O Rio de Janeiro, pra quem mora fora, é sinônimo de violência. Para os turistas é o “el dorado†de um paÃs cuja capital é... Buenos Aires? Entre os cariocas, o Rio é muita coisa. Para os que trabalham no centro da cidade – entre os quais me incluo – o Rio é caos e multidão com o Pão-de-Açúcar ao fundo. É acordar de manhã e tomar café lendo no jornal as notÃcias sobre a última invasão do BOPE no Complexo do Alemão, o último acidente na Avenida Brasil ou a última do persistente prefeito lelé da cuca.
Dia desses, enquanto conversava com uma velha amiga de Minas Gerais, disse que compreendia quando ela afirmou categoricamente: “Só caio aà depois do carnaval. Essa época o Rio é puro assalto e confusãoâ€. Amante de cada palmo dessa cidade, cada vez que escuto esses pormenores da mente medrosa de fora me pergunto se moro nesse mesmo Rio de Janeiro, tão famoso por suas facetas sombrias, tÃpicas de qualquer metrópole.
E o carnaval... O pingo do “i†da palavra “cariocaâ€, diminuÃdo a uma “época de puro assalto e confusãoâ€? Que fazer com isso? Poucas horas depois me veio a resposta. Por e-mail veio o registro do Lucas, feito em um celular (salve a tecnologia!), de uma pérola dos festejos de Momo. O fato não é novidade. Acontece todo ano: no meio de seu trajeto, o bloco Gigantes da Lira, cheio de bebês de colo, crianças e adultos brincando de palhaço nas ruas de Laranjeiras, pára na frente do prédio de Dona Elizabeth. Ela, foliona de velhos carnavais, não tem mais o pique necessário para ir até o bloco. Ele, então, vai até ela.
Ali, na frente da janela de Elizabeth, que já é conhecida e reconhecida como a “Musa do Gigantesâ€, as centenas de foliões matinais lhe oferecem uma serenata. Ano passado, guardando luto de seu esposo que se foi depois de décadas de casamento, dona Elizabeth deu um susto no bloco. Esse ano, porém, a tradição foi retomada. Com a chegada da banda, cabeleira branca, olhos marejados, ela afastou a cortina, acenado para o povo. Do coro, recebeu Carinhoso, de Pixinguinha. Centenas... Todos voltados para a janela dela: uma anônima para a maioria. Aquela gente cantava para ela, pelo Rio e pelo carnaval.
Singelo e desprendido, o gesto é, no fim das contas, uma afirmação de até onde se pode ir, espontaneamente, na afirmação da alma dessa cidade. Em um fim de semana tipicamente carioca, com Simpatia é Quase Amor em Ipanema, Mangueira em Copacabana, Beija-Flor na Sapucaà e goleada do Flamengo no Maracanã, a serenata da “vovó Elizabeth†pontuou de forma emocionante o “esquenta†de 2008, perpetuou o sorriso de carnaval dos filhos do Rio.
Isso é carnaval. Isso é Rio de Janeiro. Você aà de fora pode não acreditar, eu sei... Ah, se tu soubesses...
Ro, que maravilha ver que o videozinho esteja gerando tantas reflexões emocionadas. Adorei a sua. Te entendo perfeitamente, à s vezes também não reconheço esta cidade por sua fama tão cruel, ainda mais nesses tempos de carnaval, quando vejo as pessoas se divertindo, conversando com os estranhos, se ajudando e rindo juntas. E que bárbaro você ter conseguido essa foto da dona Elizabeth e ter contado tantos detalhes sobre os bastidores da história. ObrigadÃssima por compartilhar essas idéias por aqui!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 2/2/2008 21:46Adorei conhecer mais destes bastidores do Carnaval do Rio de Janeiro. Sinceramente, acho que é justamente esse o mais interessante. Sou uma carioca que vive no sul há muito tempo, sou mais gaúcha que carioca, mas adoro saber dessas histórias do Rio. É desse Rio que mais gosto.
Lu&Arte · Porto Alegre, RS 2/2/2008 23:13Pois é, eu acho que eu só voltaria no Rio de Janeiro no carnaval. Nos outros dias, a cidade é uma metrópole mesquinha, com gente brigona e buzinaço no trânsito. No carnaval, a sujeira das ruas se mistura aos confetes e serpentinas dos blocos e nem é notada. As pessoas bebem pra esquecer quem são e acabam encontrando um eu maravilhoso. O jornal se povoa de carnaval e o BOPE vira um problema apenas dos que são sempre sacaneados por ele. E até o pessoal da Zona Sul fica menos nariz em pé e nem se importa se a areia está cheia de farofeiros. Os pitboys que agridem gays pulam na Banda de Ipanema e até o prefeito marketeiro pega na vassoura e faz algo que ele deveria fazer o ano inteiro: trabalhar. Se eu fosse o Rio de Janeiro, eu quereria ser somente carnaval.
Roberto Maxwell · Japão , WW 4/2/2008 14:07
Gostei da defesa. Digno de um bom advogado!
O video é muito bonito e traduz muito bem o sentimento de que 'tudo depende de nós' e se soubermos valorizar a vida, o ser humano, nada será contra nós.
ótima reflexão! às vezes tb não consigo compreender esse rio de janeiro do bope, do tráfico e das favelas, mas ele existe sim.... junto com o rio do carnaval e da dona elizabeth.
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 11/2/2008 08:45
Agradeço muitÃssimo os comentários de vocês. Agora que a festa já virou cinzas e, como dizem, começou o pequeno intervalo entre o carnaval e o ano novo, fico feliz em constatar o bem que esses poucos dias fazem por essa cidade.
Helena, querida, eu que agradeço o espaço. Uma história dessas merecia ganhar o (over)mundo. Que venham as próximas!
Roberto, venha ao Rio no carnaval. As mudanças na cara da cidade apontadas por você de fato existem. Vi a Zona Sul lotando com o povão que, pela linha dois do metrô e pelos trens, trouxe garotas de Ipanema diretamente de Madureira, Cascadura, Irajá. A Banda de Ipanema, segundo disseram, foi um “mix†de tribos para Lapa nenhuma botar defeito. Pitboys e gays cantaram a cabeleira do Zezé, sem ligar muito para o fato dele ser ou não. O prefeito... Bem, esse deixou a chave da cidade com o Rei Momo (que agora é magro!?) e partiu pra França. Podia ficar por lá.
Guilherme, você tem razão. O Rio do BOPE e do tráfico continua por aqui, junto com o do carnaval e de Dona Elizabeth. Toda grande metrópole tem seus becos sombrios. Legal é a gente entrar na contramão da grande mÃdia, documentar esse tipo de manifestação de paz, mostrar pro mundo esse Rio que encanta a Lu, uma carioca quase gaúcha, e se agarrar no sentimento que o Higor colocou como “tudo depende de nósâ€. Agora é só a gente pegar esse sentimento e multiplicar pelos outros 364 dias do ano. É complicado, mas chegamos lá, com as bênçãos do Cristo Redentor.
Grande abraço a todos!
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