Conflitos Amorosos em Plena Parada Gay

Divulgação
Final de uma discussão acalorada. A loirinha só assiste.
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Juliene Codognotto · São Paulo, SP
15/6/2007 · 100 · 9
 

A Parada do Orgulho GLBT de São Paulo é, disparado, a maior do mundo. A estimativa é que, neste domingo, dia 10 de junho, convenientemente pertinho do Dia dos Namorados (leia-se Dia de Vender Flores, Celulares, Jóias e Ir a Restaurantes Chiques), uma Paulista ensolarada tenha recebido mais de 3 milhões de pessoas, entre elas cerca de 300 mil turistas de diversos estados brasileiros e de diversos países. Não, isso não é uma resenha sobre a Parada Gay, mas a festa da afirmação da diversidade influenciou e muito o movimento na Praça Roosevelt e a apresentação do espetáculo Amores Dissecados, em cartaz no Satyros Dois, já que o amor se expressava livremente nas calçadas e muretas.

Às 8 da noite, a praça estava cheia, ocupada, como sempre deveria estar e como eu não me lembrava de ter visto desde as Satyrianas. A festa disputava, ainda, com a quermesse junina da Igreja da Consolação. Muita gente bebia, muita gente se divertia, muitos casais se beijavam. Neste clima, depois de um pequeno atraso de meia hora, Amores Dissecados, espetáculo do grupo Teatro Insano, do ABC, começa revendo e recriando um espaço que já é alternativo. Peça andada no Satyros? Calma, é só a primeira cena, um breve monólogo regado a uma taça de vinho vermelha.

Logo, o público se acomoda em cadeiras dispostas no próprio palco, para assistir ao resultado de um processo colaborativo dirigido por Marcos Lemes. E os cinco atores se acomodam ao lado do público, de onde saem para ir ao centro do palco realizar esquetes e para onde retornam após a exibição, sem nunca utilizar as coxias. Aliás, as coxias, para eles, são as cadeiras vermelhas, onde realizam as incontáveis (mentira! Dava pra contar, mas me deu preguiça) trocas de roupas. Ao lado de cada um, uma mala, de onde saem e para onde voltam os figurinos realistas.

Rosas vermelhas, fotos, batom, vestido de noiva, vinho. A peça usa quase todos os ícones mais óbvios do amor e se foca na nossa dificuldade em amar de maneira simples. O amor tratado ali, por meio de tantos clichês com os quais todo mundo se identifica, é o amor complicado, o amor que nós complicamos.

Embora algumas cenas encontrem ligações muito bonitas e criativas entre si, outras parecem perdidas no espaço e só se relacionam com o espetáculo pelo tema. No entanto, a complexidade temática e o risco de assumir um processo colaborativo tão amplo tornam o deslize do grupo em algumas transições absolutamente perdoável.

Pode parecer fácil abordar o amor, mas não é bem assim. Na verdade, poucas coisas são mais difíceis do que falar de sentimentos e de coisas banais e cotidianas com alguma grandeza. Neste sentido, as atuações, em alguns momentos, têm sutilezas que expressam com verossimilhança nossos gestos cotidianos, mas para a maior parte das cenas, falta força e expressividade. Falta algo como um desespero passional tão angustiante que envolva o espectador e o incomode ou um romantismo que faça o público sorrir sem perceber.

O Teatro Insano traz poucas novidades, é verdade. Isso porque opta justamente por trazer situações que conhecemos muito bem. No entanto, para apresentá-las, encontra algumas soluções bacanas, como o uso de um gravador, uma discussão cuja maior parte acontece no escuro - aumentando a intensidade das falas - e uma quebra na teatralidade para tentar entender o amor (onde é que fica essa coisa afinal? Amar dói? Se dói, onde dói?), interagir com o público e, por que não?, promover um bailinho. Vale destacar, ainda, duas cenas que exploram os silêncios de maneira muito interessante. Uma delas se passa em um boteco, em que dois amigos percebem, em meio a um monte de bobagens ditas ao léu, a solidão em que estão imersos.

A mensagem da peça ganhou muito com essa apresentação em plena Parada Gay, haja vista a quantidade de casais assistindo sorridentes e grudadinhos ao espetáculo. É pena que os casais gays não prestigiem tão livremente o teatro em dias "normais". Para mim, foi novidade, sim, mesmo que na Praça Roosevelt, ver tantos casais tão à vontade na platéia. Foi novidade e não deveria ser. Afinal, será que é preciso esperar pela Parada Gay para ir ao teatro bem acompanhado? Foi bem bonito assistir a peça ao lado deles, mas eu preferiria fazê-lo todos os domingos e não só uma vez por ano, quando a sociedade "consente".

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Juliene Codognotto
 

Publicado originalmente na Revista Bacante

Juliene Codognotto · São Paulo, SP 12/6/2007 17:04
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Aldo Votto
 

Cara Juliene,
Bom saber pelo teu texto sobre o "Amores Dissecados" que dificilmente poderei assistir. Além disso, bom também confirmar que o tema continua impávido, atraente, instigante em tempos tão áridos para as relações humanas. E o vínculo involuntário com um grande evento em que a atração é gente e seu jeito de se relacionar com o outro e com o mundo foi um ótimo gancho para a tua crítica. Parabéns pela sacada! Se me permites, sem xenofobia, será que 'passagens' - termo que me parece [sou leigo] consagrado no glossário teatral - ou mesmo 'ligações' não seriam mais precisas que os "links" importados do cyberespaço para expressar tuas restrições e teu elogio ao ritmo do espetáculo?
Abçs.
A.

Aldo Votto · Florianópolis, SC 12/6/2007 17:36
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Juliene Codognotto
 

Oi, Aldo. Realmente chega a ser até corajoso, atualmente, abordar o amor de uma maneira "doce" como este grupo fez.
Também achei a relação com a Parada muito clara e bacana. Na verdade, tenho poucos méritos, viu?! Ela praticamente saltou na minha frente, enquanto eu esperava o espetáculos começar!
Gosto de "ligações" no lugar de "links". Na verdade link vem mais do vício de estudante de jornalismo (a gente usa bastante isso) do que do cyrberespaço. Gostei da dica e aceito!

Beijos,
Juliene.

Juliene Codognotto · São Paulo, SP 13/6/2007 13:11
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Tetê Oliveira
 

O espetáculo parece bem interessante, Juliene. E a sua crítica ao texto e ao preconceito contra os homossexuais no dia-a-dia.
Abraço.

Tetê Oliveira · Nova Iguaçu, RJ 14/6/2007 17:51
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FILIPE MAMEDE
 

Excelente post Juliene, eu só queria saber o que significa o BT de GLBT?

Um abraço.

FILIPE MAMEDE · Natal, RN 15/6/2007 10:27
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Juliene Codognotto
 

Obrigada, Tetê. Dei sorte de assistir num dia que tinha tudo a ver!

Felipe, que eu saiba é B de bissexuais e T de transexuais! Valeu pelo comentário. Bjo!

Juliene

Juliene Codognotto · São Paulo, SP 15/6/2007 12:07
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Mi [de Camila] Cortielha
 

Juliene, excelente crítica, deu muita vontade de assistir/participar desse espetáculo de sutilezas!

Em tempo, GLBT significa Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros.

Abraços,

Mi [de Camila] Cortielha · Belo Horizonte, MG 16/6/2007 08:27
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Tânia Brito
 

Gostei muito do seu texto, Juliene...Sutilmente fez uma crítica ao preconceito e faz-nos refletir, mesmo sem ter assistido à peça, sobre a complexidade do amor...como você disse da nossa "diculdade em amar de maneira simples"... Parabéns! pela maneira inteligente como conduziste o seu texto e a sua idéia.

Tânia Brito · Campo Grande, MS 16/6/2007 08:50
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Juliene Codognotto
 

Obrigada, Camila! Tem razão! É T de trangêneros! Falha minha...

E que bom, Tânia, que o texto faz refletir. Acho que este é o melhor efeito que eu poderia esperar!

Beijos,
Ju.

Juliene Codognotto · São Paulo, SP 18/6/2007 10:29
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