Ele entra atrasado, de terno e sapatos, e senta no banquinho todo prosa, como se já fosse da casa. Seu Jorge, que se apresenta hoje no Novo Espaço Centro de Eventos em Ribeirão Preto em comemoração aos 15 anos do Banana's começava assim sua coletiva vip no Villa das Flores. A casa lotada de universitários ribeirão-pretanos treme um pouco ao som grave da forte voz do cantor, que começa divagando sobre a beleza simples da cidade caipira. Eu, que caÃra de pára-quedas naquele evento, ainda carregando a mochila e os trabalhos da faculdade para fazer em casa, estava ali muito mais pelas companhias e a cerveja do fim de semana do que por ele, quem eu conhecia superficialmente por uma ou outra música e por seu trabalho como ator.
Logo minha atenção começa a ser completamente voltada ao palco, quando aquele vozerão todo adia a canção para opinar sobre os problemas do paÃs. De uma maneira descontraÃda, como quem conversa em uma mesa de boteco, Seu Jorge rasga um discurso resultante de sua história pessoal, falando de mÃdia, polÃtica, Brasil. "Você pode ter mais defeitos do que qualidades, mas suas qualidades podem superar seus defeitos.", salienta, ao falar da auto-estima do brasileiro. As perguntas chovem, alguns interlocutores empolgam-se participando do discurso. Surpreendo-me.
" Todos que pagam impostos sustentam os que são isentos e os que sonegam. Pagamos também para que eles - os nossos "empregados", os polÃticos - trabalhem para a gente, e o que eles fazem é nos forçar a sermos obedientes. A maior violência deste paÃs é a indiferença". Ao ser questionado sobre a violência no Brasil, Seu Jorge chama a atenção do provincianismo brasileiro voltado aos centros urbanos, onde o problema parece se concentrar todo. "O problema também está nas Gerais, no cerrado, nos pampas (...) à s vezes tenho a sensação de que essa violência toda que vivemos existe porque o povo tá se odiando. Tá cansado de ver um ao outro sofrendo, então mete bala, mesmo."
Saco meu moleskine e peço mais uma cerveja, como de praxe. Alguém sempre deve anotar as frases interessantes... "É... o cara não deixou o sucesso subir na cabeça. Ele manteve coisa melhor dentro dela", diz um garçom ao outro na minha frente. Seu Jorge havia conquistado a atenção e o respeito de todos no recinto em menos de 10 minutos.
Observei por um tempo os olhos atentos ( e as caras e bocas) das pessoas superproduzidas para a balada, tentando adivinhar se elas esperavam todo aquele papo cabeça antes do samba rock.
Seu Jorge flagrara o ambiente em que estava."Eu sou um cara que não tem formação nenhuma, aqui, falando pra vocês todos, universitários (...). Eu tou aqui falando que eu tou retomando os estudos agora que tenho a oportunidade, porque devo isso à minha comunidade." O assunto deu espaço à polêmica de cotas para negros na universidade, após o desabafo de um dos poucos negros que se encontrava dentre os vips. Seu Jorge começa, então, a falar pela raça negra. "Nós temos 120 anos de libertação. Essa sociedade excluiu os negros e ao mesmo tempo não permitiu que eles formassem uma sociedade organizada. As cotas são uma aposta da sociedade atual para mudar isso. Mas não somos tão vÃtimas: talvez se tivéssemos nos organizado, fôssemos mais aceitos. O que não podemos é viver aceitando a humilhação. Eu tô querendo entrar pra universidade, mas eu não quero essa cota. Nós temos que nos organizar antes, nossos velhos, nossas crianças, pra depois entrarmos numa universidade nos sentindo bem. Sem ostentar a humilhação..."
Aconchega o violão entre as pernas, se preparando para a primeira música, quando é questionado sobre a mÃdia brasileira e a banalização sexual agregada à música popular. " A mÃdia me mandou rebolar... tá, então vamos rebolar. Mas rebolar pra quê??? Se eles me explicarem..."
Dentre risos, e flashes, os primeiros dedilhados são interrompidos por uma pergunta soprada. e a resposta marca o fim da coletiva : "Não, parei de fumar TUDO exatamente hoje. Para aguentar essa pressão."
Encerra, então, com duas músicas que encaixam-se perfeitamente ao contexto: Zé do caroço e Brasis.
Durante o show me peguei pensando diversas vezes no quão raro são os artistas com respaldo na mÃdia que utilizam do seu espaço para lutar contra a indiferença da massa perante os problemas do paÃs. Seu Jorge - um brasileiro com uma história pessoal atÃpica, talvez a raiz da sua intensidade relfexiva - pode parecer posar como um reacionário com discurso polÃtico gratuito, porém aparenta ter consciência do poder da sua arte como meio de propagar discussões que sacodem a poeira dentre a inércia. Tanto foi que o assunto perdurou pelo resto da noite, após o show, e pela amnhã com meus amigos... Seu Jorge sabe como sacudir a poeira, literalmente.
Bela descrição, Anielle. Tenho famÃlia em Ribeirão e gosto bastante da cidade (mas o calor é dose!).
Marcelo V. · São Paulo, SP 14/4/2007 12:48
oi, marcelo!
que bom que gostou... o calor de ribeirão causa delÃrios, mesmo. talvez por isso seja uma tradição nesta cidade o famoso choppinho no fim da tarde. [hehe]
esse show aconteceu ontem, porém as fotos e os vÃdeos ficaram com uma amiga, ainda nao postei. mas logo a descrição ganhará mais cor.
valeu pelos comentários!
nossa, anielle, que texto legal, bem escrito... muito bom mesmo... você conseguiu com a descrição mostrar o cara de um ponto de vista bem diferente do comum... parabéns !!!
isaac_lira · Natal, RN 17/4/2007 10:25
Gostei do texto, Anielle.
Voz e conteúdo é que não faltam nesse armário, não?!
Aguardo as fotos ;)
nao consigo postar mais as fotos... uma pena.
:/
Oi Anielle! Legal teu texto. E cota para negros é tão preconceituoso quanto para Ãndios.
Agora, por que vc não conseguiu postar mais fotos? A foto principal é de sua autoria?
Gosto de Seu Jorge e gostei do seu texto. Execelente recorte. Abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 18/4/2007 10:32Só queria saber o que é "moleskine"?
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 18/4/2007 10:32
Legal o texto, parabéns. Se quiser dar uma olhada no meu blog e ver o lado ator (cara de pau) do Seu Jorge :
http://ironia-blog.blogspot.com/2007/04/cinema.html
valeu!
Anielle,parabéns pelo texto.
Gostei muito!
Anielle, fabuloso Seu Jorge e febuloso seu texto. Parabéns!
Poeta Jorge Henrique · Nossa Senhora da Glória, SE 18/4/2007 12:10
marcos: infelizmente não consegui postar pois só tive acesso às fotos (fotografei na máquina de uma amiga...) na terça, quando a matéria já estava na fila de votação. tentei buscar uma outra foto que coubesse no contexto, provisoriamente... foi uma pena.
mbnick e felipe:
moleskine é um caderninho (uma das minhas paixões, inclusive) de capa de couro e papel alcalino (em geral). Ficou famoso por ter sido a escolha de intelectuais europeus como pocket book ( de van gogh a picasso). No site ( www.moleskine.com ) tem um pouco do histórico de seus usuários e admiradores. Existe uma gama enorme de tipos de moleskines. enfim, é só um caderninho... (eu devia ter posto "bloco de anotações", foi um vacilo meu...)
obrigada pela força no meu "debut jornalÃstico", pessoal !
:]
Nossa... show de bola heim.... O cara é demais... fala tudo que tem pra falar sem ser um chato maçante... Seu Jorge pro ministério da Cultura! Abraços... E parabéns Anielle. Se tivesse fotos sria realmente legal...
Renato Domingues · São Paulo, SP 18/4/2007 15:13
Olá senhorita!
Lembra de moi? Eu sou aquele que ficou cuidando do seu caderninho de anotações e tentou filmar na máquina da sua amiga, durante a "coletiva pessoal" do Seu Jorge!
Curti muito sua resenha, vc devia ser uma jornalista bióloga, ou algo assim! O tÃtulo ficou da hora, mas acho que vc devia usar aquilo que vc me disse, de o Seu Jorge querer ser o Chico, lembra?
Mande um mail pra mim, eu curti vc. O meu é gama@nw3.com.br
bjos, boa noite e boa sorte.
ótimo texto Anielle , descrição perfeita dos fatos , é de pessoas como Seu Jorge com esta visão e preocupação que o Brasil precisa , me lembrou Raul seixas que no palco tambem nos incitava a pensar nas soluções por um mundo melhor!!!
rodrigoterraverde · Varginha, MG 18/4/2007 17:33
agradeço pela explicação, fui pesquisar sobre o moleskine na internet e achei muita informação interessante ...
valeu!
Repercussão: neste momento esta matéria está na home do iG no link para o Overmundo.
Abraços
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