1. Apresentação
Devido a importância do tema MÚSICA INDEPENDENTE, que está muito na moda, diga-se de passagem, a discussão não poderia ocorrer em hora mais apropriada. Vivemos uma nova era da música brasileira que realmente está sendo “esmagada”. Por pouco tempo. É assustador pensar que, realmente, o Brasil não conhece mais a sua música. Principalmente na década de 70 houve um grande esforço para que o país assumisse sua música na totalidade, e que vários elementos não contemplados na MPB oficial fossem também inseridos dentro da música brasileira. Esses são conhecidos até hoje como tropicalistas.
Pois bem, em 2007 foram lançados 55 títulos nacionais, e mais 74 estrangeiros licenciados, pelas quatro grandes gravadoras (Sony, Warner, EMI e Universal). Estes artistas ocuparam um espaço de praticamente 88% da mídia nacional. Do outro lado 784 títulos (só isso mesmo???) ficaram com pouco mais de 9% desse espaço. A explicação dessa distorção é todo esquema de monopolização da mídia por parte dessas grandes empresas através, principalmente, do velho conhecido jabá. Hoje muitas vezes institucionalizado (com nota fiscal e tudo, diluído dentro do plano de mídia das emissoras).
Além disso, o que foi pouco discutido no encontro, todo sistema de distribuição dos direitos autorais no Brasil está atrelado a medidas tomadas desde a metade do século passado para atender ao interesse dessas então emergentes empresas estrangeiras.
Enfim, é realmente necessário que o “Brasil conheça o Brasil”, e sem dúvida alguma o que de melhor foi produzido musicalmente no país desde os anos 80 e 90 está fora desse circuito, e é necessário medidas governamentais para proteger a música independente.
Até aí, tudo bem.
2. A Convocação
O que primeiramente chamou a atenção nesse encontro foi a convocação dos participantes. Organizado pela UBC (União Brasileira dos Compositores), AMAR (Associação de Músicos e Arranjadores), estas duas últimas membros do ECAD (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais), ABMI (Associação Brasileira da Música Independente) e o Governo do Paraná através da Secretaria de Cultura, é natural que cada um tenha colocado alguns nomes entre os participantes. Mesmo sendo dito exaustivamente durante todo o encontro que não era uma assembléia geral, o curioso é explicar a ausência de nomes importantes da cena independente local e até nacional. “Mas era apenas uma reunião fechada para discutir os interesses dos músicos independentes”. Sim e não.
3. As Discussões
Na pauta, diversos temas extremamente relevantes. Muitas propostas muito bem elaboradas e de um certo consenso geral, como as expostas na apresentação, além de medidas governamentais imediatas para estimular o setor. Cito algumas delas:
- A volta da educação musical obrigatória no currículo das escolas brasileiras visando a formação de público
- Instituição de um repertório mínimo de músicas diferentes nas rádios como forma de combater o jabá. Além disso, a exemplo do que ocorre na Dinamarca, as músicas executadas mais de 5 vezes no mesmo dia, por exemplo, estariam sujeitas a um repasse menor progressivamente dos seus direitos autorais e conexos.
- Regionalização das execuções, ou seja, um percentual mínimo para a produção local como prevê a constituição
- Equiparação do CD ao livro no que diz respeito a sua Imunidade Tributária (apoio ao projeto de lei que deve começar a tramitar no Congresso Nacional)
Esta última proposta até pode ser rebatida, com o argumento de que somente as empresas do setor seriam favorecidas e não traria benefício aos músicos. Porém, na prática, se a produção do CD ficar livre de alguns impostos, e consequentemente mais barata, é bom negócio também para os artistas independentes auto-produtores.
Opa, mas esse termo (auto-produtores) não estava na pauta! Pois é, e quando veio à tona é que as coisas começaram a ficar claras. A ABMI é, na verdade, uma associação de gravadoras nacionais independentes, que têm um repertório riquíssimo e vários artistas brilhantes, porém não representam nem um terço de toda a produção nacional fora das grandes gravadoras. Essa grande parcela de produtores independentes correspondem a uma produção talvez nunca vista dentro da música brasileira, tanto em quantidade como qualidade. Também, várias microgravadoras (muitas vezes grava somente o próprio artista) não estão presentes nos dados da ABMI. Por esse motivo que aquele número de 784 títulos nacionais independentes está muito aquém da realidade, sendo o Paraná, sozinho, responsável por mais da metade desse número em 2007.
Depois foi exposto a possível existência de um financiamento do BNDES para produção de discos independentes a juros baixos, e também uma idéia de propor ao governo que adquira "CDs didáticos", a exemplo do que acontece com livros. Seria, talvez, CDs para serem distribuídos em escolas para formação de público. É, talvez. Somada a isso, uma grande polêmica sobre o ECAD.
4. ECAD - O Capítulo à parte
Realmente foi. O grande tema de discordância foi o nosso velho escritório de direitos autorais, um ponto que na verdade não havia visões tão diferentes assim, mas que gerou o grande "racha" do encontro. Como toda discussão importante, evidente que esse encontro não seria um consenso lindo em prol da música brasileira. Vários interesses comerciais e mercadológicos estavam em jogo e isso ficou claro. Não que esses temas não devessem ser discutidos. São importantes, mas era justamente essa visão que separava os "medalhões da música brasileira preocupados com sua aposentadoria" e os "os jovenzinhos do fórum, inocentes inúteis" que, na verdade, estavam propondo as questões mais óbvias e que também interessavam ao outro lado da mesa. Será mesmo que havia um "outro lado"? Esse suposto outro lado assumiu seu principal interesse no mercado, BNDES e editais públicos para compra de CDs, esquecendo toda uma produção em alta escala, antenada nos últimos avanços tecnológicos e dispostos a discutir e propor diversas questões novas e antigas, como foi e é feito nos fóruns locais e nacional. Esses jovens incluíam diretamente os autores desse dossiê, o goiano Du Oliveira e o experiente Cláudio Ribeiro, além também de nomes como Antônio Adolfo! Este que já disse publicamente não ser um músico independente e sim um auto-produtor, termo que unifica todos esses “jovenzinhos”. Jovens ou nem tanto que, além de estarem sim preocupados com as tendências do mercado, também se preocupam com a circulação de sua obra, sua produção em todas as etapas, sua divulgação, seus shows, sua qualidade técnica e artística e com o desenvolvimento do país, que passa inevitavelmente pela cultura. Afinal, quase 70% do que é gerado de riqueza pela cultura vem da música brasileira, e grande parte desse bolo não possui CNPJ e não está filiado à ABMI.
Enfim, voltando ao ECAD, o que parece ter sido a grande discordância é a suposta intenção desses auto-produtores em propor o fim dessa instituição. A não ser através de uma grande revolução, isso não seria possível, e realmente não foi dito em nenhum momento. O que foi proposto, sim, foi a exigência de transparência e eficiência desse importante órgão fiscalizador. Antes de apoiar incondicionalmente uma instituição, é preciso verificar seus meios de atuação e transparência. Como praticamente todo direito autoral do país passa pelo ECAD, ou seja, dinheiro de todos os compositores do país que é erroneamente mal distribuído para um grupo de quatro grandes empresas estrangeiras, é necessário que se explique o grande excedente financeiro da instituição nos últimos anos e a maneira de cobrança desses direitos das emissoras de rádio e TV, além dos shows ao vivo, e que esse mecanismo seja transparente e contemple toda essa imensa produção musical independente no país. Somente através do resgate de sua credibilidade é que o ECAD poderá efetivamente cobrar as quase 60% emissoras inadimplentes no país, e repassar esse montante para seus devidos detentores, autorais e conexos.
Essa reformulação e transparência são urgentes, seja através de uma agência reguladora (como foi proposto e ignorado no documento final do evento) ou pela completa reestruturação do sistema de arrecadação e repasse desses direitos no país. Tais idéias parece não ter contemplado o outro lado, que insistia na importância da existência do ECAD, coisa que não era questionada.
Por mais que a própria existência dos direitos de propriedade intelectual esteja sendo questionada hoje em dia, principalmente pela explosão da internet, ainda vivemos numa sociedade onde isso é um excelente negócio. No meio do tiroteio sobrou até para Creative Commons, acusada de ser um novo mecanismo das grandes gravadoras de não pagar direitos autorais. Para os independentes, é claro (será que faz sentido?). Mas é ilusão acreditar que todos abrirão mão dos direitos de propriedade intelectual em prol de uma sociedade mais justa. Enquanto o messias não retornar para nos ensinar o caminho para o paraíso, muita gente vai ganhar dinheiro com isso, e os mais de R$ 50 milhões que “sobram” nos caixas do ECAD quase todos os anos têm dono: a chamada música independente, que não é contemplada por uma distorção na forma de distribuição desse recurso. E isso somente analisando essa verba excedente. Talvez não seja interessante para a UBC e AMAR mudar muito o jogo, pois dessa música independente, certamente, os músicos oficiais com CNPJ devem levar vantagem. Mas o estranho é que, muito provavelmente, até eles mesmos ganhariam mais com seus direitos autorais. Quem sairá perdendo serão as grandes gravadoras. Nada mais justo, afinal é por isso que estamos discutindo há anos. Mas a UBC não era a sociedade do ECAD que historicamente representa (ou pelo menos representava) essas empresas?
5. Conclusões
É importante analisarmos a importância deste evento para o futuro das discussões sobre música independente, afinal várias figuras importantes politicamente estavam presentes. É importante também percebermos o que realmente está em questão, que são os interesses de uma sociedade plural com diversas manifestações distintas, e é natural que cada segmento defenda seu ponto de vista. Foi assim no embate entre a cultura e o esporte sobre a criação da Lei do Esporte, que previa uma divisão dos recursos federais entre os dois segmentos. Felizmente, nesse caso, as duas áreas saíram vitoriosas. Nem sempre é assim.
E esse encontro mostrou claramente os interesses de uma elite musical brasileira que já apanhou muito, e aprendeu como funcionam os meandros da música brasileira e, sabidamente, estão tentando reverter a situação a seu favor. Ficou claro também, a intenção de uma grande parcela dos músicos auto-produtores reivindicando a participação no processo, que de fato, já ocorre em outras instâncias até mais importantes. De fato, todo o objetivo desse documento é oficializar a música independente, passível de benefícios governamentais e, naturalmente, excluir uma outra parcela, que na verdade compartilha dos mesmos interesses. Toda discussão sobre o ECAD expôs, na verdade, essa outra dicotomia mais profunda. A polêmica, de fato, nem tinha tanto pano pra manga. Uns queriam uma mudança mais radical e outros uma discussão mais demorada e interna. Nada mais do que isso, e talvez o ideal, nesse caso, seja um pouco das duas coisas.
Como apontado no livro Contra-Indústria, escrito pelos autores desse dossiê, não há a intenção de se eleger nem bandidos nem mocinhos. O título não propõe uma revolta contra a indústria, assim como a contracultura não se opunha a cultura. É apenas uma outra visão de produção, na qual se encaixam os auto-produtores. A grande indústria está aí e vai continuar. A questão é somente corrigir as distorções existentes, o que é bem mais complicado do que parece. Da mesma forma, no fundo não houve “outro lado” nesse encontro. Vários pontos são reivindicações comuns, que beneficiariam todos os artistas fora das grandes gravadoras. Porém, interesses pontuais de um grupo se sobressaíram e, por isso, essa divisão. Portanto, é fundamental que outros interesses também sejam expostos. Inclusive é necessário conhecer e acompanhar todas as transformações, não só as mercadológicas. Prova dessa estranha desinformação de alguns foi uma veemente manifestação de que o CD não está comprometido como objeto de música porque um restrito mercado tem aumentado suas vendas, justamente o de música independente. Fato ainda inédito, mas até esperado de um emergente segmento.
“Todos querem estar no topo do mundo; a diferença é entre os que querem estar sozinhos e os que querem estar com todo mundo”. Essa frase resumiu todo o evento. Travestidos no discurso de “salvar a música brasileira das garras do capitalismo”, o que, como já foi dito, não é um objetivo romântico de ninguém, as empresas nacionais estão pleiteando, justamente, mais espaço dentro do nosso mercado. O problema é que existem, no mínimo, três vezes mais produtores e artistas fora inclusive das empresas nacionais, e muitos nem almejam qualquer gravadora. Esses últimos, os modernos auto-produtores, deixaram claro sua intenção de participar de vez do jogo e, a partir de agora, isso é oficial.
Estrela Leminski
Téo Ruiz
Legal, Téo. Nunca tinha ouvido nessa prática dinamarquesa de relacionar o pagamento de direitos autorais com a quantidade de execuções da música nas rádios. Não sei bem como funciona a coisa, mas será que isso não pode acabar gerando injustiças?
Queria aproveitar para dar o link da Rede Rio de Música, que está tendo reuniões regulares com a intenção de achar soluções para os problemas que afetam as pessoas que produzem música na cidade. Abraço
Pois é Helena, valeu pelas dicas! Acabei entrando em contato com uma menina da Rede Rio de Música, e ela me falou por cima dessas discussões. Preciso mesmo entrar em contato com eles, ela me passou um email pra entrar em contato. Estão fazendo bastante coisas por aí mesmo, já tinha dado uma lida nesse blog. E acho que é por aí mesmo, discussões e intercâmbios são essenciais pra se chegar numa reivindicação mais completa.
Abraços!
Olá, Téo! Muito interessante essa matéria. Sou compositor e resolvi desengavetar meus projetos agora, depois de constatar que a internet seria um canal barato (e talvez o único) para a divulgação do meu trabalho. Acontece que, assim como eu, milhares de artistas que já tinham desistido de buscar um espaço no mercado musical, resolveram também ir à luta. Isso, por um lado é muito bom, porque aparece muita gente nova disposta a colaborar com idéias novas, mas por outro lado há uma quantidade enorme de gente buscando um lugar ao Sol e nem todas têm um comprometimento sério com a nossa cultura. Não sei sei estou sendo injusto falando isso, mas há muito lixo no meio disso tudo, embora saiba que isso seja consequência do que é exposto na grande mídia. O cara cria "Créu" e explode na grande mídia, enquanto muitos, com trabalho realmente sério, vivem a ver navios. E toma-lhe créu. Créu na cultura, créu na política e em tudo mais. Escrevo comentários aos meus amigos do myspace e, a um deles, disse: A produção cultural no Brasil nunca esteve tão vigorosa, ao passo que sua divulgação e acessibilidade nunca esteve tão vagarosa. Em resumo: Temos uma cultura rica e dinâmica sendo esmagada por um pequeno grupo que não está nem aí para isso, salvo se isso lhe render mais capital. Enquanto o "Creu" estiver dando grana, prá que arriscar meu capital com essa gente, pensam eles. E toma-lhe créu.
Deixei dois votos aí. Se tivesse mais os daria todos.
Abraços (sem créu).
Voltei agora para escrever só um recado, vou enviar a vc um link com uma pequena eestória do que era nos anos 70/80 essa de discos/obras independentes...inclusive muito mais importantes em termos de música e brasilidade do que muitos nas "paradas de sucesso", com mídia...
Elucida bem o que é essa luta dos independentes...
Parabens Téo e Estrela
ab
Pois é Abel, esse é o problema. As grandes gravadoras passaram faz tempo pra outra estratégia de marketing. E é isso mesmo, principalmente depois dos anos 80 passaram a violentamente priorizar o capital, como toda grande empresa. E enquanto isso, dá-lhe créu na música brasileira!
Aguardo o link Cintia, e obrigado!
Abraços!
Olá Téo, que cruzada que vc comprou eim amigo, mas é isso mesmo,o mercado esta estagnado faz tempo pelas majors, nao adianta chorar, tem que ir à luta e "cavar" os espaços ditos alternativos.
Sobre o Abel queria só comentar que quanto mais democracia na web temos que lidar com nossos preconceitos e intuir que o que não gostamos ou achamos irresponsável talvez não o seja para outros grupos e tendências. Mas o grande lance justamente é discutir e se posicionar. abração a todos
Obrigado, Capileh Charbel, pelo alerta! As vezes, na emoção do discurso, cometemos injustiças. Peço-lhe desculpas pela maneira que coloquei minha opinião, mas você sabe a que eu estou me referindo. A rede é fascinante exatamente por isso. Podemos discordar, ponderar ou concordar.
Grande abraço.
Pois é Capileh, e eu nem acho que essa é a pior cruzada que compramos! rs...
Mas tem que discutir, as mudanças estão aí e acho que temos que nos posicionar! Valeu, abraços!!!
conversar com gente educada é outra coisa.
capileh charbel · São Paulo, SP 21/4/2008 19:43
Téo, você e a Estrela deviam é cuidar do Leon ao invéz de ficarem se metendo com gente desse tipo. Em todo caso, se precisarem de ajuda é só chamar!
Beijos
Muito bom , parabéns!!!Votado.
Ps. Devido a importância da criação da Primeira Biblioteca Comunitária Especializada Em Cultura Afro-brasileira e Africana, no subúrbio de Salvador-Ba. Por Favor vote em: http://www.overmundo.com.br/agenda/biblioteca-comunitaria-especializada-em-cultura-afro-brasileira-e-africana
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