Antigamente, quer dizer, outro dia antes de carrinhos e balanças, nosso paladar era paciente e sazonal, a gastronomia andava em vagões definidos pela natureza e cultura. Não existia coisa melhor que esperar junho para o amendoim, bolo de milho e aipim, cheiro de fogueira com canjica.
Setembro se perguntava, à boca miúda, quantos centos de quiabo a pessoa tinha comprado, caruru bom é de 1000 quiabos para cima, ir ao festejo com três centos de quiabo era certeza de não poder repetir o prato.
“Caruru de promessa†uma ética sobrevoava as ruas, protestantes e alguns católicos catalogavam os eventos e os produtores do “caruru de promessa†avisavam logo: é caruru de promessa viu minha filha! Mão na cintura as negras sábias do candomblé e adeptos balançavam a bunda ao anunciar com orgulho a oferenda pra “cosminhoâ€, olhavam de soslaio os ingênuos que imaginavam ser proibida a degustação do prato por conta de sua ligação religiosa.
Lá em casa Ãamos a todos, eu só não participava da “balburdia†ritual nos carurus de Cosminho. Chamavam-se sete meninos, homens, meninos “catados†na rua, normalmente os pequenos pivetes que perturbam as janelas e telhados o ano inteiro com suas bolas e pedras, sete escolhidos ao redor de uma bacia de barro e depois veio o alumÃnio, fartamente provida dos quitutes do caruru: caruru, vatapá, arroz branco, milho branco(mugunzá), pedaços de cana-de-açúcar, rapadura, feijão fradinho, feijão preto, acarajé, abará, farofa de dendê, galinha, ovo cozido, banana da terra frita, inhame. Um espetáculo de calorias, visto com os olhos de hoje. Meninos a postos, dava-se o sinal, com a mão invadiam o vasilhame, evidentemente existiam itens mais procurados, acarajé e abará em primeiro lugar, vatapá se não tiver molinho, guarda a cana e rapadura no ladinho, prova rápido o caruru, depois de três minutos era Deus que o valha, a meleira jogada em todas as caras, virava brincadeira de criança a meleira, chegou Cosminho e a alegria, para criança não existe asneira , qualquer coisa é brincadeira. Eu menino “educadinho†de alpargatas e camisa branca tinha nojo total, não raro voltava pra casa com fome, “caruru de promessa†era proibido comer de garfo mesmo no prato, eu não conseguia observar aquele espetáculo, dava as costas para o primeiro ato, logo após os adultos misturavam aquelas cores com as mãos e derramavam pela boca em baba de quiabo. Minha mãe com grande maneabilidade, me colocava num canto e arranjava um garfo escondido.(Deu saudade agora de minha mãe, rsrs morreu mainha já, chorei agora).
Hoje todas as sextas-feiras os cartazes imbecis cravados à frente de todo cubÃculo fétido que se intitule restaurante mostram o cardápio do dia: “Comida Baianaâ€, toda sexta-feira imitam e fazem a comida de Cosminho em tigelas inox, separadas e escolhidas cirurgicamente por não menos imbecis mãos com suas colheres metálicas vulgares fabricadas na China de rebarbas que cortam os lábios. No final da linha uma balança avalia a obra de arte no prato branco que se repete em todo lugar.
Setembro se diluiu nas balanças de comida à quilo, amendoins, bolos e milho cozido andam prostitutos em carrinhos de ambulantes. Minha lÃngua não espera e nem tem saudades, e nos restaurantes a história se perdeu, não existe saber como vai se comer, mão ou colher, a preocupação é não perder a “comanda†com o preço impresso de quanto vai se pagar no caruru capenga sem rapadura e sem cana, sem doce e sem graça.
Conheço bem a experiência de "filhinho da mãinha", com a camisa imaculada. A minha está "perdida no espaço", derrotada pelo mal de Alzheimer.
wwwmarcio · Prado, BA 25/11/2014 17:38
Gostei imensamente, Evandro. Você só podia ser da Boa Terra!
Abraços do pernambucano.
Gostei bastante do texto. Aprendi a plantar com minha mãe. Agora, estou de mudança: do apartamento em que moro há dois anos para uma casa arejadÃssima com um enorme quintal. Já comecei a plantar por lá hortaliças de várias espécies. Vou voltar a comer de acordo com as estações :)
Que texto mais sensacional. Adorei e vou compartilhar nas minhas redes sociais.
Paulo Sebin · Londrina, PR 27/7/2015 16:01
Eu lembro muito de minha infância, principalmente quando minha vò fazia aquele
Bolo de Cenoura inesquecÃvel
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