Desde que me entendo por gente já me divertia com as trapalhadas do negro Baltazar, com as ordens descabidas e absurdas do Capitão João Redondo, que fazia tudo para manter as aparências para o padre Biapino, as bordoadas, piadas interrompidas por risadas do próprio boneco que por si só já eram outra piada .. sem falar na paródia da música Jesus Cristo (Roberto Carlos) que ficou gravada na minha lembrança:
“Tem mosquito, tem mosquito, tem mosquito não posso dormir / Olho pro céu e vejo uma nuvem preta de urubu / Olho pro chão e vejo um grupo tomando (glup!) coca-cola (...)â€, e outras rimas que nunca eram pronunciadas!!
E dá-lhe risada da molecada de todas as idades, com histórias de temática religiosa e piadas populares transformadas em ‘besteirol’ educativo. Momentos deliciosos que poderiam ser degustados em qualquer lugar onde o ‘paninho do palco’ pudesse ser montado. Em praça pública ou teatro, em feiras ou festivais, lá vinha seu Chico Daniel com sua indefectÃvel mala abarrotada de bonecos (mamulengos, fantoches, tÃteres) — cerca de 40 personagens — pronto para aprontar.
Mestre mamulengueiro
Sapateiro e artista. Potiguar de Assu e adotado pelo bairro de Felipe Camarão, em Natal, há quase 15 anos, Francisco Ângelo da Costa — filho de Daniel Ângelo da Costa — era dessas sumidades incontestáveis.
Descendente de uma linhagem de mestres mamulengueiros, o Chico de Daniel deixou saudades, fãs e personagens como Baltazar, filho adotivo do capitão João Redondo, órfãos. Dia 3 de março último, pronto e cheiroso pra mais uma apresentação, perguntou se todos já tinham se arrumado que ele estava “pronto pra partirâ€, relatou Keyla Elói da Silva, 23, filha do coração e espécie de secretária geral do mestre ‘bonequeiro’. Pouco depois um ataque fulminante no coração derrubou nosso Chico Daniel, que sabia que tinha problemas cardÃacos e seguia à risca todas as recomendações médicas.
A última apresentação de Chico Daniel aconteceu um dia antes, dia 2 de março, no Largo da Cabocla, Felipe Camarão. Na mesma semana, dia 26 de fevereiro, Hermano Vianna, mesmo sem saber, presenciou um momento histórico em sua rápida visita à Natal.
Canto de parede
“A primeira vez que vi um mamulengo foi andando mais meu pai. Ele andava de fazenda em fazenda e a gente mais ele. A gente era tudo menino pequeno. Eu achei bom aquele trabalho. Foi o tempo que eu aprendi a bater no pandeiro. Era um cara no fole, eu no pandeiro e meu irmão no triângulo. A gente tocava para os bonecos do meu paiâ€, diz Chico, lembrando que foi naquela época (anos 1950-60) que ele sentiu vontade de aprender a arte dos mamulengos: “Mamãe fez um paninho para mim e eu armava assim num canto de parede e meu pai fez uns bonequinhos da cabeça pequena. Foi assim que comecei a praticarâ€, resumiu o Mestre, em depoimento registrado no livro “Chico Daniel — A Arte de Brincar com Bonecosâ€, lançado em 2002 pelas jornalistas Ângela Almeida e Marize de Castro.
Imã de Mestres
Felipe Camarão, tÃpico bairro de periferia, parece ter um imã no subsolo que atrai mestres como Manoel Marinheiro, mestre do Boi de Reis (considerado Patrimônio Imaterial pela Unesco e MinC), Mestre CÃcero da Rabeca, em plena atividade, e o já saudoso bonequeiro.
Essa peculiar realidade local despertou na educadora Vera Santana o desejo de ver, ou melhor, de não ver essa arte ser esquecida: em 2003 criou o Projeto Conexão Felipe Camarão, que já é Ponto de Cultura chancelado pelo Ministério da Cultura – MinC, e hoje referência de projeto social bem sucedido.
O trabalho de valorizar a cultura que pulsava espontaneamente no bairro há décadas, levantou a moral e devolveu a auto-estima da população: Felipe Camarão saiu das páginas policiais direto para os cadernos de cultura. Quem já participou de eventos no bairro, percebe o orgulho à flor da pele! Uma vibração comunitária real, profunda e sem preço...
Como resultado desse sonho concretizado, Vera e os Mestres podem ficar tranqüilos que o legado terá continuidade: além do grupo de Boi de Reis Mirim do Mestre Manoel Marinheiro e o Conexão Rabeca, os filhos de Chico Daniel — Toinho e Josivan — já provaram que tem cacife pra construir bonecos, continuar as brincadeiras e ensinar outras pessoas a arte do mamulengo.
Vamos aguardar os próximos capÃtulos na praça mais próxima, e ficar atentos para ver se Baltazar e o Capitão João Redondo aparecem no ‘paninho’ e acabam com essa saudade!
Beleza de matéria, Yuno.
So pra não dizer que não colaborei, bota uns negritos nos entretÃtulos... :))
abraço!
opa Egeu, sugestão devidamente aceita e realizada .. realmente passei batido nesse detalhe. abraços
Yuno Silva · Natal, RN 8/3/2007 09:08
Que beleza de matéria! Faz juz e ecoa o nome do mestre que só aprendi na hora de sua partida. Longa vida ao nome e à lenda (e à arte) do mestre mamulengueiro Chico Daniel.
Abraços do Verde.
Adoro bonecos... e bonecas.
Mamulengo, de priscas eras,
Bonequeiros e bonequeiras
Permanentes resistências
Viva essa gente sempre faceira
e a criançada (e a gente adulta) felizes
De se ver ali e se escutar e rir.
Gostei.
sem dúvida o Mestre Chico Daniel está aprontado am algum lugar com seus bonecos mágicos!!
longa vida ao mamulengo potiguar e ao projeto Canexão Felipe Camarão!!
É uma pena, mas pra falar a verdade eu nunca tinha visto uma apresentação de Chico Daniel, apesar de conhecer de nome. Mas vi um especial em sua homenagem na TVU, o cara era bom, muito bom.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 14/3/2007 14:49
pô Filipe, vc nem imagina o que perdeu!!
espero que seus filhos prossigam no caminho do Mestre.
Bela matéria, Yuno.
Muito boa mesmo.
valeu Fialho, estou na expectativa de uma colaboração sua.
abração
Mamulengo é bom e eu gosto.
O texto e as indicações são ótimos.
De todos os links só o do Projeto Conexão Felipe Camarão não está abrindo. tento mais tarde.
abs
oi biobildung, eu consegui acessar o link .. realmente não sei o que aconteceu. abraços
Yuno Silva · Natal, RN 4/4/2007 02:48
Parabéns pela matéria e pelo site, cada dia melhor!
besos
Oi Yuno, hoje fui lá e gostei.
foi problema de conexão... o :-)
abs
Gostei muito dessa matéria mesmo só tendo lido ela agora, sou da cidade deste grande mestre dos mamulengos e tive o prazer de vê-lo em várias oportunidades fazendo todos se divertirem e demonstrando o quanto ele era bom no que fazia. Chico Daniel nos deixou órfão dos seus mamulengos.
Alexoliveira · Açu, RN 15/6/2007 13:04Tive oportunidade de vre uma das belas apresenta~'cões de Chico Daniel num evento no bairro de Felipe Camarão. E realmente bom foi notar que essa arte, a do mamulengo, resgata os bons ares da infância, traz de volta a mágica do que é fazer parte da criatividade de um grandeartista popular. E ser fazedor de arte é o mesmo que possuir uma missão no mundo que é fazer beleza da vida cotidiana, muitas vezes carregada de tintas fortes dos dramas e alegrias. Mas Chico Daniel er artista, um tanto timido no trato, de pouca conversa assi, com pessoas menos chegadas, mas que no abaixar da pano do teatro de mamulengos a coisa mudava de figura, era o maior. Sentia-me privilegiado, foi assim naquela tarde em Felipe Camarão. Toda a audiência naquele dia saiu com a alma lavada de tanta graça que os personagens do teatro nos agraciavam. Mas, fica na lembrança...o homem que soube levar em uma mala a riqueza dos personagens da vida em riso e com poesia...Salve, Chico Daniel!
LUC ARAÚJO · Macapá, AP 20/6/2007 14:18Tive oportunidade de ver uma das belas apresentações de Chico Daniel num evento no bairro de Felipe Camarão, em Natal. E realmente bom foi notar que essa arte, a do mamulengo, resgata os bons ares da infância, traz de volta a mágica do que é fazer parte da criatividade de um grande artista popular. E ser fazedor de arte é o mesmo que possuir uma missão no mundo que é fazer beleza da vida cotidiana, muitas vezes carregada de tintas fortes dos dramas e alegrias. Mas Chico Daniel era artista, um tanto timido no trato, de pouca conversa assim, com pessoas menos chegadas, mas que no abaixar da pano do teatro de mamulengos a coisa mudava de figura, era o maior; assim como brilhante estava seu filho, que continua a arte herdada, mas que infelizmente não me recordo o nome - fica a referência. Sentia-me privilegiado, foi assim naquela tarde em Felipe Camarão. Toda a audiência naquele dia saiu com a alma lavada de tanta graça que os personagens do teatro nos agraciavam. Mas, fica na lembrança...o homem que soube levar em uma mala a riqueza dos personagens da vida em riso e com poesia...Salve, Chico Daniel!
LUC ARAÚJO · Macapá, AP 20/6/2007 14:21Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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