Se você navega por sites gringos, com o olho condicionado, encontra reportagens de altÃssima qualidade. Isso é resultado da explosão do jornalismo digital nos últimos dois anos. Texto, áudio, vÃdeo, foto, mashups, mapas reunidos por criativos jornalistas resultam em histórias contadas de um jeito que jamais se viu. Alguns chamam de multimÃdia. Eu gosto da expressão hipermÃdia.
No Brasil, esse processo é mais lento. Pouca gente, até agora e infelizmente, apostou em boas reportagens digitais. Há apenas um centro de excelência, montado no Jornal do Comércio em Recife. Quando estive na direção da Agência Brasil, tentei construir algo. Às vezes, surge coisa interessante no G1. São exceções. A regra é produzir com pouco orçamento materiais quase amadores.
Daà o pioneirismo da Garapa, produtora de jornalismo multimÃdia montada por Paulo Fehlauer, Leo Caobelli e Rodrigo Marcondes. São poucos os trabalhos disponÃveis no site do coletivo. Mas esse pouco já permite dizer que estamos diante de grandes contadores de histórias. Em especial, destaco o trabalho de Caobelli sobre a cobertura do caso Isabella pela imprensa.
A inspiração da Garapa é o MediaStorm, de Brian Storm, ex-diretor da MSNBC que resolveu apostar seus dotes e dólares na construção de uma produtora digital para a rede. O MediaStorm tem trabalhos publicado por veÃculos da grande mÃdia americana, entre os quais a própria MSNBC, o Washington Post e o Los Angeles Times.
É impossÃvel não se emocionar com trabalhos como o Blodlines, finalista do Emmy, ou o sensacional Kingsley Crossing, vencedor do Emmy. Na época do vÃdeo fácil, do You Tube, o MediaStorm tem apostado em trabalhos de altÃssima qualidade, baixo orçamento e muita criatividade. E tem contribuÃdo para ampliar os horizontes de quem trabalha contando histórias no mundo digital.
Fehlauer, Caobelli e Marcondes resolveram entrar nessa briga. Por enquanto, estão fazendo na raça. Logo logo, espero, alguém vai sacar e vai bancar para eles condições de seguirem aperfeiçoando essa linguagem. Leiam, abaixo, uma entrevista que fiz com eles por e-mail. As respostas foram enviadas pelo Fehlauer. Leia mais também no Blog Em Busca da Palavra Justa.
Quando a Garapa foi fundada, por quem e qual a idéia de vocês com isso?
Acho que ainda estamos nesse processo, descobrindo uma linguagem. A Garapa foi meio que gerada, espremida mesmo, quase como uma vontade coletiva dos 3 sócios, que colidiu em um momento muito oportuno. Voltei de Nova York com muita vontade de explorar esses novos caminhos do jornalismo, tendo participado um pouco desse debate por lá. Chego ao Brasil e encontro o Leo, que trouxe o Rodrigo de Londres pensando em fazer algo na mesma linha. Somos 3 "garapeiros": Leo Caobelli, Paulo Fehlauer e Rodrigo Marcondes, três jornalistas-fotógrafos indignados com a mesmice do nosso jornalismo.
Falem um pouco das influências. Dá para perceber que Brian Storm e seu MediaStorm são referências de vocês. Quem mais?
A MediaStorm é definitivamente uma inspiração. Pelo que sabemos, é a única empresa dedicada à produção desse tipo de conteúdo. É incrÃvel que eles consigam fornecer ao mercado editorial peças com mais de 10 minutos de duração, um tempo relativamente longo para a internet. As agências VII Photo e Magnum têm trabalhos belÃssimos, mais ligados à tradição fotográfica. Acho que também somos influenciados por uma tradição de documentaristas, fotógrafos e cineastas, e, por que não, romancistas, cronistas. No fim das contas, queremos contar histórias, e estamos explorando os meios que nos parecem mais interessantes.
Vocês partem da fotografia para o exercÃcio da narrativa hipermidiática. Esse tem sido um caminho natural nos Estados Unidos. O último Pulitzer premiou uma fotógrafa que fez um trabalho, fantástico, audiovisual. É esse o caminho para os fotógrafos agora?
Não sei se para os fotógrafos de forma geral, tem muita gente que não quer saber disso, mas achamos que há um espaço a ser ocupado. Nos EUA, há até uma certa pressão sobre os fotojornalistas. Muitos são obrigados pelos jornais a levar câmeras de vÃdeo e gravadores de áudio para a rua. Por outro lado, ainda tem muita gente que não abre mão do filme. Mas não há dúvida que a internet abriu muitos caminhos, e há uma geração de fotógrafos e jornalistas que quer explorá-los. Há uma linguagem a ser desenvolvida, e um público a ser formado – público esse, é bom lembrar, que se habituou rapidamente aos vÃdeos curtissimos do YouTube e congêneres.
Com a internet, os formatos se diluÃram muito, fica difÃcil delimitar os conteúdos. E, se os campos se cruzam, é natural que a fotografia se ligue a outros formatos. As ferramentas são cada vez mais acessÃveis, e o fluxo de informação cada vez maior. Acho que a idéia é achar formas de expressão que se encaixem nesse fluxo, e acho que essa é a nossa busca.
Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelos veÃculos jornalÃsticos online? Você acha que os grandes abrirão espaço para esse tipo de trabalho?
O mercado brasileiro é bem diferente do americano, bem menor, bem mais concentrado, tradicional, familiar, é até injusto comparar. Pelos contatos que tivemos recentemente, percebemos que essa abertura deve começar pelos veÃculos essencialmente online, como os grandes portais. A estrutura dos grandes conglomerados da mÃdia impressa ainda é arcaica, conservadora, pouco atenta à s mudanças. É impensável, por exemplo, uma integração de redações como as que têm passado os grandes jornais dos Estados Unidos. Aqui, impresso é impresso, online é primo pobre, e a lógica nesse caso costuma ser a do máximo lucro com mÃnimo investimento. Mas em algum momento essa abertura vai acontecer. Grande parte do público desses veÃculos têm acesso a banda larga, e há um potencial de geração de receita com publicidade ainda pouco explorado. Quando o primeiro grande veiculo investir, a concorrência vai ter que correr atrás. Acreditamos que, em um momento não muito distante, a produção online vai se dissociar bastante do conteúdo impresso.
É bacana, bonito, mas achei pouco informativo (acabei indo no site tradicional para ler a história completa e entender o que estava acontecendo) e pode ter um problema sério de violação de direito autoral, usa a trilha do Steve Reich e não declara se eles obtiveram permissão para isso. Ainda é muito amador, também, apesar de ser esteticamente interessante.
O problema do amadorismo no Brasil é falta de educação e cultura básica, falta de valores importantes que ainda não foram assimiliados em nossa cultura, como por exemplo, que material que possui copyright precisa ser respeitado. Só uma mudança radical de visão e comportamento pode transformar nossos meios de comunicação e aumentar a qualidade e isso inclui, claro, a remuneração de todos que trabalham com isso.
DaniCast, acho que a proposta é outra: mais sensação sobre aquele momento da cobertura e menos informação, no sentido tradicional, quem fez o que onde e por quê. Nesse aspecto, é bastante bom.
Também acho que vivemos tempos bastante fluÃdos, em que várias barreiras começam a ser diluÃdas, e o copyright é uma delas. A mudança radical de visão deve ser imposta não aos produtores independentes - esses já a têm -, mas à s gravadoras, ao ECAD, aos verdadeiros piratas da comunicação. Na cultura hacker, da troca, não dá mais para aplicar os mesmos dogmas do século passado.
Sobre o caso especÃfico: há uma brecha na lei que permite, para uso jornalÃstico, o uso de trechos de músicas. Há quem use 30 segundos, 1 minuto, 2 minutos. Não precisa da autorização do autor, se o uso for jornalÃstico.
À guisa de uma explicação (como um dos garapeiros):
Dani, primeiro, obrigado pelo comentário, você nos fez pensar um pouco mais sobre as nossas posições. Nós, da Garapa, confessamos que estamos ainda brincando com o formato, explorando as ferramentas disponÃveis. Isso pode (ou não) explicar possÃveis falhas.
De qualquer forma, felizes são os amadores, que fazem o que fazem por amor, e não se preocupam se ele rende dinheiro ou não. Não deixemos que nós, profissionais, que diariamente trocamos esse amor por um punhado de moedas, abandonemos o amadorismo, ou seremos todos pecinhas de um tabuleiro.
A Garapa é um coletivo independente, e isso implica questionar mais do que aceitar.
Quanto à questão legal, nós a vemos mais como uma questão de posicionamento polÃtico. Os direitos autorais são um tópico amplamente discutido, ainda mais com todas as mudanças causadas pela distribuição de conteúdo pela internet. No caso da peça em questão, sim, há uma violação da lei. Mas leis existem também para serem questionadas. Acreditamos seriamente na livre distribuição de conteúdo, em licenças como o Creative Commons, GPL, Copyleft, e pensamos muito sobre o assunto. O Leo, por exemplo, além de garapeiro, é músico, e me pediu para incluir o seguinte:
"Especificamente na música, a falta de debate e o comodismo com as leis existentes propiciam a existência de órgãos como a OMB (Ordem dos Músicos do Brasil), que de forma alguma representam a classe. Infringir normas das quais discordamos é o primeiro passo para modificá-las."
Isso não significa que vamos sair vendendo material alheio a torto e a direito, temos consciência disso. O material que publicamos em nosso site é de total responsabilidade nossa, e assumimos os riscos. Acreditamos também na colaboração propiciada pela rede, e pretendemos aproveitar esse ambiente colaborativo no nosso trabalho, buscando músicas distribuÃdas em Creative Commons, por exemplo, e disponibilizando nosso trabalho sob a mesma licença.
Obrigado mais uma vez pelo comentário, e que siga o debate.
Deak, é bem por aÃ. Abraços.
citando meu amigo e sócio Paulo Fehlauer: "Nós, da Garapa, confessamos que estamos ainda brincando com o formato, explorando as ferramentas disponÃveis."
E confesso que brincar é uma das melhores e mais importantes condições para se trabalhar de maneira honesto, ao menos comigo mesmo.
que siga o debate, sempre!
E já que fiz citação na passagem anterior, faço-o de novo relembrando a estimada Rádio Muda de Campinas, que trazia na capa do folheto distribuÃdo no primeiro FSM: "Piratas são eles que querem o ouro!". E temos dito!
leocaobelli · São Paulo, SP 5/5/2008 17:30
Visitei hoje de manhã e agora à tarde de novo a revista multimÃdia de vocês... Muito inovador o trabalho. Fiquei impressionadÃssimo com o clipe do matadouro. Vi outras coisas bem interessantes também. Recomendo a visita a quem passar por aqui.
Abraços e parabéns pelo projeto colocado em prática!
Em relação a essa discussão sobre direitos autorais que se iniciou, recomendo a leitura deste link, que remete a texto no qual Ronaldo Lemos fala sobre o confilto entre a internet e a legislação. Foi publicado originalmente aqui , por último aqui
O primeiro link é para a publicação intermediária, no site do Ministério da Cultura. O texto foi originalmente publicado no site da própria autora, Ana Carmen. Por último, foi parar no site do Projeto Cultura Livre. Só foi possÃvel que pulasse tanto "de galho em galho" porque todos usam licenças Creative Commons. Assim como a Garapa, até onde entendi (e o Overmundo).
"Se todas as violações de direito autoral fossem parar na Justiça, não haveria como dar conta de tantos processos" - Ronaldo Lemos aqui.
Abraços,
Felipe
Pode ser interessante pular os textos e ir diretamente para a entrevista em vÃdeo do Ronaldo Lemos.
Felipe Obrer · Florianópolis, SC 7/5/2008 21:47Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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