha jornalismo musical e acaba sabendo quem escreve sobre o quê, em que meio de comunicação, que som curte mais, enfim, você acaba criando um leque imenso de pessoas que escreve sobre música. AÃ, quando o CD sai, é tudo muito direcionado. Além disso, estamos contando com a força da Fernanda Farani, nossa amiga, que é assessora de imprensa e trabalha com eventos, principalmente ligados ao meio musical.
Marcello: As coisas não acontecem de repente nesse mundo independente (ih, rimou!), e a gente tem se esforçado um bocado para colocar nosso filhote à disposição para o máximo de pessoas conhecerem o material. Daà a intenção é que muitos veÃculos falem dele mesmo, seja bem ou mal. Inclusive falando de veÃculo, até carro de som já foi cogitado em nossos brainstorms estratégicos.
Overmundo: Foi dito em muita resenha que vocês não tem um pé no rock moderno, não estão próximo dos emos e nem tem um quê de Los Hermanos. Como vocês avaliam essa dificuldade que os crÃticos têm em rotulá-los?
Felipe: Em termos de divulgação é mais difÃcil você convencer alguém a ouvir um som que não consegue rotular. Seria mais fácil criar uma expressão qualquer, tipo "rock salgadinho" (come/ouve aos montes, sempre tomando cerveja), e tentar criar um buxixo em cima disso. Mas tá bonito, não tem erro, a gente toca por prazer e o que sai é Lasciva Lula, sem compromisso de seguir tradição ou acompanhar a modernidade.
Marcello: É bom e ruim pelos pesos na balança da originalidade versus vendabilidade. Nós, por outro lado, não temos opção senão seguirmos fazendo o som que é o nosso, genuinamente produto de nossas próprias opções estéticas, e fazermos figa pra dar tudo certo e as pessoas gostarem também!
Overmundo: Se a dificuldade em categorizar é quase unânime, por outro lado, todo mundo sente um leve sabor circense no som de vocês. De onde vem essa, digamos, vertente?
Felipe: Pelo fato das letras terem um traço de humor e remeterem a muitos sÃmbolos e imagens, talvez facilite a associação com o universo circense. Na criação, normalmente eu chego com uma célula musical (estrofe, refrão) já letrada num ensaio, toco e fico observando as caretas e resmungos dos outros três. Essas caretas e resmungos dão uma ajeitada aqui, outra acolá, e cada um vai experimentando algo em seu instrumento até amadurecer. Bem, não é nada objetivo, dá pra perceber (risos).
Marcello: É curioso, a intenção pelo clima circense nunca existiu. Na verdade foi algo que só percebemos depois, quando ouviram e nos deram esse tipo de feedback. O processo de criação se dá pelo simples aglomerado de influências que temos, de todos os tipos, musicais ou não. Sabe, é como quando você abre a geladeira e vai pegando vários ingredientes que julga gostosos sem saber direito onde aquilo vai dar. Conosco também. A gente nunca sabe onde vai dar (e, como a analogia feita, muitas das misturas já não deram muito certo e foram parar no tambor do lixão!).
Overmundo: O mercado fonográfico está em pleno momento de transformação e bandas como o Lasciva Lula estão bem no olho do furacão. Como é ter uma grupo em um momento onde não há muita perspectiva em relação às gravadoras, mas a chance de se auto-gerir (e se dar bem) se mostra muito sedutora?
Felipe: Viver exclusivamente de música é o sonho de todos da banda. Devagar, estamos conseguindo montar um negócio auto-sustentável e ampliar nosso público. O que for positivo para preservar nosso prazer em tocar e aumentar o número de pessoas que nos ouvem, vamos tentar.
Overmundo: Da capa do disco ao visual do site percebe-se um forte cuidado com a identidade visual. Tudo bem que o Jamil é designer... mas falem sobre a importância de se investir nessa linguagem.
Felipe: A gente sempre discute sobre os temas das letras, os climas das músicas e imagens ou quaisquer referências que estejam ligadas à quela atmosfera. Desde a primeira fita cassete, lançada em 2000, foi assim. E desde lá o Rafael Saraiva (designer) faz todas as capas. Ele tem criado imagens sensacionais para traduzir o que pensamos, e o próprio fato de termos feito tudo com ele cria uma identidade muito forte. A gente é do tempo em que se ouvia um CD com o encarte na mão do inÃcio ao fim (risos).
Overmundo: Até lançar o disco vocês estudaram algumas propostas, aguardaram por algumas chances e analisaram estratégias. Em que momento vocês optaram por lançá-lo de forma independente?
guga_bruno: Bem, antes de sermos uma banda, somos público, consumidores de música, então querÃamos que o CD chegasse barato para o consumidor (vendemos a R$ 10,00 no site e nos shows), porque compramos CDs quando são baratos. Quanto menos intermediários houvesse, mais barato conseguirÃamos vendê-lo. Esse foi o fator principal para lançarmos de forma independente! Outra questão tem a ver com o retorno do investimento. Na verdade, a Lasciva Lula hoje trabalha como se fosse um pequeno selo. Parte do dinheiro que as vendas geram é reinvestido em marketing, divulgação etc. Passamos mais tempo pensando e discutindo essas questões do que tocando, ensaiando ou compondo. E ainda assim, tem válido a pena!!!
Overmundo: Infelizmente o underground ainda não paga as contas de ninguém e o artista independente acaba tendo uma jornada dupla de profissões formais com ensaios, shows etc. Como vocês se viram entre o Lasciva e o dia a dia no trabalho?
Felipe: Nos falamos todos os dias, por e-mail ou telefone, discutindo algo relacionado à banda; ensaiamos à noite uma vez por semana e seguimos na batalha por shows. O brabo é acordar depois de uma apresentação no meio da semana, às seis da manhã, e pegar dois ônibus para Bonsucesso. O resto se leva na boa.
Marcello: Tipo o que o Homem-Aranha faz. A única diferença é que os uniformes são menos apertados.
Overmundo: A banda conta com uma estrutura bem organizada. Como é feito o trabalho entre vocês e a Jane Deluc Produções?
Felipe: A Jane negocia todos os shows e nos tira das megafuradas em que nos metÃamos quando cuidávamos disso! Sem dúvida nenhuma, com a Jane, passamos a fazer shows em lugares mais bacanas, eventos renomados e começamos assim a criar uma equipe legal. Tem sido ótimo.
Overmundo: O novo disco trouxe muitas novidades no som, mas sem perder a liga com os trabalhos anteriores. No que vocês acham que o "Sublime Mundo Crânio" se difere dos demais EPs lançados?
Marcello: Para mim, pelo lado de dentro, os quatro trabalhos lançados são muito diferentes. Tem um treco que não sei dizer que os une, mas são muito diferentes. O "Lasciva Lula" me soa com uma referência de um som mais forte, mais duro. O "1ª Edição" é o Lasciva Lula para pular, músicas pra cima, animadas, letras claras. O "Óleo de Saliva" é bem introspectivo, de sonoridade mais obtusa. O que acho mais legal do SMC é que ele, de certa forma, possui elementos de todos os EPs anteriores ao longo das doze músicas.
Overmundo: Felipe, as letras da banda são um capÃtulo a parte! Refletem o som da banda e são cheias de referências. Como funciona seu processo criativo?
Felipe: Geralmente pego o violão e fico criando seqüências de acordes, balbuciando melodias e palavras sem sentido. Às vezes pego uma dessas palavras, escrevo no topo da página e vou escrevendo a partir dela, sem saber aonde vai parar, mas sempre amarrando a coisa. Não é aleatório, mas pode ser incontrolável ("A letra da canção desgovernada" fala exatamente sobre isso). Qualquer coisa serve de inspiração. Um filme, uma manchete de jornal, uma placa, um cheiro, uma conversa de fofoqueiras na rua... Já tirei a harmonia de um samba enredo do ParaÃso do Tuiuti, desconstruà tudo e fiz dele um rock.
Overmundo: Disco recém-lançado, tudo beleza, mas os downloads gratuitos estão aà comendo solto. Como vocês estão encarando essa coisa do fim do CD, a explosão dos mp3s...?
guga_bruno: Botamos todas as músicas pra serem ouvidas no site, disponibilizamos duas para download, em breve teremos novidades no site relacionadas a isso!!! Mas ainda apostamos no disco. Se considerarmos que uns 10% da população tem acesso à internet, ainda existem os outros 90% que queremos atingir! E isso vai acontecer com shows, CDs nas lojas, rádios etc. Mp3 é o futuro? Com certeza, disso ninguém duvida, mas no momento temos que agir dos dois lados, real e virtual, pra nosso produto chegar ao maior número de pessoas!
Overmundo: Acredito que um próximo passo seja alçar vôos mais distantes, ir tocar em outros estados. Como vocês pretendem levar o som da banda Brasil afora de forma independente?
Felipe: Já fizemos em 2004 uma turnê pelas capitais do sul, São Paulo, Belo Horizonte e outras cidades. Tudo entrando em contato com gente que faz ou produz shows independentes em suas cidades, na ralação.
Boa sorte para o Lasciva Lula! A batalha independente é dura, e parece que os caras sabem se manter fazendo música pensante. Boa resistência! A entrevista deu vontade de conhecer as outras músicas! vou conferir no site! Abraço!
Diogo Braz · Maceió, AL 21/5/2007 10:14Infelizmente, no meu serviço não consigo ouvir o sons da banda, mas só pela matéria, deu pra encher de curiosidade! De qualquer maneira, boa sorte nesta caminhada!
João Rafael · Sabará, MG 21/5/2007 16:35os lascivos fazem um belo trabalho, levam tudo no braço. merecem uma audição com calma, o som é bom demais!
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 22/5/2007 19:50Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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