Comunistas na cidade e duas histórias pra contar.

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Quartel da polícia alvejado
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FILIPE MAMEDE · Natal, RN
26/3/2007 · 325 · 22
 

Há poucos mais de 70 anos, Natal foi palco do único governo comunista que o país já teve. Apesar da curta duração, esse episódio da história potiguar e brasileira deixou na memória alguns personagens curiosos.




Cidade do Natal, novembro de 1935. Os camaradas comunistas fincam sua bandeira vermelha em terras potiguares. Esse acontecimento movimentou a vida de muitas pessoas e duas em especial: a de uma mulher e a de um soldado, ambos personagens de uma mesma história, mas com destinos completamente diferentes.

Enquanto um deles desempenhava importante papel junto aos líderes na organização do levante que dominava a cidade, o outro tratava de combatê-lo ao lado da policia militar. Um contra o outro, enredo comum a qualquer relato de luta ou conflito. A diferença é que um deles entrou para a história e o outro foi esquecido por ela.

Destinos que se cruzam...

Cidade de Mossoró, idos da década de 30. Uma família de esquerda daquele lugar vinha educando sua filha com os mesmos ideais comunistas dos camaradas russos. A família Reginaldo foi a responsável pela criação do Partido Comunista em Mossoró e, em grande parte, pela disseminação do comunismo como o caminho para transformação social no Rio Grande do Norte. Amélia Gomes Reginaldo, quando criança, não se divertiu apenas com bonecas. Brincava desde cedo com literatura marxista. Ainda jovem era líder da União Feminina e, anos mais tarde, ao estourar a revolução na cidade, lá estava ela.

Naquele 23 de novembro de 1935, junto aos oficiais que tomaram o 21° Batalhão de Caçadores em nome do tenente Luís Carlos Prestes, também se encontrava Amélia. Ao melhor estilo Joana D’arc, vestida de homem e com arma em punho, assim desempenhou seu papel de revolucionária durante o ataque. Seu exemplo acabou sendo seguido por outras 29 mulheres. Por liderar o grupo feminino, foi a única condenada. A pena de cinco anos jamais seria cumprida. Antes de ser pega, ela fugiu.

O mesmo dia tornou-se ainda mais fatídico para outro personagem dessa intrigante história. Após levar um tiro disparado por Sizenando Figueira, um companheiro de luta de Amélia, o soldado Luiz Gonzaga morria de maneira precoce. Mal teve tempo de fazer alguns disparos...

Figura mais contraditória dessa história, Luis Gonzaga passara de coadjuvante à personagem principal, curiosamente após o tiro que lhe deu cabo. Nada se sabe sobre a vida do soldado antes da insurreição comunista de 35. Alguns consideram que Luiz Gonzaga nem mesmo era soldado. Talvez apenas um “pobre demente que vivia perambulando pelas ruas de Natal, mas nunca fora soldado da Polícia Militarâ€, como disse o ex-juiz João Maria Furtado em seu livro de memórias.


Em 1985, quando a insurreição fazia 50 anos, um outro personagem que tinha o mesmo nome do soldado, o jornalista e pesquisador Luis Gonzaga Cortês publica o que viria a desmentir a história oficial. No meio do caminho, o jornalista se depara com incoerências nos testemunhos de João Medeiros Filho, chefe de polícia à época.

No livro “Meu depoimento†de 1937, a lista oficial com os combatentes mortos não trazia o nome do soldado Luis Gonzaga. Ao reeditar o livro em 1982, agora com o título de “82 horas de subversãoâ€, o suposto soldado teria sido incluído na lista. O relatório citado pelo jornalista foi feito logo após o movimento rebelde ter se dispersado.

Soldado ou não, Luiz Gonzaga foi eleito herói da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. E mesmo depois de morto, subiu de patente em duas ocasiões, terminando como 3° sargento. A mais alta honraria militar do Estado leva seu nome. Todos os anos, no aniversário de sua morte, é feita uma celebração em sua homenagem. O nome do suposto soldado ficou como exemplo da “coragem dos combatentes aos comunistasâ€. O herói anticomunista, licença, por favor...

Destinos que se separam...

Mesmo na província pequena ou além de suas fronteiras, para a revolucionária nenhuma glória depois do fim. Com o movimento comunista derrotado em apenas cinco dias pelas forças do presidente Getúlio Vargas, Amélia, assim como outros vermelhos, teve que fugir. Por pouco não caiu nas malhas da polícia. Escondeu-se como pôde e ainda precisou pular de um trem em movimento. Sua escapada acaba em outras cercanias, lá pelas bandas do Piauí, onde se casa e tem filhos. Mas isso é outra história...

Fugir significou morrer para o resto do mundo. Ao contrário do soldado Luiz Gonzaga, depois daquele novembro vermelho de 1935, por muito tempo não se soube o seu paradeiro. Somente com a descoberta de uma carta enviada por Amélia ao seu tio é que a história foi resgatada. Ela trocou de armas. Deixou o rifle e adotou uma máquina de costura. De revolucionária passou a costureira.


Estudando história...

“Os vencedores acabam dominando as fontes de informação e sua veiculaçãoâ€, explica a professora Maria Conceição Fraga, chefe do departamento de história da UFRN. Para entender basta lembrar que a insurreição de 35 naufragou dando lugar ao Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas: amplamente anticomunista. O Brasil ainda viveu outro período ditatorial de 1964 até o meados da década 80. Mais do que nunca comunista comia criancinha.

Pensar era motivo suficiente para ver o sol nascer quadrado. E, assim, os ensaios apaixonados das revoluções vermelhas ficaram, por muito tempo, afogados nas águas camufladas de nosso tempo.


Filipe Mamede
Isaac Lira

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Higor Assis
 

Fugir significou morrer para o resto do mundo.

Um frase muito forte que faz a gente refletir sobre todos aspectos de luta da nossa sociedade, muitos personagens ainda esquecidos nos facinam pela luta por um mundo melhor.

Poxa esta Amélia sim, era mulher de verdade.
Muito bacana Filipe.

Higor Assis · São Paulo, SP 26/3/2007 12:14
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Luizao Ouro Preto
 

Mulher porreta, esta tal Amélia.

Luizao Ouro Preto · Ouro Preto, MG 26/3/2007 13:18
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FILIPE MAMEDE
 

"Amélia, àquilo é que era mulher de verdade..."

FILIPE MAMEDE · Natal, RN 26/3/2007 13:30
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Marcelo Torca
 

Este artigo com fotos é muito importante, assim como recontar passagens da história de nosso país é importante. Parabéns por este trabalho. Abraços.

Marcelo Torca · Paulicéia, SP 26/3/2007 16:31
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Osvaldo
 

Legal, Felipe! Foi muito bem escrito.Parabéns!!!

Osvaldo · Olinda, PE 27/3/2007 03:52
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Fanny
 

Texto lindo e bem escrito. A história é sempre fugidia, escrita pelos vencedores esconde a verdade nas margens escuras do tempo. O historiador é sempre um detetive. Parabéns, Felipe Mamede. Queremos mais.

Fanny · Rio de Janeiro, RJ 27/3/2007 10:34
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André Gonçalves
 

MUITO BOA MATÉRIA.

André Gonçalves · Teresina, PI 27/3/2007 11:08
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CCorrales
 

Ilustrada com documentos históricos, então! A memória precisa ser registrada. A memória precisa ser olha, lida, sabida.

CCorrales · São Paulo, SP 27/3/2007 11:44
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philipe
 

Parabéns pela matéria! Muito boa, sempre quis saber sobre o levante que ocorreu em Natal. Muito se fala sobre o Rio de Janeiro neste episódio que nao durou uma madrugada, enquanto em Natal durou 5 dias, acredito de arduas batalhas entre revolucionários e reacionários.

philipe · Florianópolis, SC 27/3/2007 14:16
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Yuno Silva
 

muito legal essa história da Amélia... valeu mesmo Filipe.

Ainda cabe nessa história os motivos de um governo comunista tão breve: falta de comunicação entre as bases vermelhas aliadas. A Intentona Comunista, como historicamente ficou conhecido esse levante, vinda sendo planajada há meses e na hora H uma reviravolta (governo, militares e outros 'pequenos' detalhes) lá pras bandas do Rio de Janeiro fez com que os vários núcleos espalhados pelo Brasil (Recife, Salvador, SP, RJ...) recuassem adiando o levante.

Tudo era para ser surpresa, o 'ataque' estava articulado para acontecer ao mesmo tempo. Porém, por falta de tempo hábil para informar o grupo potiguar, o levante eclodiu por essas bandas e logo os planos comunistas foram por água abaixo em todo o País.

Sozinha e desbaratada, a Intentona Comunista de 1935 no Rio Grande do Norte foi rapidamente sufocada e um balde de água fria esfriou outras intenções vermelhas.

Yuno Silva · Natal, RN 27/3/2007 16:39
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Nivaldo Lemos
 

Verdades, mentiras e videoteipes

Excelente e oportuna matéria, Filipe. Especialmente porque nos aproximamos do 43o aniversário do Golpe de 64, fato que mudou a vida do Brasil e de muitos brasileiros, mas que até hoje – a exemplo de acontecimentos como o que você nos relata – nos sonega documentos fundamentais para a sua compreensão histórica. Como por exemplo os documentos sobre a Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à ditadura militar promovido pelo PCdoB entre os anos 60/70 no Pará, que até hoje são negados à população em geral e aos historiadores, em particular. Ou mesmo a história do Capitão Sérgio Macaco, do Parasar, que num ato de heroísmo impediu a explosão do Gasômetro aqui no Rio que – pelo que se sabe – seria promovida pela linha dura do regime militar e atribuída aos comunistas. Uma atitude que salvou talvez milhares de vidas e pela qual o capitão pagou o alto preço do esquecimento. Portanto, embora pareça extemporânea, a analogia entre os fatos existe em pelo menos um aspecto: sempre que a verdade histórica contraria o stablishment ou oferece alternativas de poder, ela é sacrificada. Neste sentido, Filipe, sua matéria ganha uma dimensão transformadora, na medida em que nos mostra que a história não deve ser um videoteipe do passado, mas um ponto de partida para reflexão sobre o presente e o futuro. Parabéns. Um grande abraço.

Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 27/3/2007 17:52
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Zito
 

Acho que esclarecermos nossa visão sobre o passado, abrir o leque de interpretações e libertar-se da estreita visão histórica veiculada pela elite é fundamental, reinterpretar o passado é dar o primeiro passo na construção de um futuro melhor, que supere a mediocridade do presente. Parabéns pela matéria, por mais que a intentona tenha fracassado, penso que hoje nós trabalhadores carecemos de consciÊncia de classe, pois o conformismo que atrasa a necessária transformação social de acontecer tem raíz na falsa idéia de que a justiça social e a supressão da exploração do homem pelo homem são utópicas. Serão utópicas enquanto pensarmos que é. Assim como o doente que pensa que seu problema não tem cura, não procura tratar-se e morre, nós morremos aos poucos por pensarmos que a realidade é imutável. Ainda é tempo de um tratamento, talvez novas intentonas sejam os remédios! Parabéns pela matéria!!!

Zito · Porto Alegre, RS 27/3/2007 19:25
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FILIPE MAMEDE
 

Histórias como esta são inúmeras. Acontece que estão engavetas por aí em algum lugar, acumulando poeira e esquecimento. Acredito sim que muita coisa pode ser mudada. O que é preciso, antes de tudo, é organização e consciência.
No mais, agradesço o apoio de todo mundo, e podem esperar que, qualquer hora dessas apareço com mais alguma historieta.
Abraço a todos.

FILIPE MAMEDE · Natal, RN 28/3/2007 08:36
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Guilherme Mattoso
 

Filipe e Isaac,
Parabéns pelo ótimo texto e pelas imagens históricas. O final da sua narrativa me lembrou um provérbio africano que gosto muito: "Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçada continuarão glorificando o caçador". Diz que não é verdade?

Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 28/3/2007 09:33
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Jr. Black
 

Parabéns, Filipe e Isaac!
Tenho uma ligação sentimental com Mossoró (passei quase 2 anos indo pra lá direto) e acho a mesma uma cidade cheia de estigmas e, por conseguinte, histórias (pra não falar da Resistência).
Muito bom saber um pouco mais das causas do nosso país, principalmente aquelas que não são contadas nas escolas, a memória das lembranças mais próximas, de gente de verdade, que viu ou conheceu quem viu o fato e o registrou.

Jr. Black · Garanhuns, PE 28/3/2007 10:37
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Pedro Vianna
 

Obrigado por contribuir com um texto tão elucidativo. A história deve ser contada...

Pedro Vianna · Belém, PA 29/3/2007 10:26
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FILIPE MAMEDE
 

Estamos aqui pra isso Pedrão. Esse episódio é tão curioso que caberia, pelo menos, mais umas duas matérias.

FILIPE MAMEDE · Natal, RN 29/3/2007 10:34
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Yuno Silva
 

opa, então manda aí Filipe....

Yuno Silva · Natal, RN 29/3/2007 10:56
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Cintia Thome
 

Parabens Felipe, mais um texto bom para esclarecer a nossa história. Vamos desengavetar tudo. É direito. Adorei Amélia, mulher arretada. Adoro mulheres de luta.bju

Cintia Thome · São Paulo, SP 5/7/2007 18:46
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Marluce Freire Nascasbez
 

Filipe,

Encantada com teu trabalho, belíssimo!

Marluce

Marluce Freire Nascasbez · Carnaíba, PE 6/7/2007 20:55
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Edson Marques
 

Filipe,

Muito bom o teu texto!

às vezes se faz melhor revolução com máquina de costura - do que com fuzil.

Abraços, flores, estrelas..

http://mude.blogspot.com
.

Edson Marques · Guarujá, SP 23/11/2007 18:09
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azuirfilho
 

FILIPE MAMEDE · Natal (RN) ·
Comunistas na cidade e duas histórias pra contar.

Um Trabalho admirável que náo podemos abrir máo de participar.
De Gente Heróica e memorável, que náo fizeram se poupar.
É Uma linda Trajetória, que honra a terra e a Gente.
Pra se acreditar na nossa História, e com amor ir em frente.

Em todos os lugares e todo o tempo tem gente admirável dando a própria vida para que o Mundo melhore.

Valeu
Abraços Fraternos.
Me informe sempre dos seus Trabalhos.

azuirfilho · Campinas, SP 31/5/2008 16:25
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