Brasileiro é apaixonado por carro, uma rede de postos de gasolina inclusive explorou essa idéia em uma campanha, homens em especial são fascinados. Claro que há exceções, mas desde pequenos somos programados para tal, ganhamos carrinhos dos mais diferentes tamanhos, formatos e funcionalidades; enquanto que as meninas ganham bonecas: Meninos são programados para terem carros bonitos e velozes, enquanto as meninas a serem bonitas e férteis.
Apesar da falta de condições da população em geral em propriamente ter um carro, a cultura do carro é forte no Brasil, incentivada por figuras como Paulo Maluf e suas obras que restringem ou totalmente negam o transporte coletivo. Portanto, mesmo que não cheguem a ter, a grande maioria deseja um carro.
Eu sou um sujeito peculiar, e para tal queria um carro que refletisse minha personalidade. Meu gosto variou um pouco ao longo dos anos, mas algo que acabou colando foi o amor aos carros antigos nacionais: Fusca, Variant, Dodge Dart, Rural, e por aà vai. Além do gosto que tenho por história, creio que há uma forte dose de nostalgia, pois esses eram os carros que povoavam minha infância.
Quando finalmente me senti em condições de ter um, comecei a buscar meu carro. Olhei vários: Fuscas, Variants, TLs e Escorts conversÃveis entre eles. E foi então que de presente um Del Rey caiu em meu colo. Nunca tinha sequer contemplado um Del Rey, e foi quando decidi pesquisar um pouco a respeito dele.
E na verdade, Del Rey é um dos carros mais importantes da indústria automobilÃstica brasileira.
O sonho (ou ilusão) de muitos ingressantes no curso de Desenho Industrial é projetar carros. Basta ver a quantidade de modelos e ilustrações de carros que vemos em exposições de faculdades. Depois cai a ficha: Não há espaço no mercado nacional. Na verdade há, mas é super restrito. Eu tive esse sonho, mas ele não durou até o vestibular. Um colega de faculdade meu que era fascinado pelo assunto e desenhava como ninguém acabou trabalhando em uma empresa que fabrica acessórios para carros pré-existentes.
Vejamos algumas grandes marcas nacionais: Puma, Miura, Troller e Gurgel. Qual o espaço que elas ocupam hoje no mercado? Puma e Miura sumiram depois da abertura desenfreada de exportações, fato que combinado com o massacre das grandes montadoras ajudou a colocar a lápide sobre a Gurgel. A Troller, que surgiu depois desses eventos, está por aÃ, mas atentendo a um nicho, que enquanto a moda de carros grandes durar, na verdade é bem grande. Nossa paixão por carros é tão grande que pagamos caro por recursos que nunca usamos.
Montadoras internacionais e transnacionais como Honda e Citröen colam adesivos alardeando “100% Brasileiroâ€; o que é uma grande enganação: Civics, Vectras e Megánes não são carros brasileiros. Robôs instalados aqui e operados por homens chamados Jurandir podem montá-los, mas de onde veio sua criação? É o mesmo que dizer que o Código da Vinci é um livro brasileiro só porque foi impresso aqui.
Quais são os carros de linha que vemos hoje que são projetos 100% brasileiros? Eu na verdade diria nenhum. Mesmo um carro como o Celta, que foi de fato projetado aqui na verdade segue regras de marca pré-estabelecidas pelos escritórios internacionais das montadoras. Nem quando nos concedem a honra da criação temos a liberdade para inovar. E mesmo quando é o caso, é para modelos básicos da linha.
Daà a importância do Del Rey, um carro com o mérito de ser o primeiro carro a sair com trio elétrico de série no paÃs. Confesso que minha pesquisa pode não ter sido perfeita, portanto posso estar errado ao dizer que ele foi o único carro top de linha 100% projetado no Brasil; e se eu realmente estiver errado, digo que no mÃnimo foi o último. Engana-se quem pensa que o Santana é um projeto nacional, ele, apesar de ter uma cara brasileira própria, é derivado do desenho do Passat alemão; o mesmo ocorre com o Opala, um filhote do Opel Rekord.
Desde então somos sujeitos a projetos alheios, que são trazidos diretamente ou levemente reestilizados para atender particularidades de mercado. Creio ser uma extensão do que disse no meu texto anterior: A necessidade de validação internacional. Não acho que é tudo culpa de montadoras malignas. O brasileiro parece não confiar nos próprios projetos, adora um importado, talvez porque adore uma gambiarra na hora de fazer as coisas. Como a cultura tuning, que para mim é uma série de gambiarras industrializadas.
Embora eu reconheça que alguns projetos envolvidos nesse esquema tuning sejam de fato projetos, a maioria é na tentativa e erro, ninguém senta para pensar a respeito do que quer fazer no carro, não há um objetivo. O que acho mais interessante é chamar tudo isso de carros personalizados. Desde quando colar em um carro produzido em massa um monte de peças plásticas e luzes produzidas em massa é torna-lo único? Algo único é algo pensado e criado, não algo juntado.
Sentar e pensar não é fácil. Pensar em um carro, uma máquina complexa cheia de partes móveis que se mal projetada pode matar pessoas deve ser muito difÃcil, e curvo-me ante aqueles que conseguem fazê-lo bem. Graças a problemas enraizados culturalmente e de polÃticas idiotas que trazem a tecnologia pronta ao invés de incentivar seu desenvolvimento, ficamos nessa situação, onde até copiando os chineses se saem melhor: Está para chegar aqui o Chery QQ, uma cópia do Chevrolet Spark. E nós vamos comprar.
Daà veio meu orgulho pelo Del Rey, que apesar de tudo isso que disse acabei abrindo mão. Como falei, são poucos aqueles que conseguem ter um carro, muitos apenas usam um carro (há uma enorme diferença). E sendo que adoramos gambiarra, o carro estava cheio delas, era economicamente inviável deixá-lo da maneira que eu gostaria: O mais original possÃvel. No final, fiquei com um Ka, projetado por um americano.
Bônus: VÃdeo da primeira propaganda do Del Rey.
Esse texto fecha uma trilogia de necessidades nacionais. Os outros são:
Da necessidade de cliches nacionais.
Da necessidade de café nacional
Outras continuações podem rolar no futuro, mas não tenho nada planejado.
Daqui a pouco você monta um verdadeiro estatuto, Fernando! (risos)
Muito legal!
Hehehe, pois é. E só agora me liguei de criar uma tag "necessidades-nacionais". Assim me preparo para futuros devaneios no assunto.
Fico com medo das pessoas acharem que sou um xenófobo protetorista por conta desses textos, mas quem me conhece sabe que não é por ai.
Eu ganhei uma bola quando pequeno, acredito que essa é a 1 opção no Brasil.
Bacana o texto Fernando.
Quando criança, meu pai teve uma BrasÃlia, um Puma e um Del Rey, nessa ordem. Ele, até hoje, diz que o Puma foi o melhor carro dele, que nunca quebrou ou o deixou na mão.
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 2/2/2007 14:53muito bom seu texto, fernando. o exemplo do livro é perfeito!
toinho.castro · Rio de Janeiro, RJ 3/2/2007 21:57Olha só, não é que foi publicado e ainda por cima eu gostei, tive que rir quando li sobre a ilusão dos futuros desenhistas, mas é um bocado triste essa situação.
LetÃcia Lins · São Bernardo do Campo, SP 3/2/2007 23:25Andei num carro da Gurgel, muito gostoso. Mas qual seria a cara do carro brasileiro num mundo globalizado? Partiria de modelos do Gurgel? Se a empresa de aviões brasileira já enfrenta probblemas no comércio exterior devido a concorrência, uma empresa nacional de carros, acredito que teria muito mais problemas. Mas seria interessante andar numa tecnologia brasileira e movida a álcool.
Marcelo Torca · Paulicéia, SP 4/2/2007 10:14
Del Rey é o carro da minha vida, como nota quem vai ao meu site (link no perfil).
Matéria foda.
Apesar de o modelo dos carros não ser nosso, vale lembrar que a tecnologia bicombustÃvel (mais conhecido, irônicamente, como flexfuel) é 100% brasileira. Talvez tenhamos algum espaço aà ainda.
Acho que os projetos brasileiros foram esmagados pela globalização. A culpa nem é tanto dos consumidores brasileiros que preferem o de fora (provavelmente isso também), mas também dos investidores nacionais, quwe geralmente não estão dispostos a colocar muita grana em um projeto desse porte.
Me lembro que vi uma palestra com o Ozires Silva, primeiro presidente da Embraer, e ele falou que o principal obstáculo que a empresa já enfrentou foi achar quem investisse num projeto nacional. Ele falou se hoje, mesmo com o sucesso da empresa, alguém procurasse investidores nacionais para montar avião, não acharia, simplesmente porque os grandes grupos nacionais não acreditam na capacidade de desenvolvimento tecnológico do paÃs.
BR 800 , ainda vejo alguns por aih , ouvi falar que a filha do Gurgel ia fazer um documentário sobre a trajetória do pai e da fábrica.
No mais me corrija seu eu estiver errado G8
Japão - Toyota e Nissan
USA - Chrysler Ford
Italia - Fiat
França - Citroen Peugeot Renault
Inglaterra - Rolls royce Jaguar Mini
Alemanha - Audi Volkswagen
Canada - Bombardier (?)
Russia - Lada
Mário, de fato a questão é mais complexa do que a vontade dos consumidores. Na verdade ela provavelmente é conseqüência de outros eventos como esses que você mencionou, mas só ajudam a manter a situação atual.
Duda, legal essa listagem. Creio que é isso mesmo, mas hoje em dia é um pouco mais complicado pois muitas marcas são parte de conglomerados maiores, estou esquecendo algumas, mas o que lembro de cabeça é:
Daymler-Chrysler (Americo-Alemã) detem as seguintes marcas: Mercedes, Smart, Chrysler, Mini, Jeep e Dodge.
Fiat (Italia) detém: Ferrari, Fiat, Lada, Lancia.
Toyota (Japão) detem: Toyota e Lexus.
Nissan (Japão) detém: Nissan e Infinity.
Volkswagen (Alemanha) detém: Volkswagen, Audi, Lamborghini e Bentley.
General Motors (EUA) detém: Chevrolet, GMC, Pontiac, Opel, Holden, Vauxhall, Cadillac e um monte de outras.
Ford (EUA) detém: Ford, Mercury, Lincoln, Land Rover, Aston-Martin, Jaguar, Mazda e Troller.
Isso mesmo, descobri que o texto está um pouco defasado, a Ford comprou a Troller a cerca de um mês. Como isso afetara o projeto e a produção do Jipe ainda veremos.
Parabéns pela matéria, ja fui usuário de Del Rey, era o máximo, embora jovem, me dissessem que era carro de velho.
Camafunga · Pelotas, RS 5/2/2007 19:48
Alguém saberia dizer se Canada e Russia fabricam automóveis ? Pois esses parecem os únicos do G8 a não fabricarem é isso ?
O Canadá não possui, com certeza. Se não me engano tem muitas fébricas americanas lá, mas nada deles mesmo.
A Rússia eu não sei. Nem sabia que a Lada agora era da Fiat.
A trilogia não foi o final!
As necessidades continuam aqui.
Sou mais favorável ao transporte coletivo, de preferência com energias não poluentes. Automóveis poluem e causam aquecimento global. Como em todas as outras coisas, claro, o Brasil nem discute isso...
DaniCast · São Paulo, SP 4/5/2007 21:49Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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