Invariavelmente, em qualquer ação da sociedade, vai sempre existir alguma ligação ao sistema, à lógica capitalista. O mais “puro” ativista, em algum momento, dependerá de alguma fonte de receita originada, ligada ou destinada ao mercado global de consumo.
A atividade turística, enquanto fenômeno sócio-econômico, caracteriza-se como um elemento marcante da vida pós-moderna. Sua condição dinâmica, comunicativa e desterritorializada corroboram tal crença. Dinâmica, por que possibilita um deslocamento (seja qual for sua motivação) tanto pelo espaço – físico ou imaginário –, quanto pelas diversas esferas da sociedade; Comunicativa, a saber, pela demanda por interação que os serviços (transportes, comércio – eletrônico ou não –, alimentação, entretenimento, hospedagem, entre outros) exigem e; Desterritorializada, pois não há limites para as viagens.
Tal não-limitação, em verdade, baseia-se em duas esferas: primeira, os resultados da experiência turística dependem, soberana, mas não unicamente, das expectativas do turista e; a segunda, é de que a origem, o destino anterior, o posterior e o acúmulo de informação e experiências prévios alteram sua compreensão.
E se a viagem for virtual? Surge a idéia de cidadania universal ou global. Sintetizando o pensamento de diversos autores (George Bataille, Carl Schmitt e Friedrich Nietzsche), Abruzesse conceitua a cidadania como “a condição civil, o espaço institucional, contratual, normativo, que conserva as obras do espírito universal no qual se reconhece e se faz reconhecer” (2008: p.79). Aqui basta acrescentar o adjetivo “global” após o conceito central.
A junção das noções abordadas anteriormente acontece ao passo que a demanda por viagens a destinos singulares, que abrigam comunidades tradicionais, culturas arraigadas e história rica em signos, músicas, linguagem, rituais, mitos e identidade diferenciados únicos cresce; E que o meio para basear a decisão de compra e acesso a estes destinos – cada vez mais distantes das metrópoles pasteurizadas pela globalização – passa a ser a internet.
Neste momento o conceito de Glocalização, que suscita a coexistência do global (media escolhida para adquirir os destinos de viagem) com o local (aqueles núcleos, geralmente de pequenas proporções, que despertam interesse dos turistas ao redor do planeta), emerge (KERCKHOVE: 2008, p.137). À diante o autor refere-se à conectividade como a ação de os indivíduos ligarem-se, formarem grupos e, estes, se interconectam .
A rede mundial de computadores, inicialmente utilizada para fins militares, configura-se agora, ao menos naquilo que tange o turismo, como o principal caminho até os longínquos destinos turísticos de base local. Convenciona-se chamar assim aquelas regiões que mantêm os fatores de atração mencionados. O uso da web é cada vez mais diversificado, ou seja, são variadas as formas de conversa entre turista e destinos de viagem ou, ainda, com outros viajantes que chegaram/voltaram, tendo transpassado a experiência de visitar a projeção do lugar, por meio do monitor.
É possível citar os seguintes usos da internet em favor das viagens:
;;; Divulgação institucional (normalmente tarefa do poder público) – baixa interatividade;
;;; Comercialização de produtos e serviços (tarefa da iniciativa privada) – há certo diálogo;
;;; Promoção do lugar e seu patrimônio (sociedade civil local) – interatividade razoável;
;;; Redes/comunidades virtuais/reais sobre o tema (diversos atores) – alta conectividade e interação;
;;; Relato de experiência (viajantes) – alta interatividade.
Interessante notar que em tais relatos há duas experiências em voga: a possibilidade de visitar um local que preserva – ainda que parcialmente – seu patrimônio material e/ou imaterial (cultural, artístico, tecnológico, histórico, social, ambiental) e; a chance de, via web, compartilhar sua vivência com demais viajantes.
Referências:
ABRUZZESE, Alberto. Novos media: além da política e da arte. In: DI FELICI (org.). Do público para as redes: A comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul (SP): Difusão Editora, 2008.
KERCKHOVE, Derrick De. Da democracia à ciberdemocracia. In: DI FELICI (org.). Do público para as redes: A comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul (SP): Difusão Editora, 2008.
Acho que o Google Maps e o Google Earth também são ferramentas importantes hoje para o negócio do turismo, não?
Sergio Rosa · Belo Horizonte, MG 8/9/2008 09:28
Grande Sergio!
É verdade, não tinha pensado especificamente nisso! E seu comentário é super pertinente, afinal - como escrevi - os destinos de base local ficam fora dos grandes centros... geralmente não contam com mapas ou informativos de melhor qualidade!
Perfeito!! Grande abraço!!
Aristides Faria
Sergio,
Creio que mais do que nunca vejo as pessoas viajando hoje em dia para dizer que viajaram, elas se detém nos pontos mais badalados para tirar suas fotos e depois colocá-las no Orkut, Facebook, Hi5s da vida.
O turismo hoje em dia deixa de ser mera expectativa de conhecer outra cultura para conhecer exatamente o local. E as grandes metrópoles têm convergido para uma similaridade imensa. O cidadão global se sente em casa em qualquer lugar, já que reconhece facilmente todos os pontos simbólicos de referência. Basta dizer que a luta entre mega-corporações foi acirrada, mas um famoso fast-food conseguiu instalar sua loja a poucos metros da Esfinge e das pirâmides.
O turismo é uma moda pós-moderna assim como qualquer tipo de atividade escapista. Ainda mais, fomenta diversas pessoas a se sentirem apátridas. A elite global não mais possui um local determinado, mas varia conforme o gosto sua posição no globo em decorrência de suas necessidades.
Creio que como todo movimento difundido esse possui seus praticantes que ainda são o old-school da coisa. Mas esses são minorias.
A internet é realmente uma parte fundamental de descoberta e planejamento, mas em nenhum momento podemos notar isso como algo bom ou ruim. A alta interatividade ou interconectividade ainda está para ser analisada sob a ótica de sua influenciadora. Quem fomenta essas altas interatividade e interconectividades?
Creio que o que explicitou no seu texto só tenho a discordar quanto à noção de cidadão, a noção de cidadania hoje em dia é praticamente relegada, como demonstra Nestor Garcia em seu Consumidores e Cidadãos, à esfera consumista. Cidadão é aquele que está apto a participar da vida consumista. Nesse caso vemos como áreas inteiras do planeta são relegadas ao esquecimento, pois cada vez mais essas áreas não se mostram dignas da tag de "cidadania". O intuito atual não está em tornar todos dignos de serem cidadão, mas permitir que os que já possuem essa marca possam se desenvolver à vontade. Assim as outras áreas do mundo são vistas pelo turismo como exóticas. Nossa incapacidade de perceber nossa realidade está diretamente relacionada à nossa expectativa de visitar um lugar exótico e ali não achar o ponto básico para a revolta pessoal, mas uma viagem esquisita por um local desconhecido, excitante.
Abraços
Aproveite e confira meu texto em votação http://www.overmundo.com.br/overblog/defensores-do-indefensavel-pedofilia-em-questao
Só complementando...
Está em curso uma revolução comunicativa. O digital está na crista, esperando despencar, ser ultrapassado sabe-se lá por que... e o senso de lugar, local, território também.
No mesmo sentido, acredito que os conceitos de comunidade e pertencimento estão passando por nova construção. As reflexões podem ser muitas. Dada a desigualdade social, o que é "ser elite"? Quem é a "elite"? Num país continental, numa das capitais do mundo (SP), no Amazonas, no Rio Grande do Sul...
No texto procurei me referenciar não a uma camada social, mas a quem acessa a web, nos diversos níveis. E sempre fazendo referência ao turismo de base local, jamais generalizando. A decisão foi por concordar que a massificação ainda impera, que a idéia de pátria e as motivações de viagem são as mais diversas, contraditórias e socialmente justificadas.
A discussão é riquíssima e fascinante!!
Eai?! O que acham??
Forte abraço!
Aristides Faria
Aristides,
O problema básico dessa realidade é que a nova elite é formada justamente por aqueles que possuem a mobilidade necessária para ir aonde quiserem. Aos outros a possibilidade é apenas ilusória, ou dita possível, embora nunca alcançável.
O discurso que gira é aquele que demonstra que algumas pessoas têm o poder de não mais "pertencer" a algum lugar sendo facilmente transportáveis a qualquer lugar do mundo, que cria dois ambientes, um para a elite móvel e os lugares que encerram suas populações na imobilidade.
Se considerarmos todas as pessoas que possuem acesso à internet no mundo inteiro não teremos 1/4 dessas e dentre essas apenas uma ínfima parcela possui a facilidade/possibilidade de mobilidade global.
Pensando em número fatuais a parcela da população que está encerrada como lixo humano, aqueles cujas aspirações sociais rotulam como "indesejáveis" é muito maior, infinitamente maior, que os outros que possuem a tag que garante o acesso a esse processo.
Podemos ver apenas nos shoppings locais onde os "indesejáveis" não podem entrar.
Essa é apenas uma faceta da nova divisão da humanidade.
Nosssss!!
Leandro!! Você pegou no ponto!! Esse um quarto, se é que chagamos a isso... acaba sendo a elite, penso, ao menos em termos de interação/comunicação.
É muito pouco. Eu acrescentaria que seja apenas umas das facetas das múltiplas divisões das humanidades que co-habitam nesse planeta, seja lá o nome dele rsrs!!
Tem um livro show de bola que aborda exatamente isso. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
Show, brother!! Sigamos tentando desvendar as humanidades, como bons cientistas sociais rsrsrs!!
Grande abraço!!
Aristides Faria
As análises de Bauman são fundamentais para entender o que se passa hoje em dia no mundo, já devorei quase a obra toda disponivel em português dele. Só vou discordar dele em relação a suas conclusões que parecem muito defender um projeto de governo mundial quando ele diz que soluções para os problemas globais têm que ser tomadas globalmente.
Também algo que não vou concordar com ele sobre as causas disso é quando ele põe que o ambiente globalista econômico fomentou essa realidade, denegrindo os valores. Como obras de outros autores demonstram claramente, veja René Guenón por exemplo, a desvalorização da sociedade desde Descartes veio em ritmo paulatino e se acentuou lá pela década de 1960 quando temos a ascensão das drogas e do rocknroll culminando em woodstock. A causa do capitalismo foi a derrocada dos valores e não o contrário.
Perfeito!!
Dia desses li um debate sobre isso (causa/consequência do capitalismo), mas com enfoque sobre a "explosão" da comunicação via periféricos. Quem ocasiona quem? Quem é fruto de quem? Será que a história é sequêncial, um mero acúmulo de fatos?
Sobre o Bauman, não conheço muito... só pondero que ele escreve lá de cima, dos países capitalistas, além de ser de uma geração longínqua huahauhua!!
Valew!!
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