A origem e o presidente
Há noventa e dois anos, no dia 15 de agosto de 1915, em pleno bairro do Alecrim (bairro famoso pelo seu comércio popular), um grupo de jovens fundava um dos times mais tradicionais de Natal. Ele, o próprio, Alecrim Futebol Clube. Entre esses jovens - quem diria? - , estava Café Filho, talvez o único jogador de futebol do Brasil, quiçá do mundo, a trocar os gramados do esporte bretão pela poltrona confortável – imagino - de Presidente da República. Café Filho era um goleiro mediano. Defendeu as cores verde e branca do clube entre 1918 e 1919 e, depois disso, enveredou pelos “campos†da polÃtica e nunca mais saiu de lá.
Depois do goleiro presidenciável, o Alecrim seguia sua rotina de jogos sem muita expressão, até que em 1923 chegava a Natal um sujeito chamado Alexandre Kruze, um pernambucano filho de alemães. Apaixonado pelo futebol, Kruze, além de rádio-telegrafista da Marinha, especializou-se em Educação FÃsica e Desportos (Nomenclatura da época), e naquele ano, o jovem sargento Kruze era transferido para a Cidade do Sol. De uma maneira ou de outra, o cara conseguiu entrar no modesto time do Alecrim, e logo ocupou uma posição de destaque no alviverde.
Falando constantemente em técnica e tática do futebol, Kruze motivou os dirigentes do clube a confiar-lhe uma nova missão: treinar o time do Alecrim. Deu no que deu. Em 1925 o Alecrim levantava o caneco de campeão de maneira invicta, fato inédito entre os clubes de futebol da cidade até então. Como naquela época o Alecrim era formado, basicamente, de negros e descendentes de Ãndios, os caras do ABC e América, que eram times das elites do bairro do Tirol, ficaram putos da vida. No tapetão, o jeito foi dissolver a federação de futebol da época, pra que o campeonato fosse invalidado. Assim foi feito, é mole?
Da bolinha murcha ao tal do batendo um bolão
Os anos foram passando e o Alecrim seguiu jogando uma bolinha mais ou menos. 38 anos passaram até o segundo tÃtulo, que veio em 1963, com o técnico Geléia, numa vitória contra o ABC (o ABC é considerado a 2ª força do futebol potiguar). Nessa época ainda não havia o “bicho†(grana recebida pela vitória). A grande regalia dos jogadores depois de ganhar algum jogo, era um copo de refresco de maracujá acompanhado de um pão doce. Coisa fina... No ano seguinte Geléia deixou o clube dando lugar a Pedro 40, que garantiu o bi-campeonato contra o mesmo adversário. O ABC passou dois anos sendo freguês do escrete alecrinense.
O meio oito na vida do Alecrim e a visita do Mané
Em 1968, outra façanha, outro chiste do Alecrim. O espÃrito do time de 1925 baixou no clube naquele ano, porque o esquadrão esmeraldino venceu o campeonato estadual de ponta a ponta. Mais uma vez, invicto! O quarto tÃtulo do verdão contou com 10 jogos disputados. Sete vitórias, três empates e 24 bolas deixadas nos fundos das redes adversárias. Embalados pela conquista, nesse mesmo ano a torcida do Alecrim ganharia mais um presente. Num amistoso contra o Sport (PE), o gênio das pernas tortas, Mané Garrincha, vestiu a camisa 7 do clube alecrinense e fez a alegria da galera. Apesar da derrota por 1 a 0, aquele 04 de fevereiro ficou para sempre na história do Alecrim.
A Fera verde
A torcida organizada do clube é um caso a parte. Nascida das bebedeiras pelos bares da vida, os Fiéis Esmeraldinos Radicais – FERA - acompanham o time do Alecrim há mais de trinta anos. Mas verdade seja dita. Além das bacantes bebedeiras inspiradoras, a fundação da Fera teve seu pavio acesso, de fato, após um jogo do Corinthians e América no Campeonato Brasileiro de 1977. Um grupo de ‘alecrinenses’ estava naquele jogo e ficaram maravilhados com o verdadeiro show que os torcedores corinthianos promoveram no Machadão. Vieram da capital paulista os Mosqueteiros do Timão, os Gaviões da Fiel, Coração Corinthiano e a Camisa 12. A mistura foi essa: bar + cerveja + Corinthians = Fera.
Na década de oitenta, um dos torcedores mais fanáticos que a FERA tinha, era um cego. Chico Araújo ia “ver†os jogos munido do seu radinho de pilha, não perdia uma única partida que fosse. Isso sem falar no berrô, no berrô que o Armando deu, outro que comungava verbalmente da liturgia alecrinense. Em dias de jogo, reza a lenda que o grito de “juiz ladrão†de Armando ecoava o Machadão inteiro. Vai saber né?
É por essas e outras que o Alecrim F.C. é, sem dúvida, um dos times de futebol mais cheio de anedotas que apareceram na face da terra. De goleiro presidente á torcedor cego, até Garrinha tirou uma onda pelos gramados alecrinenses. Vida longa ao escrete esmeraldino.
Filipe, meu amigo,
como sempre texto irretocável e fotos irriquecedoras. Eu não conhecia detalhes do Alecrim, mas como fã de Natal e do futebol como um todo, acompanho - mesmo que transversalmente - a trajetória dos grandes clubes potiguares (América, Alecrim e ABC). Saber que Café Filho defendeu a meta esmeraldina já seria uma curiosidade que, por si só, justificaria a pauta, mas descobrir a "aventura" de Mané e as idiossincrasias do clube a da torcida através de seu texto não tem preço. A cada dia, você vai se transformando no repórter dos fatos e personagens esquecidos de sua terra, resgatando-lhes a importância histórica e humana, dando-lhes voz e visibilidade como protagonistas de acontecimentos cotidianos que - mesmo tendo sua importância na vida das pessoas e das comunidades - quase sempre são condenados ao limbo pela historigrafia oficial. Suas matérias são, portanto, um trabalho admirável de resgate histórico e de cidadania. Mais uma vez, meus parabéns! Voltarei para votar.
Um abraço.
desculpe-me a bobagem, na primeira linha em vez de "irriquecedoras", leia o certo: enriquecedoras.
Abraço.
Está desculpado Nivaldo. Como reporter (estagiário) do TVU ESPORTES, fiz, recentemente uma matéria contando um pouco da história do Alecrim. Mas como o tempo da TV é curto, ficou de fora muitos aspectos interessantes do clube. Resolvi trazer para cá um pouco das irreverentes passagens do clube esmeraldino, este, que por sua simpatia, é tido como o segundo time nos corações "Abcedistas" e "Americanos". Isso porque, na décade de 60, o Alecrim era considerado o time vingador do estado, já que o ABC e América estavam sempre perdendo as partidas contro os times dos outros estados...
Passar pelo crivo das tuas palavras Nivaldo, é sempre um estÃmulo...
Um abraço.
Gostei muito, por curiosa que sou..Café Filho..Garrincha...esse Club é tudo de bom e faz tempo. Bom texto Filipe, repórter de primeira linha, adorei amigo.
bju ...volto para votar...
Filipe.
Mais uma vez tua narrativa jornalistica é admirável. Escreves tão fácil que o texto é lido com a sabor dos frutos maduros. Surpreendes, também, pelo maravilhoso trabalho de pesquisa, jamais poderia dizer que Café Filho, que meus ouvidos de menino sempre ouviram falar da boca jornalistica do meu pai.
E o Alcrem, Filipe, quem diria teve tantas glórias. Confesso que não sei como está agora. Mas, o Chico, cego de rádio colado, é um fato fascinante.
Parabéns parceiro.
Teus textos são goles de cerveja em noite de luar.
Abraços
Noélio
Noélio, obrigado pela leitura, antes de tudo. PoÃs, Café Filho morava no bairro do Alecrim e sempre foi adepto do esporte bretão. Defendeu a meta esmeraldina, mas foi na polÃtica, o lugar onde ele se estabeleceu plenamente não é mesmo?
A Fera segue fiel ao time, como o próprio nome sugere. O Alecrim, pelo menos um time principal, continua num estado de letargia. Os últimos tÃtulos foram os campeonatos potiguares de 85 e 86. Mas as categorias de base do time, estão sempre alimentando os clubes daqui e do Brasil. Infelizmente, por questões financeiras, esses jogadores não ficam no clube. Mas isso vai passar. O Alecrim merece. Um abraço Noélio.
Eu já tinha lido rs..
Muito bacana e uma história bem pitoresca né. Valeu Filipe.
Parabéns pelo texto, Filipe. A partir de agora, sou torcedor do Alecrim também.
Abraços, Paulo
Filipe - uma surpresa:
- Já fui atleta profissional de futebol.
Dai entender muito bem o que se passa dentro de um clube de futebol: as dificulades, falta de apoio; cartolagens amadoras e resultados pÃfios.
Por isso, lhe parabenizo pelo texto irretocável.
E salve o Alecrim!
Abçs. Benny.
quis dizer: dificuldades.
Abçs. Benny.
Valeu, Felipe. Interessante a história do Alecrim. Não sabia que o Café Filho já "pegava bola" antes de ser polÃtico rsss. Deve ter batido um bolão no time da câmara, pois, na presidência ele fora reserva e só entrou no finalzinho do 2º tempo, no mesmo jogo em que ainda foi substituÃdo pelos amadores Carlos Luz e Nereu Ramos (este último é que entregou a bola a JK).
Mas o Benny...nunca falou que jogava. Só agora. Será que ele tomou "refresco com pão doce" depois dos jogos? (rsss). Por aqui, não tenho decepcionado a torcida (rss)
O futebol é, antes de cultura e lazer, um completo exercÃcio da arte.
Parabéns pela sua matéria.
Surpresa mesmo hein Benny, quem diria... O time de futebol, ao contrário do carro, da casa, do emprego e, até mesmo, da mulher, é o único bem inalienável que o homem possui. Pensem nisso!!!!
Um abraço.
AÃ Filipe, boa bola essa tua sacada.
Só faltou o a letra do hino ou o grito de guerra da FERA.
beijin pra tu.
Meu cronista, sabe aqueles jornalistas que faziam (ou fazem) reportagem do Oriente Médio, dos desertos, das matas e animais: chamavam-nos descortinadores de preciosidades. No Brasil voce está efetivamente contribuindo com o RN, uma braço, andre.
Andre Pessego · São Paulo, SP 6/9/2007 22:35Muito bom, valeu o link, adorei o texto.
capileh charbel · São Paulo, SP 18/9/2007 01:12Ainda mais alvi-verde.
capileh charbel · São Paulo, SP 18/9/2007 01:13
Olá, Filipe!
Caramba! Jamais poderia imaginar que o velho Café tivesse já visto uma redonda de perto! Excelente artigo, gostei demais!
Somente para constar, também tenho um time de futebol (virtual). Trata-se de "O Quinze de Baduh", um time do tradicional futebol hinduÃstico, não sei se você já ouviu falar da modalidade...
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=36067573
Um abraço e meus parabéns por mais um artigo, na mosca!
Baduh
Poxa, Filipe, adorei conhecer o Alecrim. Já pensou num amistoso entre ele e o São Cristóvão nos dias de hoje. Comprava meu ingresso sem pensar duas vezes :)
Saulo Frauches · Rio de Janeiro, RJ 19/12/2007 14:56E esse Alecrim tão sui-generis e de tantas glórias, teve seu emblema surripiado por oportunistas, que inventaram um arremedo de escudo, com periquito e excesso de textos, numa verdadeira aberração heráldica. Quem terá sido o pseudo-designer que criou essa porcaria?
Augusto de Freitas · Caruaru, PE 5/4/2012 20:06Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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