É tempo de pequi (Caryocar brasiliense) no Tocantins. Essa maravilha do cerrado está presente em todo o estado, sendo componente da alimentação de todas as classes sociais. Desde a ocupação colonial tornou-se alimento nobre e indispensável da culinária tocantinense cuja safra é esperada com ansiedade pela população nos últimos meses do ano.
O pequi merece a nossa atenção desde pouco antes do meio do ano quando emite os primeiros sinais que deixam claro ao sertanejo se a safra será boa ou não. Isso mesmo. Como outras frutas do cerrado, entre elas o buriti, o pequi não tem uma produção constante ano após ano. Quando a árvore troca a folha verde-escura pela roupagem verde-clara no outono, é garantia de que a produção será boa.
E não dá outra. Ali pelo mês de julho estará florida, carregada de flores de filamentos e pétalas brancas.
Sabe o sertanejo que poderá valer-se de outros dividendos enquanto aguarda a produção garantida: várias espécies de animais procuram o pequizeiro para alimentar-se das flores que caem. Entre elas, caças nobres como o veado, a paca e o tatu. É empoleirar-se no pequizeiro durante a noite, no que por aqui chamam ‘espera’, para levar para casa a carne que será servida à mesa no dia seguinte. Como a prática é hábito transmitido há gerações, não há receio de destruição da fauna. Vale a garantia do alimento que, para muitas populações pobres do interior, é a única servida à mesa.
Quando o ciclo da floração é interrompido pelos frutos que intumescem nos cachos às extremidades dos galhos da árvore, praticamente desaparece a freqüência de caça. O sertanejo entretanto não se preocupa, as vitualhas voltarão a aparecer à mesa pouco tempo depois: durante a maturação dos frutos.
Entre outubro e novembro, a safra alcança o pico. Os pequizeiros carregados deixam desabar no chão com os ventos das chuvas as grandes frutas maduras. É quando os animais silvestres voltam a freqüentar as frondosas árvores e com eles os caçadores. A ‘espera’ volta a ser prática rotineira e o saboroso fruto bem se pode casar nas refeições a um assado de veado.
Bom é o pequi que cai
O sertanejo sabe que a fruta estará apta para o consumo quando cai do pé. Não deve colher os grandes frutos no cacho, pois acontece de a maioria assim colhida murchar e quando ‘roletada’ (abertura da casca com faca pela cintura) não desprender o caroço polpudo da casca.
O pequi caÃdo do pé sofre a ação do calor do sol e do solo, amolecendo a casca. Após um ou dois dias, esse processo deixa-a tão mole que é capaz de dissolver ao toque da mão, liberando o caroço. Nem sempre o pequi nesse estágio pode ser aproveitado para o consumo humano, haja vista o risco de já estar contaminado pela putrefação. No entanto é alimento apreciado pelos animais silvestres. Tatus e pebas costumam enterrar o pequi para apressar a putrefação e liberar o caroço, voltando depois para degustar o fruto. Muitos assim enterrados e esquecidos nascem depois.
As feiras nas cidades tocantinenses, em outubro e novembro, exibem à venda os pequis colhidos no cerrado. Nas margens das rodovias são freqüentes sacos e mais sacos cheios dos frutos à venda para os motoristas.
Há muitas maneiras de comer o pequi. Os mais apressadinhos devoram-no cru, arrancando com a faca grandes lascas da polpa que comem com farinha – seca ou de puba. É um prato próprio para estômagos resistentes ou acostumados à ingestão. É desnecessário dizer o efeito colateral para pessoas não “aclimatadasâ€.
Versatilidade
Mas a culinária tocantinense reserva pratos variados para todos os gostos e estômagos cujo ingrediente principal é o pequi. Ele poderá unir-se ao arroz, ao feijão, à carne, ou solitário temperado com cebolinha e outros condimentos, com ou sem molho. Ah! A galinha caipira com pequi é o manjar dos deuses para os tocantinenses. Não somente aqui, sei, em Goiás também é muito apreciado. Mas falo de minha terra.
Quem pensa que a prodigalidade do pequi encerra-se na mesa subestima-o. A fruta pode ser aproveitada para extração do óleo comestÃvel, que tem inclusive propriedades medicinais, licores e sucos. O caroço, ou somente a polpa extraÃda dele em tiras, pode ser usado para conserva.
Desde que o colonizador travou contato com o pequizeiro que lança mão de sua madeira para a construção ou transformação em carvão vegetal. Os pequizeiros maduros (velhos) forneceram ao longo de séculos de colonização boa madeira para currais e emprego em cavernas de embarcações na região do rio Tocantins.
Hoje, apesar da proteção estabelecida em lei, o pequizeiro é extremamente ameaçado pelo avanço agropecuário e emprego na indústria do carvão vegetal. Por causa disso, pode chegar um dia em que nem a sua tão decantada propriedade benéfica à memória será capaz de torná-lo lembrado pelas gerações futuras. Sabemos todos, e isso é chiste por aqui, que quem se delicia com o pequi é capaz de se lembrar da ingestão mesmo que arrote horas depois de tê-lo consumido. O gosto forte que retorna à boca é o responsável pela lembrança.
HÃ MAIS FOTOS NESTE LINQUE NO BANCO DE CULTURA
PUBLIQUEI UMA CRÔNICA SOBRE PEQUI NESTE LINQUE
JJ, que incrÃvel, vi hoje mesmo o programa Um Pé de Quê?, com a Regina Cazé... sobre o pequizeiro. Na minha ignorância, imaginava que o pequi era uma frutinha amarela do cerrado. Descobri no programa - e aqui - que a tal frutinha amarela é na verdade uma polpa dentro de um fruto maior.
bjos
Realmente, Ilha, à s vezes conhecemos tão pouco do Brasil que esses momentos são de uma grande importância elucidativa. O pequi é um caroço com polpa (comestÃvel) dentro de uma casca, na foto vê-se ela. Com casca e tudo, há deles maior que uma laranja, pois ele pode conter dentro de uma só casca até quatro caroços. O caroço, depois de roÃdo, apresenta espinhos dentro. Por isso muito cuidado enquanto é degustado. Se pressionar muito o dente enquanto se rói o pequi, os espinhos podem grudar na lÃngua. Mas não é perigoso se consumido corretamente.
Daqui a pouco vou publicar mais fotos no banco de cultura, pois aqui só sete são permitidas. Estou esperando uma outra publicação minha lá ir para a votação.
abcs
Excelente artigo, JJLeanfro.
Ah! Aqui nos cerrados do PiauÃ,
o pequi - e sua culinária - também é abundante,
e deveras apreciado.
Abraço.
Lustato
Sou um relapso.
Já estive em Goiânia, Palmas e NUNCA comi nada com pequi.
Valeu Leandro! Com tantas informações legais, certamente quando provar o pequi ele terá um gosto muito melhor do que já tem.
Lustato, realmente o pequi é uma unanimidade, ou quase. A incidência dele é muito vasta, dos campos do Piauà a São Paulo. Obrigado pela presença.
.........
Yusseff,
Com certeza, amigo. A época certa de apreciá-lo é agora, no pico da safra por aqui. Se não me engano, em Minas a safra é lá por janeiro. Mas aqui, de Goiás ao Maranhão e Piauà é por essa época.
O pequi além de tudo é um delator nato. Quando está sendo cozido, se chega visita à casa, ela logo sabe.
abcs
Que delÃcia! O pequi e o registro. Quando pequena morria de medo de roer, porque diziam que se os espinhos tocassem na nossa boca ficarÃamos aleijados. Bom, minha roidinha era leve, mas ficava olhando admirada meu cunhado roer dezenas de pequi até deixar os espinhos à s claras.
Parabéns Leandro.
Espero que nos vejamos mais.
Havia sim essas crendices como forma de botar freio na gula das crianças. Mas é muito difÃcil o espinho pegar a lÃngua. Ele fica dentro do caroço duro, como vc bem sabe afinal aà tb deve tê-lo.
abcs
Uau, pequi em todas as suas formas! Que linda a árvore!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 10/11/2008 17:16
Olá, Helena. De fato a fruta dá em cada pequi até quatro caroços. Não conheço com mais de quatro. Também variam os caroços em tamanho e cor.
A árvore, quando muito velha, pode chegar a ter quase 20 metros de altura, uma grande fronde e um tronco igual em circunferência ao de uma mangueira centenária. A sua madeira é útil.
abcs
ai que saudade de um frango com pequi.... Obrigada pelo texto!
Krista K · Salvador, BA 10/11/2008 22:32
Krista, de fato frango com pequi é nota 10...
abcs
Aqui em BrasÃlia o pequi está presente em pratos até de redes nacionais, que fazem algum prato com ele de ingrediente. O sorvete de pequi também é uma delÃcia. Para quem mora fora do cerrado, ou no perÃodo em que não há o fruto em natura, recomendo procurar as conservas de pequi ou os cremes, molhos e óleo industrializados, que já devem ser vendidos em todo o Brasil. Vale à pena.
Roberta AR · BrasÃlia, DF 12/11/2008 05:20
Ah!!!!!!!!! que saudade me dá das chapadas do meu Gilbués extamente as chapadas onde inciam o caminho que nos levavam a Ponte Alta de pois a Porto Nacional, mas também às cercanias do Jalapão......
Grande e grande,
abraço
andre.
Leandro
Para quem não conhece é meio esquisito.
Mas cá entre nós, um sabor sem igual.
Total apoio ao pequi.
Leandro, que isso motive todos a postar sobre as maravilhas de nossa rica e quase desconhecida diversidade de frutas locais... Votado... Dá uma passada em Marcas, quando der... Abraços...
Pepê Mattos · Macapá, AP 12/11/2008 10:15
Roberta, o sorvete nunca tomei, mas já ouvi dizer que é realmente uma delÃcia.
É, André, no seu Piauà tem também. Assim como aquele maravilhoso doce de buriti embalado no próprio talo que por aqui chega muito. Uma delÃcia tb. Talvez alguém do PI pudesse falar numa matéria aqui sobre a indústria artesanal desse doce. E mostrá-lo aqui. Seria interessante.
EdimoGinot, realmente é saborosÃssimo. E é isso que vc falou: se alguém não tem o hábito, é bom ir devagar até acostumar.
Pepê, sua sugestão é boa. Outras maravilhas deviam aparecer aqui. Seria asim como um guia gastronômico. Das delÃcias naturais do BR.
abcs a todos
Belas imagens do Pequi (a principal então) e sua árvore!
Como é rico esse Brasil!
Parabéns!
Viva a magia do Cerrado.
Tive o prazer de conhecer quando morava no DF,GO... antes do To nascer! :-) (Lauro)
Abraços,
Ana e Lauro.
Lauro,
Ver a árvore de perto então é impagável. Quando é um pequizeiro velho então é muito bonito, pois é grande como uma mangueira secular. Obrigado pela participação.
abcs
Pequi... ou o amamos ou o odiamos... nós que o conhecemos,
.
Fruto só essência... eu o adoro...
.
Ótimo texto, Camará ... abraços,
.
amigão, arroz com galinha e pequi é bão demais hein? se não me engano há alguns anos teve um polÃtico que acabou com a lÃngua cravada de espinhos do pequi... poderia ser distribuÃdo no Congresso... abs e parabéns
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 13/11/2008 02:22Por aqui em Montes Claros no Norte de Minas temos anualmente o festival do pequi, promovido pela Secretaria de Cultura da Municipalidade. Ocorre no mes de agosto e atrai grande numero de visitantes. É puro folclore e tradições Norte Mineiras em efusão!
raphaelreys · Montes Claros, MG 14/11/2008 19:15Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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