Em pouco mais de um ano a Editora Éblis chega ao quinto título dedicado à poesia
Com a publicação de Passeios na floresta, de Ademir Demarchi, e Camisa qual, de Cândido Rolim, a Editora Éblis chega ao quinto título do seu catálogo, confirmando, em pouco mais de um ano de existência, a impertinência do seu projeto editorial: o gesto estético e crítico da publicação de poesia. Contra o pano de fundo do cenário literário contemporâneo, onde o provincianismo é muito ativo e o cult muito cansativo, os dois novos títulos reafirmam o rigor e a unidade do catálogo da editora: um time de poetas que encaram a criação poética como uma sempre confrontação com a linguagem, como um fazer frente à exaustão da linguagem, envolvendo a experimentação e a negação de clichês retóricos.
Em Passeios na Floresta, Ademir Demarchi, paranaense radicado em Santos, sem receio do extravio, se embrenha pelas vias imprecisas da floresta da linguagem, usando a metáfora de Paul Valéry capturada à epígrafe do livro. A partir daí, o poeta alcança a sua errância por meio de efeitos de cálculos, mapeando encontros imprevistos, aqui com Mr. Conrad (imensidão de água sob os pés/ dentro do barco bêbado o mar no convés), ali com Nietzsche (pequenas nuvens no pasto ôntico e ótico) e acolá com o Sangue Ruim (caminhamos como sempre para o grande encontro/ com o imenso Espírito-de-Porco). No extravio calculado, Ademir alcança, como Ulisses, a possibilidade de ter o que contar, em articulações inesperadas, a experiência da linguagem: não, não tenha medo não/ pois o homem em guerra morre em vão/ lançando setas sem osso ao caos/ enquanto o sábio poeta deleita-se nos seios das sereias/ e navega o acaso cantando as naus.
Camisa qual de Cândido Rolim, cearense que viveu alguns anos em Porto Alegre, mas que recentemente voltou para Fortaleza, é um livro grave, onde na superfície árida da palavra o poeta afirma uma paradoxal emoção cética ao se (des)confessar: por dentro repleto/ de outros travos/ deixo que a simples/ distração alcance/ o razoável. Assim que, no poema que dá título ao livro, abre um irritado parêntese à cordeira estridência das patriotadas de domingo: e aquele um equatoriano/ camisa algo que levou/ o drible memorável aquele/ o pano de fundo de/ chão para a ubérrima estridência/ nacional// (...) o quem mesmo? da escalação/ o zagueiro número de cobre às costas sem/ classe = 2 desses não vale 1 nosso/ com quem o craque/ exaltável ao máximo não/ troca a camisa/ nem a pele. É nesse rigor das indagações e no cuidado da forma que o livro de Cândido se faz e nada concede gratuitamente e nem sequer lhe ocorre/ ser bom não livra/ do risco de ser mal/ interpretado.
Com estes dois novos títulos, reafirmamos que os poetas e textos que pretendemos publicar são realidades e movimentos efetivos com os quais nos identificamos. Os queremos como nossos interlocutores. Com eles a editora estará bem acompanhada. Os valores da editora são os mesmos da tradição, isto é, inventar a tradição, ou as tradições, e, quanto às práticas: não desprezar as traições, os desvios, etc., sempre que a maturidade amortecida, ou a voz melíflua da consagração estiverem farejando nosso afazer e nossa afasia.
Contra o pano de fundo do cenário literário contemporâneo, onde o provincianismo é muito ativo e o cult muito cansativo, marcamos e afirmamos uma posição centrada na lucidez de que a criação poética é sempre uma confrontação com a linguagem, é um fazer frente à exaustão da linguagem, e que seu resultado, o poema, o livro de poemas, é sempre inconcluso. São esses os valores da Éblis. Nossas práticas, por sua vez, se mostram na opção que a editora faz de publicar e pôr em circulação poetas que tenham presente, de uma forma ou de outra, a consciência da “dificuldade” da poesia, o que envolve a experimentação e a negação de clichês retóricos.
Desse modo, a experiência da Éblis se constitui simultaneamente como investimento ético e como criação estética. Neste primeiro ano, experimentamos exatamente a compreensão desta inequívoca co-relação entre ética e estética, na dimensão da fruição, do prazer, sem impostação. Assim, Éblis é irônica ao “fetichismo cult alternativo” e à poesia como “sorriso da sociedade”.
Não abrimos mão de problematizar a força de qualquer empreitada-arte, e isto parece interessante porque por meio dessa suspeição irônica nos tornamos mais aptos para compreender a arte e a poesia numa dimensão menos grandiloqüente ou menos esperançosa em relação ao seu poder de fogo. Talvez, mesmo a revelia de seus pais fundadores, a editora Éblis venha a ter alguma importância frente à multiplicação libidinosa dessas visibilidades sem fundo ou das novas tecnologias e sua correlata insolvência. Mas isso foge ao nosso controle, pois o futuro pertence à Éblis. Nosso projeto gráfico já afirma uma espécie de vontade não-perdulária no que toca ao aproveitamento dos signos. Nossas capas revelam um gesto severo de calígrafo: uma estocada de nanquim sobre a folha branca. A recusa sob a escolha.
Ronaldo Machado & Ronald Augusto, EDITORES
Sobre os poetas:
Cândido Rolim nasceu em Várzea Alegre (Ceará) em 1965. Reside em Fortaleza. É autor de Fragma (Fortaleza: Funcet, 2007), Pedra Habitada (Porto Alegre: AGE, 2002), Exemplos Alados (Fortaleza: Letra e Música, 1998), entre outros livros. Tem poemas, resenhas e ensaios publicados em jornais e revista do país e na internet. e-mail: candidorolim@hotmail.com
Ademir Demarchi nasceu em Maringá (PR) em 1960. Reside em Santos (SP). Doutor em Literatura Brasileira (USP), é editor de BABEL – Revista de Poesia, Tradução e Crítica. É autor de Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e organizador de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do Paraná, 2002). Tem poemas, ensaios e resenhas publicados em jornais e revistas impressos e na internet. e-mail: revistababel@uol.com.br
Opa, editores como Ronaldo Augusto e Ronaldo Machado são perolas raras... devemos cultivá-los sempre.
Apaludo de pé uma iniciativa tão corajosa.
Parabens, Éblis.
Força para este projeto.
com a editora éblis me descobri um amigo do alheio, isto é, descobri a alegria de publicar o outro. com isso me situo no campo estético da nossa poesia, ou seja, digo de onde veio e, talvez, para onde e com quem vou.
RonaldAugusto · Porto Alegre, RS 28/6/2008 17:36Grande passos firmes e_ternos, Ronald. Parabéns.
Adroaldo Bauer · Porto Alegre, RS 29/6/2008 19:31
Que beleza, pessoal:
Um autor do Ceará, outro do Paraná (viendo em Santos) e uma editora do Rio Grande do Sul!
Parabéns pelo êxito editorial.
Abs
Beto
Certo, além de elogios, que todo mundo que lê essa matéria compre os livros!
Ricardo Silvestrin · Porto Alegre, RS 30/6/2008 15:05
Parabéns a editora, e a matéria.
Abs.
Tenho muita alegria de participar desse projeto sensacional que é a Éblis. O Ronald e o Ronaldo, com certeza, já podem ser considerados dois dos mais importantes editores de poesia do Brasil.
Abbracci
Baita alegria em sabê-los férteis!
Boa, Ronald e Ronaldo.
Ronaldo,
Boas a iniciativa de publicar poesia e a proposta de primar pela qualidade literária.
Vida longa à Éblis.
Abs,
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