Para o pessoal do Forninho, uma sacola de papel é muito mais que uma sacola de papel. É um meio de comunicação, uma forma de saciar não apenas a fome física (afinal, é a embalagem do pãozinho que se compra na padaria), mas também a “fome” de informação.
O jornal Forninho é impresso em sacos de papel, que circula em padarias da Grande Vitória, substituindo os tradicionais “sacos de pão”. Com distribuição gratuita, atendendo 120 padarias da região, o Forninho chegou à 26ª edição no final de 2006, trazendo informações de utilidade pública, saúde, educação e cidadania (na “capa” do jornal) e matérias voltadas ao turismo, cultura, entidades sociais e projetos do poder público e privado de interesse geral (na “contracapa”, ou seja, no verso da sacola). Artistas locais, programas de rádio, sites, livros, cds, filmes, espetáculos teatrais, shows musicais e exposições de artes visuais são assuntos constantes no periódico, que destaca ainda as manifestações tradicionais da cultura popular (artesanato, folguedos e festividades).
O Forninho circula mensalmente em quatro dos sete municípios da região metropolitana da Grande Vitória (Vitória, Cariacica, Vila Velha e Serra, onde o projeto está sediado). Realizado pela Elo de Comunicação, o projeto atinge uma tiragem média de 250 mil exemplares. Idealizado por Fábio Santana, atual coordenador da iniciativa, o Forninho foi buscar inspiração nos antigos almanaques, geralmente patrocinados por produtos farmacêuticos, como elixires e biotônicos, tão comuns na primeira metade do século XX (e que tiveram um breve revival nas décadas de 70 e 80).
Ao resgatar o conceito desses almanaques, de forma a suprir uma lacuna existente na difusão de informações de utilidade pública e cidadania, Fábio pensou num suporte que pudesse chegar, de forma gratuita, na maioria dos lares, principalmente nas classes sociais menos favorecidas: daí a idéia de um informativo impresso nas sacolas de pão, cuja própria rede de distribuição fosse a das padarias dos bairros. Esse formato de mídia alternativa caracteriza o Forninho desde o início do projeto.
A primeira edição foi lançada em novembro de 2003, atendendo doze padarias, numa tiragem de 12 mil exemplares. Nas palavras de Fábio: "Eu sempre enxerguei a sacola de pão como um meio de comunicação. Em diversas partes do País, algumas pessoas usam o embrulho para divulgar poesias, receitas e a propaganda da própria padaria. No Forninho, eu juntei tudo isso em uma coisa só". Com a apropriação do provérbio, poderíamos aqui subvertê-lo para “Cultura põe a mesa, sim senhor”.
Inicialmente editado a cada 20 dias, o projeto enfrentou alguns obstáculos, tanto referentes à qualidade do produto (apenas a partir da terceira edição foi encontrada uma gráfica, em São Paulo, que garantisse boa qualidade de impressão, sem afetar os alimentos que viessem embalados dentro do Forninho), quanto relativos à concorrência dos fabricantes de sacolas de papel — durante os dois primeiros anos, o jornal teve parte de seu preço de custo (35 reais o milheiro) subsidiado pelos responsáveis, que o revendiam por 33 reais aos donos de padarias e estabelecimentos comerciais, de modo a conseguir ampliar sua rede de distribuição. A receita do periódico, por conta desse subsídio, passa a vir então dos anunciantes, em sua maioria comerciantes e prestadores de serviço locais. Por vezes, órgãos públicos também anunciam, em troca da divulgação de atividades de interesse público por eles promovidas (saúde, educação e cidadania). Atualmente, o Forninho é revendido às padarias pelo preço de custo, sem o desconto dado inicialmente.
Com a chegada do produtor Ivan Pereira ao projeto, e com um trabalho mais voltado à difusão da cultura local nas páginas do periódico, o Forninho ampliava o seu alcance: em novembro de 2004, já circulava em 80 padarias, com periodicidade quinzenal e tiragem superior a duzentos mil exemplares. Nessa época, a Elo de Comunicação promoveu, na Assembléia Legislativa do ES, um ciclo de debates acerca da relação entre o artista capixaba e as mídias alternativas, como parte das comemorações de dois anos do veículo.
Tempos depois, o Forninho deixou de ser quinzenal, uma vez que a dificuldade em fechar a veiculação de alguns anúncios (os clientes por vezes demoravam a decidir, comprometendo a receita do periódico) ocasionava o atraso no fechamento da edição. Alterando a periodicidade para mensal, garantiu-se a viabilidade da empreitada, aumentando inclusive sua credibilidade junto às pequenas padarias de bairro, que muitas vezes haviam substituído totalmente as tradicionais sacolas de papel genéricas pelos exemplares do Forninho, e não podiam recebê-lo com atraso, sob o risco de perderem seus consumidores.
A equipe envolvida é bastante reduzida: além de Fábio e Ivan, há ainda uma secretária, um ilustrador, um jornalista responsável e uma pessoa que cuida da distribuição junto às padarias.
Uma série de promoções buscando maior interação entre o jornal e o público leitor também aumentou a popularidade do jornal, atingindo, em 2006, tiragens de 300 mil exemplares, distribuídos em 100 padarias. Apenas para efeito de comparação, são 870 estabelecimentos comerciais similares em toda a Grande Vitória, que conta com cerca de 1,5 milhão de habitantes.
Uma curiosa estratégia promocional consistia na realização de sorteios de brindes com base no envio de cupons respondendo perguntas sobre artistas locais. Os prêmios incluíam principalmente cds, livros e ingressos para espetáculos locais, destinados não apenas aos leitores contemplados, mas também o atendente da padaria que vendeu o produto que fora embrulhado no Forninho. O resultado dos sorteios ia ao ar no programa Coisas do Brasil, na Rádio Universitária FM, tradicional nos segmento de samba e pagode, contando com grande audiência nas camadas mais populares da Grande Vitória. Mais recentemente, os sorteios passaram a ser realizados durante o programa Conexão Vestibular, na mesma emissora.
Outra iniciativa consistia na distribuição de ingressos para shows e espetáculos teatrais para os donos de estabelecimentos comerciais e seus funcionários, pessoas que muitas vezes possuíam pouco ou nenhum acesso ao produto cultural capixaba, tão promovido pelo Forninho em seu estabelecimento. A resposta foi muito positiva, de modo que, após os espetáculos, os funcionários ficavam mais empenhados a aderir à causa cultural defendida pelo periódico e estimular a população dos bairros a conhecer melhor os conteúdos abordados pelo jornal.
O passo seguinte, com o aumento da demanda, seria a realização de edições voltadas para cada município, editadas simultaneamente, de modo a fazer uma divulgação localizada das ações culturais e de cidadania, além de potencializar o resultado dos anunciantes junto a seus públicos locais. No final de 2006, experimentou-se um piloto da idéia, com a circulação de uma edição exclusiva no município de Cariacica, em parceria com a administração municipal. Neste exato momento (fevereiro de 2007), os responsáveis pelo projeto buscam parcerias junto às outras prefeituras, de modo a poder dar início, a partir de abril, à ambiciosa empreitada dos Forninhos “simultâneos”.
Um segundo braço do projeto é o portal Culturartes (site em construção), uma parceria da Elo de Comunicação com o Instituto Cidades, Sebrae, Prefeitura Municipal de Vitória e Governo do Estado do Espírito Santo, além do apoio logístico da Universidade Federal do Espírito Santo (através da Fundação Ceciliano Abel de Almeida). O portal irá disponibilizar, na internet, um vasto repertório de informações sobre as iniciativas nas áreas de cultura, turismo e terceiro setor que são realizadas no Espírito Santo. O projeto foi lançado no dia 31 de janeiro, e o site, que pretende reunir um amplo banco de dados acerca dos artistas e produtores em atuação no estado, como também de seus produtos, serviços e convênios (o “Cardápio Cultural”), deve ir ao ar em abril de 2007.
A parceria institucional, nesse caso, permite que possam ser pensadas, a médio prazo, ações conjuntas envolvendo os órgãos públicos, em especial ampliando o alcance do produto cultural local em ações voltadas para o turismo e para o terceiro setor, campos potenciais para a geração de negócios junto aos agentes culturais.
A idéia do Culturartes surgiu exatamente no momento em que a equipe do Forninho, ao buscar divulgar a diversidade da produção capixaba, diagnostica a dificuldade de diálogo entre os artistas/agentes e determinados setores que em muito poderiam alavancar a economia da cultura na Grande Vitória, em especial o terceiro setor (uma vez que muitos artistas locais acabam indo trabalhar em projetos sociais, como fonte principal de suas rendas). O mesmo poderia ser aplicado aos órgãos públicos voltados para a promoção do turismo, que no Espírito Santo raramente envolvem os agentes culturais locais em seus projetos, alegando a inexistência de bancos de dados que permitam localizar e estabelecer contato com esses agentes. O portal Culturartes propõe-se a ser mais um canal de diálogo entre essas instituições e as entidades de classe, agentes, artistas e produtores, de modo que há uma grande expectativa por parte dos envolvidos no sucesso dessa empreitada nos próximos anos.
Nesse caso, a internet pode representar um espaço bastante propício para fazer do Culturartes o tão sonhado “espaço de referência”, tanto para gerar oportunidades de negócios para artistas locais, quanto para funcionar como um ponto de encontro capaz de fornecer informações sobre iniciativas sustentáveis que envolvam os produtos locais. Por exemplo, divulgando não apenas projetos culturais de terceiro setor e possíveis patrocinadores dessas iniciativas, mas também datas de editais, concursos e leis de incentivo, além de fornecer um “passo a passo” para formatação de projetos, contribuindo para a capacitação desses agentes/artistas/produtores. Há ainda a intenção de criar um fórum virtual para debate de idéias acerca do cenário capixaba, aberto à participação dos visitantes.
Por fim, o projeto prevê a inauguração de uma loja virtual, na qual estarão disponíveis serviços e produtos locais, além de convênios com empresas e fornecedores diversos. Essa loja, numa espécie de desdobramento do “Cardápio Cultural”, possibilitará ao projeto gerar uma receita que garanta sua independência, após o término dos convênios institucionais que atualmente o patrocinam.
Apesar de não operar com a licença do Creative Commons, ou com algum formato explícito de flexibilização de direitos autorais, ambos os projetos aproximam-se das características do Open Business por trabalhar com uma estrutura de sustentabilidade econômica a partir da ampliação do acesso à cultura, trazendo informações acerca do cenário artístico local, do turismo e do terceiro setor, além de itens de utilidade pública para camadas sociais que dificilmente teriam algum contato com esse material.
A experiência do Forninho fez com que Fábio e Ivan buscassem uma série de estratégias criativas para tentar atingir o objetivo de difusão do produto cultural junto às diversas camadas sociais da população capixaba. Afinal, apesar de um certo “boom” na mídia nos últimos sete anos, capitaneada pelas vendagens de cds independentes de bandas locais, essa produção ficava restrita a uma parcela privilegiada da população, aquela que habitualmente lê jornais, freqüenta teatros e espetáculos musicais, vai aos lançamentos de filmes e vídeos e exposições de artistas locais. Ao buscar ampliar o acesso de outras classes sociais a esse produto, a equipe do Forninho percebeu que não bastava fazer essa informação chegar de forma impressa, mas que também era necessário estimular a participação de todos os envolvidos no processo, incluindo os comerciantes e atendentes, que lidam diretamente com o público-alvo, e que em muito poderiam contribuir para que essa “multidão” pudesse se sentir próxima da cena cultural capixaba.
Num segundo momento, eles sentiram a necessidade de atacar em outra frente: a de dar visibilidade a essa produção junto a possíveis apoiadores. É aí que reside o risco e a ousadia do portal Culturartes: como fazer para reunir num único lugar uma parcela representativa dos agentes culturais de um Estado? Afinal, estima-se que de 8 a 12 mil pessoas vivam da atividade artística no Espírito Santo. Além disso, como convencer o empresariado a apoiar esse tipo de produto? Como fazer de um site de internet uma oportunidade de negócios? Bem, eles já conseguiram enxergar uma boa oportunidade numa sacola de pão. Quem sabe não exista outra em meio ao universo da world wide web?
Muito boa a lembrança do Forninho. Sou fã incondicional do trabalho do Fábio e do Ivan, que não se restringe ao Forninho, mas também à realização de encontros, palestras e mesas redondas sobre cultura e mídia, além da batalha pela rede de cultura. Parabéns pela matéria, Babe.
Ilhandarilha · Vitória, ES 14/2/2007 10:05
Puxa!
Fiquei na vontade de ler o Forninho!
E ainda por cima evitam-se as sacolas plásticas!
Muito bom, muito bom mesmo... que projeto bacana. O Forninho podia extender para outros estados, a idéia é sensacional.
Abraços
Yuga
Sensacional! Fecho com o Yuga: essa idéia TEM que se estender para outros estados!
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 16/2/2007 07:03Olá Erly, isso é sensacional, idéia de gênio, porém em SP não temos algo parecido. Infelizmente. Talves isso já faça aparecer uma lâmpada na cabeça de algumas pessoas por aqui. Legal. Continue nos trazendo coisas ótimas. E obrigado pelo 'Grinalda', o programa já está a caminho. Abraços.
marquinhus.doc · Guarulhos, SP 16/2/2007 09:29Parabéns ao Erly e ao Fábio. A iniciativa é ótima e bem bolada.
Paulo José · Alto Paraíso de Goiás, GO 16/2/2007 09:51Adorei todas as idéias dessa trupe. Parece-me que foi muito bem planejada, desde o inicio com o saco de pão até os outros projetos. Acredito que site culturartes será precioso à população local em geral, comunidade, artistas e visitantes.
Ana Paula Sant · Cuiabá, MT 16/2/2007 09:57Este é o tipo de idéia que deveria ser copiada...
Talita Bagnoli Ribeiro · São Paulo, SP 16/2/2007 10:20Concordo com todos, a idéia é genial, como o projeto é de extrema relevância para a cultura brasileira e popular, em especial nos rincões onde ainda não chega internet e outras formas de mídia. Por isso deixo aqui uma sugestão meio maluca: por que não procurar grandes indústrias de celulose (Klabin, Votorantim e outras) e propor o patrocínio de um projeto nacional para imprimir o Forninho diretamente em papéis destinados a embrulhar pão, carne, verduras, sacos de cimento, etc. Já pensou o alcance e a capilaridade desta mídia? Não fosse o nosso índice de analfabetismo ainda tão alto, seria quase tão poderosa quanto a TV. Parabéns aos capixabas e ao pessoal do Forninho em particular. Abraços.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 16/2/2007 10:55
Que iniciativa interessante!
Como todos aqui se pronunciaram, também sou da opinião de alastrar essa idéia!
Assisti uma palestra do Benjamin Taubkin no VI Mercado Cultural em dezembro de 2005, Salvador, ocasião que ele comentou que havia um jornal cultural que circulava numa embalagem. Acabei não anotando o nome, mas lendo agora a matéria, lembrei que era sobre o Forninho. Uma iniciativa construtiva 100%. Orgânica 100%. E me fez um bem danado ler isso! Parabéns!
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 17/2/2007 16:16A idéia é mesmo muito boa. Me agrada bastante a idéia de atingir o público com estratégias de comunicação alternativas. A inicviativa poderia se expandir para outros estados...
Pedro Vianna · Belém, PA 17/2/2007 19:29
isso quer dizer que eu compraria meu pão e ainda teria algumas informações?
deus salve essa rapaziada
Erly, muito bom o texto. Mesmo sendo longo, tem um ritmo que não deixa o leitor perder o fio da meada. Assim como outras pessoas que já comentaram, fiquei com vontade de ver essa idéia replicada aqui em Floripa (e no Brasil inteiro). É uma proposta diferente mesmo. Muito original.
Parabéns pela divulgação.
Abraço.
A idéia é demais! super criativa e empolgante. O texto super bem escrito!
gostei muito!
Bem feita a matéria. Já havia conhecido o forninho, é genial!
Muito criativo e relevante...
Abraços.
Fábio e Ivan são batalhadores culturais que precisam do apoio. Viver - ao menos, sobreviver - de cultura neste país é algo dificílimo.
Espero que o Culturartes, para nascer e crescer, aproveite as experiência com o Forninho. Projeto q
Continuando o comentário acima:
...aproveite as experiência com o Forninho. Projeto que apoiei como pude em site que editei, sozinho, por quase três anos, o www.meujornal.net
Culturates vai precisar de muito, MUITO trabalho.
Boa sorte ao Fábio, Ivan e a todos que partem para mais uma tentativa de digna organização e profissionalização do meio artístico, cultural e do terceiro setor do Espírito Santo.
Eu adorei a matéria sobre o Forninho, por que eu conheço de perto, pois, lá na padaria do meu bairro tem e eu não deixo de ler.
Luinha · Vitória, ES 22/2/2007 20:43
Parabéns ao Erly e toda a turma que sempre contribuiu conosco para realizar o FORNINHO. Agradecemos os comentários e a votação expressiva.
Em maio o FORNINHO estará cheio de novidades e a principal é a versão municipal do informativo: cada cidade terá uma edição exclusiva.
Um abraço a todos!
Fábio Santana
O Forniho é gGenial, revolucionário e democrático. Depois do Forninho agora a mais nova idéia genial de Fábio Santan é O Culturartes. Oh... Espírito Santo abençoado.
Parabéns Erly, não só pelo texto bem escrito, como também pela significativa escolha do assunto.
Forninho: alimento sempre quente e saboroso para o espírito. Gostei deveras...
Remisson Aniceto · São Paulo, SP 2/8/2007 08:09
O Forninho acaba de ganhar o prêmio Orilaxé 2009, do Centro Cultural Afroreggae. A premiação foi hoje, no Rio de Janeiro. Parabéns a todos! Mais info na Agenda do Overmundo:
http://www.overmundo.com.br/agenda/forninho-recebe-premio-orilaxe
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