Declaro-me incompetente!

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Giordani · Teresina, PI
15/9/2006 · 125 · 10
 

Assim como ocorre com juízes que se abstêm de julgar processo envolvendo parentes ou pessoas próximas, nós jornalistas deveríamos nos julgar incompetentes em algumas circunstâncias. Descobri isso durante a realização do Piauí Pop deste ano, evento que reúne as principais bandas de rock pop do país e que apresentou a sua terceira edição. O evento foi em julho, mas somente agora saí do estado de coma profundo em que me encontrava depois de passar por uma desilusão, dessas da relação fã-ídolo, e consegui escrever o texto para relatar a experiência.
Recebi a tarefa do jornal Diário do Povo para cobrir o evento. Fiquei mais do que gratificado pela escolha, afinal de contas este ano o evento traria o “Los Hermanos†que, na minha avaliação, está seguramente entre as mais originais bandas do Brasil e que representa um segmento relegado a segundo plano pelos meios de comunicação de massa blá, blá, blá... Eis o meu primeiro erro! Se sou fã, eu jamais poderia ir ao evento como repórter. Jornalista tem que cobrir eventos que conhece e não eventos que adora. Mas fui!
Cheguei lá e aguardei a tão sonhada entrevista com os caras. Depois de esperar, vi entrar na sala três pessoas: Rodrigo Amarante (baixista, guitarrista e compositor), Rodrigo Barba (baterista) e Alex Quizumba (assessor de imprensa do grupo). Amarante entrou com aquela cara de quem chega em seu emprego em repartição pública para bater o ponto, fazer show e bater o ponto de novo. Rodrigo Barba até queria ser simpático, mas acho que a presença do Amarante o intimidou. Como se olhar do baixista dissesse: “ser simpático é para os bobos!â€. O mais simpático de todos era o Alex.
Diante da cena pensei comigo mesmo: “é marketingâ€. Mas que marketing é esse que nunca foi utilizado pelas grandes bandas? Eu nunca vi Paul McCartney deixar de sorrir (e olha que ele trabalha muito mais!). Lembro que o Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, concedeu uma entrevista mais do que bem humorada para a minha amiga Nat Maranhão certa vez. E ele é do Iron Maiden!!!!! Se esses caras nunca deixaram de ser reconhecidos (e bota reconhecidos nisso) por serem simpáticos porque os Hermanos usam desse dispositivo?
Bom, mas a entrevista foi rolando e a minha impressão sobre a inteligência do Amarante também, só que escada abaixo. Ele se mostrou incomodado com algumas perguntas. Não quis, por exemplo, responder a pergunta de Airton Ramos, repórter do jornal o Dia, sobre as influências dos Los Hermanos e as canções que eles estão ouvindo por esses dias. “Olha lá no nosso site que tem!â€, respondeu. Nessa resposta fiquei chocado. Afinal jornalista precisa gravar declaração. Ele não deve saber disso.
Por fim ele respondeu de forma meio atravessada a uma pergunta feito por uma jornalista que integrava um movimento anti-pirataria. Foi uma resposta até legalzinha. Mas no fundo ele deu mais atenção a um pequeno gravador digital que foi colocado por um dos repórteres sobre a mesa do que aos próprios repórteres. Talvez ele tenha sido o único elo de identidade entre os repórteres e ele: o gravador.
Evidentemente que não culpo Rodrigo Amarante, porque acho que todo mundo tem o direito de fazer e ser o que quiser, inclusive antipático. Mas realmente eu me desmontei naquele dia. Eu me lembro que uma situação igual a essa eu só tive no final dos anos 1980 quando o Bebeto abandonou o “Mengão†para vestir a camisa do sem sal Vasco da Gama. Naquele dia percebi que Bebeto não era o herói que eu imaginava. Agora, com o Amarante, descobri que não existem heróis. Mas vou continuar gostando do Los Hermanos...ainda falta entrevistar o Marcelo Camelo e o Bruno Medina.

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Marcelo Cabral
 

Olá Giordani, não quero ser advogado do diabo, mas vamos lá... Como compositor, sei que tocar, fazer apresentações e dar entrevista, é sim, um trabalho, e o cara podia estar apenas num dia ruim, como toda pessoa em qualquer tipo de trabalho, claro que atender a imprensa é uma das atribuições do serviço dele (tanto que ele estava lá respondendo as perguntas) ou de qualquer artista, no entanto sorrir e ser "legal" não é obrigatório. Se formos analisar do ponto de vista jornalístico, sabemos que todo entrevistado tem o direito de responder ou não as perguntas que achar ou não convenientes. Portanto, na minha opinião, não se trata nem de jornalismo nem de postura incorreta de um trabalhador da música, mas da sua expectativa em relação a um personagem idealizado por você e desilusão de fã mesmo. Abraço

Marcelo Cabral · Maceió, AL 14/9/2006 19:02
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Eugênio Rego
 

Joe, sempre tive a impressão de que muitos artistas (de todas as áreas) famosos quando vêem ao Piauí agem como se tivessem nos fazendo um favor imenso em estar aqui.
Lembro de dois show de Adriana Calcanhoto que assisti no Theatro 4 de Setembro: no primeiro ela cantou suas composições conhecidas e no segundo - que aconteceu simultâneamente - deu todos os pitis, faniquitos e ataques que uma wannabe (alguém que quer muito ser alguma coisa) pode dar... E olhe que observei isso numa época em que nem era fã muito menos jornalista!
Concordo que todo mundo tem seus dias ruins nem precisa andar rindo pro vento o tempo todo; mas quando se é pessoa pública, alvo da admiração de muitos, cabe um Saint Exupery: é quase uma obrigação cuidar daquilo que se cativa.
Se não estavam querendo dar entrevistas, que não dessem - o melhor a fazer quando estamos de "ovo virado" é se isolar e não atender ninguém, nem gravadores digitais.

Eugênio Rego · Teresina, PI 15/9/2006 14:56
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Eduardo Neves
 

"é quase uma obrigação cuidar daquilo que se cativa".

Muitíssimo bem lembrado, Eugênio. Brilhante!

Olha, eu penso o seguinte: o artista tem uma obrigação a cumprir. Ele só está lá, naquele sonhado lugar de estrela, porque o público - e em muitos casos, também a imprensa - o colocou. Concordo que ele poderia não estar em um bom dia. Mas "vá lá no site e olha", meu amigo, é a puta que pariu. Como bem colocou o Joelson, o Paul McCartney - na minha humilde opinião, o maior compositor pop de todos os tempos, muito melhor até do que o Lennon - sempre, sempre mesmo, é simpático. O cara é um ex-Beatle, um EX-BEATLE, e nunca tratou ninguém assim. Peraí.

O que o tal Amarante fez, foi gênero, meus amigos. Aliás, um generozinho horroroso, esse tal de blasè... são os caras que repetem nas entrevistas: "ah, eu não quero saber de nada, tanto faz eu estar aqui fazendo o que passei a minha adolescência sonhando em fazer, ou estar atrás de uma mesa de escritório carimbando papel, tanto faz". Hum rum, sei. Esses carinhas fazem questão de dizer que não tem influência de ninguem (pra todo mundo pensar que são gênios), que na verdade nem gostam da badalação do showbiz (apesar de aparecerem em todas as festas), que o disco foi gravado assim, sem pretenção nenhuma (apesar de eles mesmo terem lançado um dvd com o making off onde se vê toneladas de equipamentos novos e antigos em um sítio, onde eles ficaram - despretensiosamente, claro - vários meses com os produtores até tudo ficar perfeito)... um saco. Cansei desse tipo de postura.

O que eu vejo, é uma grave falta de honestidade, de coerência. Não é feio de maneira nenhuma assumir que é do caralho a banda ter dado certo, que eles estão super felizes com a receptividade, que se esforçam pra sempre fazer um disco melhor que outro, e no final, um thank you very much a vocês que estão aqui curtindo o som que a gente faz. Claro que não são obrigados a falar do que não querem, ou não podem por questões contratuais - caso da pirataria. Mas podem responder educadamente. E devem, sempre, ser cordiais, amáveis, enfim, ídolos. Em dias bons, ou em dias ruins.

Eduardo Neves · Teresina, PI 15/9/2006 15:45
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Marcelo Cabral
 

Concordo, "vai lá no site e olha" é uma resposta, no mínimo, péssima, se não,um tanto de falta de respeito com o jornalista que fez uma pergunta, aliás, muito da pertinente.

Marcelo Cabral · Maceió, AL 15/9/2006 16:57
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Natacha Maranhão
 

FAz tempo que eu boto pilha pro Joelson escrever esse texto...porque saí da sala de entrevistas com essa mesma impressão, portanto, assino embaixo de tudo que ele disse.
Adorei o show que rolou depois, mas devo confessar que na hora que o Amarante assumia o microfone eu perdia um pouco o tesão de assistir...

Natacha Maranhão · Teresina, PI 15/9/2006 18:50
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Natacha Maranhão
 

Eugenio...eu nao vou mais comentar o que vc escreve pq vc já sabe o que eu vou dizer...
perfeito, as usual!

Natacha Maranhão · Teresina, PI 15/9/2006 19:06
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Eduardo EGS
 

De perto é muito mais fácil se decepcionar com as pessoas, isso é fato.

Tá certo que não precisava ser tanto como no caso do Giordani, mas acontece - e muito.

Essa história de mandar procurar no site é incrível, nunca tinha visto. Acho que nem os irmãos Gallagher falariam um coisa dessas!

Eduardo EGS · Porto Alegre, RS 16/9/2006 20:56
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Felipe Gurgel
 

Situação parecida viveu uma colega no Ceará Music - dia 14 de outubro. Quase um mês depois =) Sendo que com Camelo e Barba. Sem especialidade na área, a repórter perguntou quais os "ritmos" eles iriam seguir no próximo disco. Camelo olhou para o Barba perguntou o que respondia. E mandou: "rumba". Todo mundo que ouviu entendeu que ele tava curtindo, é claro.

É certo que viajar, atender repórter mala atrás de declaração bombástica, correr entre aeroporto-hotel-ônibus é duro. Cansa pra caralho. Mas quem trabalha sério na imprensa acaba pagando o pato por outros... A menina parecia não dominar o linguajar exigido pelo ego dos artistas. E cobria um evento de entretenimento, sem conceito algum, que é o caso do Ceará Music. E os caras da banda bem sabem disso.

Na hora de embolsar o cachê e tocar para milhares de pessoas histérias de repente é interessante estar lá. Esclarecer melhor a pergunta de uma repórter ou ao menos se esquivar com educação não é... Depois dessa, vi que o Amarante foi um amigão com o repórter baiano de Vitória da Conquista. Ao menos foi educado.

Felipe Gurgel · Fortaleza, CE 15/10/2006 22:27
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Felipe Gurgel
 

Comentário com as correções no texto. O anterior estava cheio de erros:

Situação parecida viveu uma colega no Ceará Music - dia 14 de outubro. Quase um mês depois =) Sendo que com Camelo e Barba. Sem especialidade na área, a repórter perguntou quais "ritmos" eles iriam seguir no próximo disco. Camelo olhou para o Barba, perguntou o que respondia. E mandou: "rumba". Todo mundo que ouviu entendeu que ele tava curtindo, é claro.

É certo que, viajar, atender repórter mala atrás de declaração bombástica, correr entre aeroporto-hotel-ônibus é duro. Cansa pra caralho. Consome a paciência. Mas quem trabalha sério na imprensa acaba pagando o pato por outros... A menina parecia não dominar o linguajar exigido pelo ego dos artistas. E cobria um evento de entretenimento, sem conceito algum, que é o caso do Ceará Music. E os caras da banda bem sabem disso.

Na hora de embolsar o cachê e tocar para milhares de pessoas histéricas de repente é interessante estar lá. Esclarecer melhor a pergunta de uma repórter ou ao menos se esquivar com educação não é... Depois dessa, vi que o Amarante foi um amigão com o repórter baiano de Vitória da Conquista. Ao menos foi educado.

Felipe Gurgel · Fortaleza, CE 15/10/2006 22:32
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Felipe Gurgel
 

Adentrar a madrugada, escrever um bom texto, atender exigências de editor e trabalhar de domingo a domingo em redações também cansa pra caramba. Por isso não cabe a justificativa de que as pessoas "não entendem que a gente se lasca na estrada". No caso da relação imprensa-artista, não. Pelo menos em boa parte.

Felipe Gurgel · Fortaleza, CE 15/10/2006 22:36
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