Com depoimentos, fotos e filmes, projeto reconstrói dias tensos,
42 anos após a deposição de Mauro Borges.
"Meu filho, viemos morrer com você", disse Dona Gercina Borges ao ser perguntada por Mauro Borges Teixeira sobre sua ida ao Palácio das Esmeraldas, momentos antes da entrega do decreto de Intervenção Federal. O depoimento de Mauro, que contém essa fala, e o de outros personagens, compõem o documentário Resistência.doc. A data de 26 de novembro de 1964 ainda resiste como memória viva, e consolida sua importância na história política goiana.
No próximo domingo, dia em que mais um ano se passa da Intervenção Federal em Goiás, o fato reafirma sua importância e necessidade de constante lembrança. Com a preocupação de resgatar a memória desse episódio e de outros que marcaram a primeira metade da década de 1960 em Goiás, o Projeto Resistência.doc, dirigido pela jornalista goiana Carolina Paraguassú, narra momentos políticos desse período em nosso Estado.
Filme inédito - O maior objetivo do documentário é apresentar ao povo goiano um período de sua história, ainda inédito no audiovisual. A preocupação está em reconstruir não apenas a história da intervenção, mas também do Movimento da Legalidade em agosto de 1961 e o cotidiano do governo Mauro Borges, que firmou-se em um amplo Plano de Desenvolvimento. Foram gravadas mais de 40 horas de depoimentos de pessoas que viveram a época e participaram do momento, não só parentes e políticos do governo de Mauro Borges, como também historiadores, opositores e personagens de renome nacional.
Apesar da dificuldade de localização de material documental no Estado de Goiás, o projeto conseguiu reunir um valioso acervo ao estender a pesquisa a outros estados e arquivos, como o do Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e Jornal do Brasil no Rio de Janeiro, onde foi encontrada uma iconografia sobre esse período em Goiás que não se encontra aqui. Carolina Paraguassú aproveita para pedir a colaboração dos goianos: "Ao comentar com as pessoas sobre o projeto, pude perceber lacunas na divulgação de nossa história, o que me motivou a trabalhar com o maior cuidado no levantamento do acervo bibliográfico e iconográfico para realizar o filme. Caso alguém tenha um acervo que possa contribuir para o filme, como fotos, filmes, arquivos sonoros, documentos, livros ou até mesmo com relatos, por favor, entrem em contato com a produção, pois contamos com o apoio de pessoas e instituições para que esse filme seja o mais completo possível", reconhece a diretora.
Dias tensos de 1964 - O clima de conspiração e tensão política esteve presente em todo o processo de intervenção federal em Goiás, que atinge inicialmente a equipe administrativa do governador Mauro Borges e, finalmente, o alvo, o próprio governador. Apesar de Mauro Borges ter apoiado a chamada "Revolução de 31 de março", passou a ser acusado de manter um governo com tendências comunistas e subversivas, incondizentes com a orientação da "Revolução".
Com essas acusações, o governo federal tentou intervir na administração do Estado de Goiás com a exigência de que Mauro Borges substituísse três de seus secretários, acusados de serem comunistas, pedido não atendido pelo governador. O próprio Mauro Borges passa por um processo incriminatório com a instauração de um Inquérito Policial Militar (os famosos IPMs, ferramenta autoritária muito utilizada após o Ato Institucional nº 1), marcado por várias prisões e torturas – as primeiras em Goiás após o golpe de 1964, também lembradas no documentário. Não obtendo resultado direto com o IPM, a chamada "linha dura" do regime pressiona o presidente Castello Branco para que depusesse Mauro Borges.
No dia 23 de novembro é impetrado por Sobral Pinto, como decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, o primeiro habeas corpus preventivo do Brasil, em que é determinado e sustado qualquer julgamento de Mauro Borges pela Justiça Militar. Um dia depois, além da publicação da decisão no Diário de Justiça, os jornais apresentam notas do encarregado pelos IPMs Danilo Darcy de Sá Cunha Melo e de Castello Branco, indicando uma inevitável intervenção em Goiás: "dia a dia se acumulam novas provas quanto ao propósito do Governador de Goiás em transformar o seu Estado num foco permanente de agitação". Ao mesmo tempo, cerca de duas mil pessoas se concentraram na porta do Palácio das Esmeraldas para comemorar a vitória da resistência com o fim do processo do habeas corpus.
O presidente assina o Decreto de Intervenção Federal em Goiás, aprovado autoritariamente na Câmara e cumprido no dia 26 de novembro de 1964 com a substituição de Mauro Borges pelo interventor Carlos de Meira Mattos, dia em que a Praça Cívica presenciou momentos de grande tensão e intensa mobilização popular. Esta tensão, proporcionada pela movimentação de tropas e tanques Sherman em torno da cidade e pelos estrondosos rasantes de aviões de caça a jato na Praça Cívica, enviados pela Força Aérea Brasileira; e a intensa mobilização popular, marcada pela presença massiva de pessoas na praça apoiando o governador Mauro Borges, serão ilustradas no documentário.
Existiram vários fatores que levaram à deposição de Mauro Borges. Essa diversidade de fatores está presente nos múltiplos discursos elaborados pelos entrevistados do documentário, que enfatizam um ou outro fator e uma ou outra interpretação, cada qual construindo a sua própria visão da Intervenção Federal em Goiás e do período em que Mauro Borges esteve no poder. Além de apresentar essas visões, reunidas nas entrevistas com jornalistas, estudantes e diversos personagens proeminentes do cenário político goiano e nacional na década de 1960, o documentário também reúne e revela um acervo histórico inédito no audiovisual goiano e nacional até então, com vasto material documental dentre jornais, fotos e filmes da época.
Mauro Borges - Nascido em Rio Verde, Goiás, no dia 15 de fevereiro de 1920, filho de Pedro Ludovico Teixeira (fundador de Goiânia) e Gercina Borges Teixeira, Mauro Borges cursa a Escola Militar do Realengo e a Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Em 1951, foi nomeado, pelo presidente Getúlio Vargas, diretor da Estrada de Ferro de Goiás, ficando até 1954. Foi governador de Goiás de 1961 até 26 de novembro de 1964, dia em que foi deposto pelo governo federal. Foi, também, deputado federal (1959-1960 e 1991-1994) e senador da República (1982-1990). Hoje com 86 anos, vive em Goiânia e tem colaborado com o documentário por meio de depoimentos, acervo pessoal e contatos. Mauro Borges tem dito que o filme era a última coisa que faltava em sua vida.
Documentário- O documentário como instrumento de investigação tem como etapa fundamental a pesquisa, que teve início em agosto de 2005 para a monografia de Carolina Paraguassú na Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro, tendo como orientador o cineasta Silvio Tendler. Já concluído o curso, a PUC-Rio apoiou o projeto cedendo o equipamento completo de filmagem para trazer do Rio e filmar durante um mês em Goiânia, período em que foram feitas imagens da 1ª fase.
Com a habilitação do projeto na Lei Municipal de Incentivo à Cultura, foi possível buscar recursos junto às empresas goianas, conseguindo patrocínio do Laboratório Padrão e da Tropical Imóveis. Além dos patrocinadores e do apoio da PUC-Rio, o documentário recebe apoio da família de Mauro Borges, da Associação Brasileira de Documentaristas – Seção Goiás, do Museu da Imagem e do Som de Goiânia, dos fotógrafos Evandro Teixeira (RJ) e Orlando Brito (DF), do Pepperoni Studio de Design, entre outras empresas, pessoas e instituições de Goiânia e de outras cidades.
A equipe é composta por profissionais da área de comunicação social, história, letras e artes visuais, estes são responsáveis pela digitalização e tratamento do acervo fotográfico, além da identidade visual do filme. Com os depoimentos e acervos, será possível contar a história em cerca de uma hora e meia de duração. Em fase de finalização, o lançamento está previsto para o início de 2007 e prevê a distribuição gratuita de 290 cópias em DVD para instituições da rede pública de ensino, bibliotecas e museus.
A equipe do documentário também acompanhou uma viagem de Mauro Borges até a cidade de Combinado, no Tocantins, antigo Combinado Agro-Urbano de Arraias, onde o ex-governador foi receber o título de cidadão combinadense por ter sido o construtor da cidade, que era pra ser um exemplo de reforma agrária, não fosse a interrupção do projeto com os militares no poder.
Entre os entrevistados, estão nomes como o próprio Mauro Borges Teixeira, Hélio de Oliveira, Eliézer Penna, Mauro Borges Filho, Ruy Rodrigues, Ubiratan Teixeira e Maria Dulce Loyola Teixeira, Irineu Borges do Nascimento, João Alberto da Costa Pinto, Hugo Brockes, Tarzan de Castro, Carlos Alberto Santa Cruz Serra Dourada, Valterli Guedes, Zuenir Ventura, Francisco Chagas Rabello, Eurico Barbosa, Aldo Arantes, Javier Godinho, Leone Teixeira Vasconcelos, Evandro Teixeira, Orlando Brito. Ainda falta colher alguns depoimentos, que vão esclarecer mais detalhes do período abordado.
Não é uma boa idéia estudantes de outros estados realizarem o mesmo?
Seixas Dória, governador de Sergipe na época e cassado também, e outros camaradas/companheiros/patriotas etc..
poderão contar ótimas histórias para as novas gerações.
Como cineasta e produtor cultural reforço a importância de buscar produzir documentários bem fundamentados na pesquisa, e percebo isso no trabalho realizado pela Carolina Paraguassú e equipe. Fico feliz em saber que estão resgatando um assunto da história goiania com a seriedade necessária.
Álvaro Sabra · Goiânia, GO 28/11/2006 11:39Sou assistente de produção e além de tudo goiana. Sei da importância desse documentário para o resgate da história do nosso estado. E foi esse um dos motivos que me fizeram querer participar dele. Espero que gostem do resultado.
Suzy Antunes · Goiânia, GO 1/12/2006 16:43
Trabalho para o projeto, e acabei de dar entrevista a respeito do documentário Resistência.doc na rádio universitária da UFG. Foi ótimo! Em breve poderão conferir o nosso trabalho!
=*
\o/
eu ouvi a entrevista! achei muito legal a idéia de voces! boa sorte no projeto! quero ver!!!
Ano passado eu prestei UFG e estudei um pouco a respeito da história do estado... Realmente senti falta de informaçoes desse periodo sobre Goias. Tb acho q vai ser muito util esse documentário. Nao só p GO mas tb para todo o Brasil. Boa sorte e parabens pela iniciativa!
Karine Holliday · Brasília, DF 1/12/2006 17:08Ano passado eu prestei UFG e estudei um pouco a respeito da história do estado... Realmente senti falta de informaçoes desse periodo sobre Goias. Tb acho q vai ser muito util esse documentário. Nao só p GO mas tb para todo o Brasil. Boa sorte e parabens pela iniciativa!
Karine Holliday · Brasília, DF 1/12/2006 17:08Obrigada, gente! Comentários realmente encorajadores! :)
Georgia Cynara · Goiânia, GO 2/12/2006 08:44
Estou lendo sobre a ditadura, Mauro Borges teve várias oportunidades de permanecer no poder e não ser cassado, se se comprometessa a fazer uma reforma em seu gabinete e sua plataforma, e caiu afirmando que a coisa toda era uma pouca vergonha.
Realmente uma das poucas cabeças pensantes sãs no brasil na época, acho que a história dele deveria ter mesmo mais publicidade.
Assisti ao degradante episódio da deposição do governador Mauro Borges Teixeira na Praça Cívica. Ele saiu do Palácio das Esmeraldas e subiu numa Kombi para falar com a multidão que tomava a praça. Emocionado, pálido, ajustava a calça que teimava cair a qualquer momento. Fez um discurso que provocou lágrimas em muitos que foram pra Praça Cívica naquele dia. O general que o depôs, Carlos de Meira Mattos, disse à imprensa na entrevista que se seguiu à deposição que, se houvesse resistência, teria havido "um banho de sangue". Aquilo me chocou profundamente. Mais que os aviões lotados de paraquedistas que sobrevoaram e depois cercaram a cidade para impedir qualquer resistência. A resistência era meia dúzia de estudantes que ensaiavam lançamento de bombas de choque com pregos e cacos de vidro em monturos de cupim durante a madrugada no alto da Macambira. Só. Mauro caiu, entre outras razões, por ter tido a "audácia" de receber o presidente Josip Broz Tito, da Iugoslávia, e a mulher, Jovanka. A Iugoslávia era um país que vivia à sombra da União Soviética. E também por ter evitado que a polícia civil cometesse atrocidades contra a população civil. Foi derrubado por seu antigo professor na Escola Militar, o marechal Castelo Branco. Que, muito tempo depois, foi derrubado juntamente com o avião em que voava no interior do Ceará.
Romildo · Rio de Janeiro, RJ 17/11/2010 13:14Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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