Das comédias (e tragédias) de publicar um livro

Arte de Justin Kauffman, capa de Pedro Dieter... o resto é meu.
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Labes, Marcelo · Blumenau, SC
28/4/2008 · 112 · 10
 

Daquela velha história de que um homem precisa plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro, resolvi começar pelo fim. Pois que depois de algum tempo, de várias tentativas frustradas e desistências consecutivas, Falações, meu primeiro livro, será realmente publicado. É sobre isso — y otras cositas más — que falarei a seguir.

Sobre escrever o livro

Quando as pessoas que já sabem perguntam sobre o que será o livro — isso quando não emendam a pergunta com “sobre a história da tua vida?” — eu desconverso e explico: é um livro de poemas... de mau gosto. Claro que não. É um livro de poemas, ora! Mas quem sabe o que é isso, um livro de poemas? Então pra não falar de contemporaneidade, experimentalismo, psicanálise e tragicomédia, simplesmente digo que são poemas de mau gosto, mas mau gosto mesmo, onde se pode ler sobre incesto, estupro, falência múltipla dos órgãos. Pelamordedeus, que não quero afastar os leitores, mas levando em conta o tanto que se tem publicado e lido de material poético ginasiano (amor e dor, amor e flor), prefiro não decepcionar as pessoas.

Falações surgiu há uns três, quatro anos. Na época, pensava em inscrevê-lo como projeto do Fundo Municipal de Cultura de Blumenau. Passou o primeiro edital, passou o segundo e foi a vez de, no terceiro ano do Fundo, levar a sério o projeto do que viria a ser meu primeiro livro. É bem verdade que o conteúdo foi alterado, reformulado, reinventado com o passar do tempo. Hoje, parece estar tudo bem. Pelo menos, olhando-o chego a pensar que “taí, a hora era essa mesmo!”. E não se tem mais muito a dizer a respeito disso: é um livro de poemas e pronto. Poemas meus que dialogam com sabe-lá-o-quê, com narradores que captam vozes sabe-lá-de-quem ou de-onde. E poesia não é isso mesmo?

Montando o projeto

Pois que este é o terceiro ano do Fundo Municipal de Cultura de Blumenau. Eu, que jovem sou, descubro que é uma reivindicação de muitos e muitos anos da classe artística blumenauense. Dos iniciais 200, passou a 250 e chegou, em 2008, a trezentos mil reais, financiando projetos de onze áreas diferentes. Era de se saber, portanto, como escrever um projeto de literatura.

Numa iniciativa bela e econômica (bela pelo altruísmo, econômica por não ter de repetir dezenas de vezes as mesmas coisas), a Fundação Cultural de Blumenau ofereceu, durante cinco dias, oficinas para auxiliar na composição dos projetos. Casa cheia, por ali se encontravam produtores culturais, músicos, artistas plásticos e escritores. Por mais que rondasse o ar o espírito competitivo de cada um, podia-se perceber o propósito comum de aprender. Nas cinco noites, falou-se de contrapartida social, função social das artes e da cultura, de legislação, de prestação de contas. Enfim, praticamente tudo que se precisa, de forma geral, para concorrer a um edital público de financiamento cultural.

Tópicos anotados, surge a pergunta: e agora, o que eu faço com isso? Pois bem. Durante um mês, pelo menos, deu tempo de pensar em como o projeto poderia ser útil não só a mim, mas à sociedade. Foi dessa indagação que surgiram dois eventos-chave do Projeto Falações: uma oficina sobre poesia blumenauense, contando a sua história e investigando as suas teorias e uma mesa-redonda entre poetas que fizeram e ainda fazem a história dessa literatura. Uma boa oportunidade para dizer à academia e ao público leitor que sim, existe uma literatura oriunda de Blumenau que possui um valor teórico, que possui características populares, que o que se escreve está ligado, direta ou indiretamente à cultura da cidade, do estado, do país.

Esperando os resultados

O sofrimento começou quando um grande amigo, Pedro Dieter, que mora em Vitória-ES, com todo o carinho disponível decidiu montar a capa de Falações. Pedro acabava de chegar de Atlanta, nos Estados Unidos, com um monte de idéias novas para pôr em prática. Ótimas idéias mesmo! A melhor delas foi fazer a arte da capa utilizando a obra de um artista norte-americano que trabalha com grafite. Bom, muito bom mesmo, mas como contatar o artista?

Pedro escreveu a Justin Kauffman dizendo tratar-se eu de um amigo, jovem poeta etc. que queria publicar seu primeiro livro. Disse ter montado a capa utilizando um recorte da peça So What, que havia ficado tudo muito bonito, muito charmoso, se ele autorizava, essas coisas. Justin, muito atencioso, disse que sim, claro, como não (tudo isso em inglês) e autorizou a utilização da obra. Acontece que, ao participar de um edital, não interessa quem disse ou quem deixou de dizer: são necessários documentos comprobatórios. E é aí que entra o sofrimento.

Faltando duas semanas para protocolar o projeto, entrei em contato com Justin, explicando que precisava de um documento passado em cartório. Da mesma forma, Pedro ficara de enviar a sua própria autorização, afinal a arte gráfica era dele. No fim, quase morrendo de ansiedade, recebi as duas cartas juntas no penúltimo dia de prazo. Só não entendi como uma carta de Vitória, ali no Espírito Santo, pode demorar tanto quanto uma carta enviada de um país estrangeiro tão longe. Mas enfim.

Imaginar que seu primeiro livro pode ser publicado não é fácil. Moacyr Scliar, no texto “21 coisas que aprendi como escritor”, diz que frio na barriga e pêlos do braço arrepiando são sinais de quem um livro está pra chegar. Mas, e se não fosse? E se todo o trabalho, todos os contatos e todos os votos de confiança tivessem sido em vão? E as noites sem dormir, pensando em algo que tivesse ficado pra trás? Os sintomas eu já tinha — e já tinha também a fé dos perdidos, do tipo “claro que vai, não tem como não, a gente se vê no lançamento”. Poderia ser tudo mentira. Mas não foi.

Então, até o lançamento

Se fosse assim tão simples, o texto terminava aqui. Acontece que mesmo tendo mostrado o livro a editores, não era certo que o livro seria aceito por alguma editora séria. E o que eu faria com centenas de exemplares em casa? A idéia era justamente encontrar uma rede de distribuição (que em Santa Catarina não há) que levasse Falações para outras regiões. Que as pessoas que quisessem lê-lo no Rio Grande do Sul, no Paraná, em São Paulo, no Rio pudessem encontrá-lo, verificá-lo, lê-lo e até mesmo comprá-lo.

A resposta da editora, exatamente a que eu esperava, chegou outro dia. Fiquei feliz, claro. Era o último degrau de uma escada que eu havia começado a subir ainda no ano passado. Se eu liguei pra quem podia? Claro. Se eu escrevi para quem devia saber? Óbvio. Mas o resultado de tanta euforia foi mesmo um dia de cama, triste, amuado, choroso. O que havia de errado?

É estranho. De repente, quando vi, estava escrevendo mais do que devia, lendo sempre o mesmo tanto (minha mãe ainda diz que ler demais enlouquece as pessoas), estudando o quanto podia. Mas a poesia, em que canto deixei? Sinceramente, depois de ter entregado o projeto, de ele ter sido aprovado e da editora ter aceitado publicá-lo, o que eu mais queria era vê-lo longe o mais possível. Parecia que, ganho o jogo, não era mais hora de me preocupar com isso ou aquilo, mas a preocupação veio mesmo assim: e agora, o que as pessoas vão pensar?

Dizer que se trata de um livro de poemas de mau gosto coube em certo momento — e ainda cabe, porque repito todos os dias a ladainha — mas agora o meu teto será de vidro. Aquele cara que diz “olha, poesia é uma coisa bacana e isso aqui é exatamente o contrário” agora vai expor a cara à tapa. Mas faz parte do processo e, de qualquer forma, uma vez lido o livro deixará de ser meu, escrito por mim, viabilizado etc. Acontecerá, então, de eu encontrar um exemplar de Falações na estante e querer lê-lo como se estivesse lendo um outro livro de poemas de um outro autor. E quem sabe eu goste!

Quem sabe vocês gostem! Portanto, até o lançamento!

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Felipe Obrer
 

Labes, adorei a narrativa.
Interessante isso de a Fundação Cultural de Blumenau promover encontros para que quem apresenta projetos saiba como elaborá-los .

Sobre a "ladainha" de que são "poemas de mau gosto", acho uma ótima jogada de marketing. Das melhores mesmo, porque não saiu do nada, mas partiu da reafirmação de um conceito estético, artístico, de abordagem da literatura poética. Realmente, quem ficou atrelado à escola romântica perdeu de vista a passagem de muitos séculos. Navega contra o vento.

A tua história me fez bem, traz aquela sensação de que com trabalho dá pra fazer o que se quer, do jeito que se quer. E mesmo enfrentando burocracia.

Bom... fico por aqui, dou os parabéns e reservo o meu exemplar já.

Abração,
Felipe

P.S.: A quem não conhece, sugiro procurar no banco de cultura os audiopoemas do Labes, são criativos e densos.

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 27/4/2008 17:15
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Felipe Obrer
 

(E video-poemas. Acabo de ver um na coluna de remissões à direita, FEBRE #2)

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 27/4/2008 17:17
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Labes, Marcelo
 

Obrer, meu caro, muito obrigado pela leitura.

Pois que vou retomar o tema com o passar dos dias. Preciso ainda falar melhor sobre o Fundo Municipal de Cultura, sobre a Fundação Cultural, sobre o Conselho de Cultura. E sobre meu livro.

Isso que demarcaste ali cai bem, mais como exemplo do que como relato: trabalhando, dá pra se ir bem longe. E tenho vislumbrado insights que me permitem pensar projetos que vão mais além do meu umbigo. Dinheiro, apesar de parecer, não é tão difícil de se conseguir: basta, claro, seriedade e "capacidade argumentativa" para obtê-lo. E um projeto bom.

Preciso falar sobre isso, também: sobre o projeto Falações que vai além do livro de poemas.

Obrigado novamente pela leitura e pela simpática referência aos áudio e vídeo-poemas. No fim, fazem também parte desse todo.

Grande abraço.

Labes, Marcelo · Blumenau, SC 28/4/2008 00:44
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Tita Coelho
 

Teu texto é incrível! Essa narrativa (depoimento) pessoal serve de lição! Tenho na minha vida que editoras são muito espertas, elas querem publicar livros mas virou moda o autor ter de desembolsar grana para publicar! Acho uma exploração pura!
abraços

Tita Coelho · Porto Alegre, RS 28/4/2008 14:23
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Rute Frare
 

Muito bom, agora só votei depois passo e comento.
Parabens
Bjs

Rute Frare · São Paulo, SP 28/4/2008 15:50
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Cintia Thome
 

È um sufoco. Depois do lançamento, outro, mas parabens pelo texto experiência, que muitos possam aproveitar mesmo esta colaboração, pois há muito que aproveitar.Acho ganho teu jogo, ou seja, algo que tem diferencial,a linha romantica e "boazinha" não é a ideal, acredito mais nas angustias do ser humano,as contradições, as psicoses, (rs), a parte também de fundo social, problemas ambientais...Parabens.

Cintia Thome · São Paulo, SP 28/4/2008 18:35
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Helena Aragão
 

Que beleza, Labes. Parabéns por esta conquista, que venham agora as outras fases, a repercussão, as críticas (se houver), as conseqüências e as sensações. Muito legal você aproveitar o momento de contar a novidade para fazer o relato sobre a peripécia para conseguir publicar. Quando sai e como faz pra comprar? Abraço!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 28/4/2008 19:13
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Labes, Marcelo
 

Tita, Cintia, Helena, muito obrigado pelas leituras atenciosas.

E as angústias, Cintia, não têm muito mais poesia do que a bonança? Na verdade, não quero ser confundido com as dezenas de poetas que, mês a mês, pagam para terem seus livros publicados. Pago assim, tanto faz o que quis ou o que deixa de dizer, não é? Eu pelo menos me farto de ter passado por duas comissões de análise - a do Fundo e a da editora.

Obrigado, Helena. O que mais tenho esperado são as (raras) críticas. Pelo menos depois desses quase dois anos figurando como pseudo-crítico, as pessoas pensem em ler e criticar a mim. Uma faca de dois legumes, né!

A editoração será agora em maio. Acredito que pelo fim desse mês ou início de junho já esteja lançando. E quanto à forma de comprar, isso quero explicar num outro texto. Mas tenho certeza de que será facim facim.

Abraços!

Labes, Marcelo · Blumenau, SC 28/4/2008 19:29
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Labes, Marcelo
 

Tita, lembrei agora do texto do Scliar ao qual faço referência acima. Diz ele que não é interessante escritores batendo à porta de editores, porque muito mais raro são os leitores batendo à porta do escritor. Ou seja: há muito sendo publicado. Não sei ainda se Falações entrará no rol das obras que não precisavam existir - mas é bem provável que sim. Vejamos o caso de um poeta aqui de Blumenau e outro, de Curitiba: Mauro Galvão e Ricardo Corona... cara! Isso sim é de quebrar as pernas. No entanto, quem conhece o Galvão? O Corona, além de poeta, meteu-se a músico e lançou um cd bárbaro com poemas seus musicados. Coisa da boa.

Enfim. O mercado editorial é brabo e está há muito tempo mais pra "mercado" do que pra "editorial". (risos!)

Abraço.

Labes, Marcelo · Blumenau, SC 28/4/2008 22:33
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Maria...
 

fiquei pensando nas histórias não escritas que fazem as páginas invisíveis dos livros. você começou pelo fim. agora falta vivenciar o começo. eu? já tenho o início e o meio... fim? acho que nunca terei um. espero poder escrever sempre. rsrsrs.

Maria... · Blumenau, SC 13/9/2008 11:32
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