Cinema e publicidade há tempos caminham de mãos dadas, feito Charles Chaplin e Paulette Godard no final de Tempos Modernos. Cineastas dirigem comerciais, publicitários migram para o cinema, e as linguagens de um e outro meio estão cada vez mais próximas. Mas é preciso ressaltar que esse relacionamento Ãntimo não vem de hoje. Diretores renomados como Federico Fellini já fizeram filmes publicitários, e no Brasil um cineasta como Carlos Manga, responsável por algumas das mais conhecidas chanchadas da Atlântida como Matar ou Correr (1954) e Nem Sansão Nem Dalila (1955), trabalhou anos com publicidade. Afirmou Manga: “A diferença entre cinema e propaganda é que no cinema conto uma história em 90 minutos, enquanto na propaganda tenho que fazer isso em 30 segundosâ€.
Diretores, roteiristas, câmeras e profissionais de cinema especializados em áreas como fotografia, montagem, figurino, som e direção de arte, dentre outros, buscam colocações em outras áreas do campo audiovisual, como programas de TV, produção de videoclipes ou, principalmente, de comerciais, campo em que o mercado de trabalho é maior. É até natural, pois, que a linguagem cinematográfica influencie a publicitária e vice-versa. No Brasil, alguns dos principais cineastas da atualidade, como Fernando Meirelles (Cidade de Deus), Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) e Andrucha Waddington (Casa de Areia) ganharam experiência dirigindo comerciais antes de se aventurarem na tela grande.
O caminho inverso também ocorre. Vide a campanha The Hire da BMW, que bancou uma série de 8 curtas-metragens, dirigidos por cineastas do naipe de Ang Lee, Wong Kar-Wai e Alejandro González Iñarritu. Cada diretor ganhou liberdade criativa para desenvolver seu próprio filme, desde que usasse os carros da BMW como elementos importantes na narrativa. Resultado: uma campanha extremamente bem-sucedida: os filmes foram visualizados mais de 100 milhões de vezes, a campanha recebeu o Grande Prêmio do Cannes Cyber Lion de 2002 e, de quebra, passou a integrar a coleção permanente do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
Vale a pena lembrar também daquele que talvez seja o comercial mais famoso da história, recentemente parodiado pelas campanhas para as prévias previdenciais do Partido Democrata dos pré-candidatos Hillary Clinton e Barack Obama: 1984, peça de 1 minuto de duração. O comercial, que marcou o lançamento do computador pessoal Macintosh da Apple, foi veiculado uma única vez na televisão, durante a final do Super Bowl, e faz referências ao livro homônimo de George Orwell. A direção ficou a cargo de um cineasta consagrado em Hollywood: Ridley Scott, de filmes como Blade Runner e Gladiador.
Em tempos nos quais espectadores são cada vez mais resistentes ao apelo das mÃdias tradicionais, ganha força no mundo da publicidade o conceito de branded entertainment: peças publicitárias que escapam do formato tradicional de comerciais de 30 segundos, veiculando marcas e produtos ao roteiro dentro do contexto de programas de TV, filmes ou produções feitas especialmente para a Internet. É o caso da campanha de lançamento do Office 2007, da Microsoft. Composta por cinco filmes dirigidos por Stacy Wall, a série, exclusivamente veiculada na Internet, tem poucos traços da publicidade tradicional: os curtas, de linguagem cinematográfica, poderiam ser exibidos no Festival de Gramado.
Os cinco filmes dessa campanha, devidamente integrados com a proposta de branded entertainment, narram as tragicomédias de funcionários de escritório que passam por situações que poderiam ser descritas por aquele locutor da Sessão da Tarde como “altas confusões de uma turma do barulhoâ€. Pesadelo, por exemplo, mostra um executivo alemão que, durante a apresentação de uma conferência, é sabotado pelo seu software de apresentação de slides a ponto de ficar, literalmente, sem calças na frente de uma platéia. Já em O Divisor, os protagonistas são dois funcionários de uma mesma empresa que, apesar de compartilharem mesas no mesmo escritório por 32 anos a fio, jamais haviam se conhecido. E assim, ao exibir histórias de forte apelo emocional ou humorÃstico, a campanha do Office 2007 busca passar o conceito de que sua nova versão facilitará a vida de todos, adotando a seguinte assinatura: “Um novo dia. Uma nova empresaâ€.
Diversas outras empresas no Brasil adotaram a mesma estratégia da Microsoft, optando por divulgar suas marcas fugindo aos modelos publicitários tradicionais. Alguns exemplos: BrasilTelecom, Sagatiba, SuperBonder, Nissan e Coca-Cola. Filmes no YouTube, ações em programas como Big Brother Brasil e a gravação de canções compostas por músicos conhecidos foram algumas das interfaces adotadas por essas campanhas, que buscaram aliar publicidade com um conteúdo que fosse capaz de trazer entretenimento e diversão.
Sobre a intertextualidade crescente entre cinema, publicidade, televisão e outras linguagens, a publicitária com especialização em cinema na Universidade da Califórnia Alessandra Moretti, em entrevista concedida a Rogério Covaleski, afirmou: “Acho que qualquer interação entre publicidade e cinema, ou pintura e cinema, artes e cinema ou artes em si é positivaâ€. Mais adiante, complementa: “Se existem diretores de publicidade partindo para o cinema, isso há de ser positivo, principalmente no Brasil onde a gente teve por anos uma limitação grande de produção. Acho que a diversidade é sempre positiva, e a linguagem publicitária é bem-vinda dentro desse contexto todoâ€.
a migração par qualquer um dos lados é válida e quem ganha com isso é o público, que pode ver não só novas visões para peças publicitárias como novos olhares dentro do cinema. Não perco por nada quando tecelões começarem a produzir canções e os músicos adentrarem o mundo da taquigrafia. será uma revolução sem precedentes.
Enloucrescendo · São Paulo, SP 2/5/2007 16:02Ai, Ina, você e seus são sempre graciosos e intensos. E você é um moço difÃcil, viu? Não é nada fácil discordar de ti, você parece sempre disposto a encurralar seus interlocutores com uma gama incontável de argumentos, e só nos resta abrir um sorriso e concordar contudo. Safadinho.
julianasaldanha28 · Diadema, SP 2/5/2007 16:36Sim, sim, TUDO a ver. Pelos motivos tão bem expostos no texto. Não é à toa que dois dos festivais de cinema e publicidade mais importantes do mundo acontecem em Cannes, em seqüência (maio e junho). Há sinergia tanto operacional quanto conceitual.
Viva · Rio de Janeiro, RJ 2/5/2007 17:36
Muito bem colocado, Inagaki. É interessante observar que, em ambos os casos, é necessário conhecer o público que se quer atingir. Um bom filme, assim como uma boa propaganda, devem atingir o publico, do contrário não terão efeito algum. Um filme que não toca ninguem (nem mesmo aquele grupo especifico de experts no assunto) não foi bem feito. Uma propaganda que não incita as pessoas a falarem de uma determinada marca e comprarem o seu produto, também não produziu efeito. No fundo nestas duas artes o que determina é a pergunta: como devo conduzir estas seqüências de imagens e sons para que elas produzam determinado efeito no publico?
Lembrei-me de outra propaganda que ganhou vida como "filme" se desvincilhando do produto: "filtro solar". (a versão orginal).
um abraço
Apesar de todas as questões expostas, ainda temos o grupo de cineastas que se auto-denominam "engajados" que tem horror ao meio publicitário. Por mais cÃnico que pareça, é preciso ganhar o pão de cada dia também, que nem sempre vem do engajamento artÃstico.
abraço, inagaki
Ina, e a produção de videoclipes, não entra nessa? Esses estão no meio da coisa, olhando pros dois lados ao mesmo tempo, fazendo comerciais e artes ao mesmo tempo, e fornecendo profissionais para as duas "áreas".
Muitos artistas medianos (ou ruins mesmo) com bons clipes viraram bons produtos, com altas vendas.
Grande Ina, mandou bem de novo. E cheio de links, adorei.
Guindaste · São Paulo, SP 3/5/2007 16:16Ôpa, obrigado por todos os comentários! E, Erickmir, citei a produção de videoclipes no segundo parágrafo. Aliás, Hollywood tem muito a agradecer aos diretores de clipes, que ao migrarem ao cinema têm se tornado cineastas de primeira linha, vide os casos de Michel Gondry e Spike Jonze. No Brasil, citaria o caso dos diretores da Conspiração, que além de terem dirigido inúmeros comerciais fizeram muitos clipes antes que a MTV Brasil banisse os vÃdeos de seu horário nobre. Aliás, este será mote para um outro futuro artigo para o Overmundo... :)
Alexandre Inagaki · São Paulo, SP 4/5/2007 07:18Excelente colaboração Alexandre. As peças publicitárias estão ficando cada vez melhores, essa justaposição de elementos cinematográficos e outras linguagens são muito bem-vindas. Esse lance de contar uma "história", além de ser muito mais sútil, com certeza tem sido lucrativo não é mesmo? Abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 4/5/2007 08:44Nada contra cineastas dirigirem filmes publicitários e vice-versa; o problema é quando cria-se uma categoria para "Melhor Product Placement" (???) em um prêmio nacional de cinema, e aà sobe no palco uma executiva de uma multinacional para agradecer a "união entre cinema e mercado publicitário" (e a gente tendo de agüentar uma aula sobre como usar o serviço tal do banco tal inserida a fórceps no meio do filme)... Muito estranho, muito subdesenvolvido.
Marcelo V. · São Paulo, SP 4/5/2007 11:10Alexandre, obrigado pelo comentário. Votei no seu texto também. Abraço!
Revista Sintética · Osasco, SP 4/5/2007 22:54
Parabéns pelo tema e pelo texto Alexandre... Pra mim, tem a ver sim cinema e publicidade... Manga diz tudo quando refere-se ao tempo de uma ou outra arte... Sim, pra mim arte...Pois ambas exigem muito do processo criativo! Apenas o destino a que se referem é que são diversos!
Abs, escreva mais sobre o tema aqui!
Abs
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