O cantor alagoano Wado surgiu aos meus olhos, ou seriam ouvidos?, no ano de 2001. Naquela situação o cantor dava os primeiros passos em direção a carreira solo após um período de atividades junto a sua antiga banda, Santo Samba. Se bem me lembro a primeira canção de Wado que ouvi foi Ontem eu sambei, a música me chamou atenção em meio a tantas outras da coletânea encartada numa já falecida revista de música independente. O saculejo e a viagem visual propostos pelo sambinha serviram de refresco em meio a confusão sonora típica de toda coletânea. Fiquei curioso e, depois de uma busca apurada por lojas e sebos consegui encontrar o disco Manifesto da arte periférica.
O álbum de estréia é curto e grosso. Vale a pena registrar que a produção é assinada pela dupla, também alagoana, Sonic Júnior. Ao contrário do que se pode imaginar a partir do título, o disco não tem o menor tom panfletário. Os arranjos são soltos e as letras passam longe de qualquer discurso chato e convencional. A proposta é de uma arte periférica recheada de leveza e paixão pela vida. Em “Alagou as”, Wado canta: “Os rios são as veias da terra / a terra é um Rei de sangue azul. / Alagou as terras do meu coração / molhou, encheu de lágrimas”. Em seguida recita o desejo de aproximar a margem e centro, “levanto esta bandeira, a bandeira da diversidade, dos compositores de bairros distantes. Levo esse estandarte”. Acho que essa idéia sintetiza bem o tom do manifesto que vem embalado em ilustrações assinadas pelo próprio Wado.
Continuei na busca por novidades sobre o músico. Tive a sorte de assistir a um show aqui no Rio e logo depois encontrar Cinema Auditivo. O segundo álbum do artista mergulha fundo em duas direções opostas: O disco é ainda mais singelo, em músicas como Poema de Maria Rosa, e ainda mais gingado/pesado como em Tarja preta, onde o cantor alerta: “Esse funk é tarja preta, remédio forte”. De fato, a química desse som é pesada, mas sem contra indicação para qualquer idade, sexo, cor ou religião. No velho esquema boca-a-boca falei e mostrei Wado pra vários amigos. Tenho, inclusive, um carinho especial por esse disco que me ajudou a conquistar uma grande paixão na época.
Realismo fantástico, além de um estilo literário, batiza a banda com que Wado gravou A farsa do samba nublado (2004). Neste disco as guitarras e distorções aparecem com mais intensidade, em contra-ponto, também é perceptível uma maior apuração poética. Talvez nem exista essa pretensão, mas alguns dos jogos poéticos construídos por Wado e seus parceiros lembram bons momentos de compositores como Chico Buarque e Arnaldo Antunes. Digo isso porque existe na música de Wado um traço de crônica e uma elaboração lírica muito visual. Escuto os discos e vejo cenários de Alagoas, do Rio de Janeiro, é o que acontece com a audição de Carteiro de Favela:
“Era carteiro de favela, que coisa bela, que contradição.
Rua sem nome, beco, viela, pulando esgoto minha função
Faltando dado, número errado, uma labuta, sorte e viés
De rosto em rosto vida novela, e calo nestes pés
No fim do dia uma cerveja no bar e o coração tranqüilo
No fim do dia uma cerveja no bar e meu dever cumprido”
A boa surpresa foi receber a notícia do lançamento de um disco novo. Soube que, depois de andar um tempo entre Rio e SP, Wado havia voltado para Alagoas, tinha encontrado velhos amigos músicos e estava botando mais um trabalho na rua. Terceiro mundo festivo começa na cadência das obras passadas, mas vai crescendo faixa a faixa e revela um Wado como ele nunca foi. A nova roupagem agrega, fundamentalmente, elementos de música eletrônica. Seja com pequenos ecos do bom e velho funk carioca, seja com as timbragens de bateria que nos remetem a boas produções de rap americano. Pouco a pouco o disco vai correspondendo ao subtítulo Brazilian electro / Funk / Disco / Reggaeton / Afoxe.
As letras expõe Wado como um compositor, no melhor sentido da palavra, maduro. Os calos adquiridos na intensa carreira são poeticamente cantados do início ao fim do disco. O descontentamento com a indústria fonografia surge na seqüência Reforma agrária do ar/Fita bruta. Nas duas canções o que fala é a voz do artista tolido pelo contexto que cerca os processos de escoamento de sua arte. A reforma agrária se coloca “contra o artista mudo, contra o ouvinte surdo é contra o latifúndio das ondas do rádio”, ao passo que a poesia de Fita bruta detona: “Ficamos na fita bruta que algum filha-da-puta decupou. Não entramos na comédia e é preciso fazer média com o maldito diretor”.
Mais uma vez, a exemplo do primeiro disco, engana-se quem imagina que o manifesto soe em tom de lamurio. O mérito de Terceiro mundo festivo é ser um disco contemporâneo, que diz respeito ao hoje, e tem prazo de validade indeterminado. Não é inocente, mas é leve. Não é panfletário, mas é posicionado. Não é revolucionário, mas é pertinente. Por fim, entre negações e afirmativas, é um disco que celebra nossa vocação para a festividade. Soa como uma boa conversa de botequim, mesclando papo sério e brincadeira, sempre ao som de um batuque que faz até mesmo o ouvindo mais desritmado a bater o pezinho na cadência bonita do nosso electro / Funk / Disco / Reggaeton / Afoxé. Viva Wado!
Todos os discos estão disponíveis para download no site oficial de Wado.
Oi, amo música e sou de São João de Meriti como vc, quero pedir sua atenção pra te apresentar uma dupla e sua dançarina mumia, e sua história, aproveita e vota, pode deixar um comentário pra saber sua opinião!!! Boa sorte.
o atalho...
http://www.overmundo.com.br/overblog/a-verdade-sobre-perebah-jair-1
Um meritiense tem que apoiar sempre o outro.
Teu trabalho tá 10. votei.
Dá uma força pra A VIDA.
Um abraço.
Muito bom Xavi! O disco está massa e esse passeio pela trajetória do Wado no seu texto também.
Abraço!
gosto cada vez mais deste disco! bom reencontrá-lo aqui no Overmundo!
Poxa Xavi, me bateu uma curiosidade cara... Vou procurar aqui pra ver se acho... Um abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 9/4/2008 23:29
fala marcelo, beleza?
o legal, nesse esquema da trajetória, é baixar todos os discos e ir ouvindo na seqüência.
felipe, dá pra baixar todos os discos no site do wado. molezinha...
Wado dispensa mais comentários. Xavi, que belo texto, parabéns!
Nicolle freire · Maceió, AL 21/4/2008 14:09Maravilha! Vi Wado ao vivo há poucas semanas, o peso dos discos tava todo lá. Legal a coincidência das pautas, João!
Reuben da Cunha Rocha · São Paulo, SP 10/2/2009 12:42Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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