Recupera-se o perdido,
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.
Trecho da Oração de Santo Antônio
Sobre um Amor em Arcella:
Quantos prédios sem memória dormem hoje nas ruas de nossas cidades? São construtos cujo propósito essencial é recordado apenas por uns poucos e, sempre, pela insistência secular do Sol, da chuva e dos ventos, que jamais abandonam um telhado.
Era um dia de calor despertado em céu claro. Abriam-se as primeiras horas da manhã, os pinheiros e os cedros ainda refletiam uns veios de raios de lua que, displicentes, abandonavam para sempre a noite silenciosa. Tudo na cidade parecia fazer justiça ao bom gosto incomparável da natureza... E qual não foi o meu susto ao perceber que em concorrência com a singela igrejinha de Santo Antônio se estende agora uma edificação feia e monstruosa?
O prédio que esmaga a igrejinha é novo e tem a função de acolher os fiéis da paróquia que se expande, devagar e sempre, eu diria, se não fosse pelo empreendedorismo do pároco. Note-se que até mesmo para os franciscanos, no nosso tempo, a economia já vem de longe esvaziada de qualquer sentido aristotélico, digamos assim.
A nova igreja é na verdade um estacionamento de carros onde, talvez por um mero acaso, no segundo andar, realizam-se celebrações religiosas. Em resumo: case-se hoje ali em companhia dos fuscas e das pick-ups.
Mas não seria esse, nem de longe, o cerne da questão.
Acontece que lá volvem os anos e permanece a igrejinha de Santo Antônio, testemunha do nascimento, da infância e da maturidade da cidade de Teresópolis.
Já um dos pioneiros dessas bandas, o ilustre George March - que era português apesar do que o seu nome nos conta - ergueu na vizinhança do cemitério de sua fazenda a Capella de Santo Antônio do Paquequer, com o intuito de que os trabalhadores mortos se fossem com Deus “como é a regra na roçaâ€, segundo o historiador Armando Vieira. E dessa construção todos os sinais foram engolidos pelo tempo.
Logo mais tarde, em favor da perenidade do padroeiro e do amor que nutria pela mulher cristã, o anglicano Henrique Sloper construiu, na avenida principal, a atual Igreja de Santo Antônio do Paquequer. O marido apaixonado, para cumprir a promessa de um eterno donativo à memória da esposa, cedeu à paróquia, além de recursos para a obra, uma extensão do terreno de sua chácara particular. E justamente essa residência (pobrezinha!) tem hoje os seus jardins enfeiados pelo templo rival à igreja que, apesar de novo, é anacrônico... E de um gosto indubitavelmente horroroso.
É uma pena que os cristãos não admitam certas doutrinas... Do contrário o Monsenhor responsável pela façanha arquitetônica não deixaria de ouvir, nas altas horas da madrugada, o bondoso Henrique Sloper revolvendo-se em seu túmulo de tanta indignação. E quem dirá o que pena, no além, o sensibilÃssimo Anton Floerder? Este talvez sofra mais porquanto foi o arquiteto responsável pela construção desse testemunho de amor tremendamente aviltado pelo mau gosto das gerações posteriores.
Miguens,
É mesmo. Esta vocação para o favelopolitismo é bem brasileira e veio pra cá num navio destes, com certeza.
Já vi lugares em que a mais Ãnfima ruÃna dos bombardeios da 2a guerra são preservados. Já vi em outros prédios do ano 900!
A emoção que sentimos ao ver a história, o nosso passado mais remoto vivo é indescritÃvel. Tanto quanto a estupidez destes modernosos kitschs, que destroem toda a beleza daquilo que não conseguem entender por estupidez.
É realmente lastimável macular um cenário com o mau gosto de uma "combinação" arquitetonica que em absolutamente nada acompanha a singeleza do que foi erigido no local há tantos anos. Conheço a igreja de Sto Antonio há mais de 50 anos, fui batizada nela. Muito me entristeço quando passo por lá e me deparo com a discrepância daquele visual. atual.
siqueira,solange · Teresópolis, RJ 22/3/2009 16:22Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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