Descobrindo a força do repertório

Domínio público
Repertório é fundamental
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Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ
30/6/2010 · 13 · 4
 

Na música popular, há uma certa distinção entre intérpretes e autores. Em geral, os autores são mais valorizados. Na música instrumental isso é um pouco diferente. Os músicos intérpretes possuem um "olhar autoral", pois trabalham tanto questões técnicas relacionadas a execução das obras, como escolha de arranjos, adaptações e montagem de repertório. Isso significa que um artista de música instrumental é valorizado também pela forma como constrói a relação entre os conteúdos que serão apresentados nos shows.

Esta reflexão veio à tona durante a realização das ações de comunicação do show "Pinho Brasil: Madeira de Lei", que será realizado pelo Pinho Brasil no próximo dia 02 de julho, no Centro de Referência da Música Carioca.

Após iniciarmos a divulgação, comecei a avaliar nossas ações. Revisei os materiais que estávamos utilizando. Tudo certo. Li novamente o release. Lá estavam todas as informações essenciais sobre o show: proposta musical, repertório a ser executado e serviço.

Terminada esta verificação, fiquei com a palavra "repertório" na cabeça. Parecia que ela queria me dizer alguma coisa. Voltei a ler o release. Fixei o meu olhar nela.

Esta palavra diz muito. Liguei para o músico Fábio Neves e perguntei: "qual foi o ponto de partida para a pesquisa que culminou no repertório deste show?"

Fábio me respondeu que o repertório havia sido elaborado de maneira que ele e o Márcio Valongo, outro músico do Pinho Brasil, pudessem trabalhar com cultura brasileira sem abrir mão das características próprias deles."Uma artista que faz isso como ninguém é a Maria Betânia. Ela é uma grande referência para a gente", concluiu Fábio.

Não me contentei com isso. Falei para ele que vários músicos buscam isso. Retruquei: "Fábio, mas como foi a pesquisa de construção do repertório que será apresentado no dia 02 de julho?"

Fábio explicou que "Pinho Brasil - Madeira de Lei", o tema que orientou a escolha do repertório, partiu da mistura de várias ideias: vontade de ecoar a questão ecológica, o fato dos instrumentos serem construídos à partir de "madeiras nobres" e o som forte e marcante que marca as apresentações.

Na medida que começou a falar da "alma do repertório", Fábio se empolgou. "Abriremos o show com uma homenagem à cidade do Rio de Janeiro. Maracanã, nome do famoso estádio, é uma obra de Ivan Paparguerius inspirada no cotidiano carioca. Depois tem três músicas do Villa-Lobos..."

Interrompi ele: "cara, tínhamos que ter mencionado isso"!

Ele seguiu entusiasmado: "escolhemos obras deste grande mestre da nossa cultura que mostram linguagens distintas da música brasileira. Tem chorinho também. "Tocatta-Choro" do violonista Roberto Velasco, "Di Menor" do Guinga e "Choramingando" do Adamo Prince. São compositores contemporâneos".

Àquelas alturas, eu me tranquilizei. Independente do fato de não termos mencionado isso em nosso release, eu percebi que estávamos no caminho certo. Uma ação cultural se sustenta a partir de um repertório. Quanto mais bem construído ele for, maior será o impacto desta ação.

Completamente envolvido naquele passeio pela música brasileira, comentei que achei muito importante a mescla de autores clássicos, populares e contemporâneos. "Sim, esta mescla fala muito sobre nossas referências". Fábio continuou: "tem muita coisa. Vamos tocar "Conversa de Botequim", do Noel Rosa, um arranjo que fiz, baseado numa gravação do Raphael Rabello. Faremos também "Interrogando", do João Pernambuco e "Lamentos do Morro", de "Garoto", nome como era conhecido Aníbal Augusto Sardinha. Ele foi um dos músicos que acompanhou Carmen Miranda nos Estados Unidos".

Por um instante, fiquei preocupado: "mas vocês não correm o risco de ter o seu repertório percebido como uma salada"?

Fábio respondeu: "mas a gente não tem que comer salada para manter a saúde? Ah... tem uma música que gosto muito. Foi feita pelo violeiro Ivan Vilela, um dos principais violeiros da atualidade. "Voando com Asa Branca" é inspirada em "Asa Branca" do mestre Gonzagão. Esse Brasil rural aparece também em "Tambor de Crioula", arranjo para violão de 8 cordas, que criei a partir da obra do bandolinista Carlos Henrique Machado Freitas, e em "Mulher Rendeira", do Zé do Norte, no arranjo assinado por Marco Pereira.

Fábio me convenceu de que a salada é boa e que está bem temperada. Agradeci as informações, nos despedimos e combinamos de nos encontrar na sexta.

Anotei na minha agenda de produtor: "nos próximos releases, lembrar que um dos pontos fortes do trabalho do Pinho Brasil é a seleção do repertório. Falar sobre isso".

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Sinvaline
 

Parabens Ale, essa mescla de autores que é o sucesso,
Boa Pedida!

Sinvaline · Uruaçu, GO 2/7/2010 10:03
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Zezito de Oliveira
 

Alê,
Dicas muito pertinente para a valorização da produção musical, por meio dos motivos e significados da seleção do repertório.
Abraço,

Zezito de Oliveira · Aracaju, SE 2/7/2010 21:24
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Alê Barreto
 

Sinvaline, obrigado por dialogar. A ideia é que as palavras e os textos possibilitem aprendermos juntos.

Mestre Zezito, quanto tempo! Da mesma forma, agradeço sua atenção em ler este conteúdo e também trazer a sua leitura sobre estas ideias. É muito importante para mim.

Um abraço!

Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 3/7/2010 12:12
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Viktor Chagas
 

Muito interessante a tua avaliação. E fiquei realmente curioso com essa "salada" toda do Pinho Brasil. "Salada" que, aliás, já começa com as madeiras dos intrumentos. :)

Mas tenho dúvida se realmente a provocação que você lança de que, na música popular, os intérpretes são menos valorizados que os autores procede. Temos intérpretes cultuadíssimos, como a própria Bethânia, a Gal, a Elis e tantos outros. Por outro lado, há compositores que só despontam graças aos seus intérpretes. Lembro imediatamente daquela música do Peninha, cantada pelo Caetano, que imediatamente o alçou ao estrelato. hehe.

Viktor Chagas · Rio de Janeiro, RJ 3/7/2010 15:55
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