Ensaio fotográfico - Dekassegui vai à Europa

(C)Ricardo Yamamoto 2006
Ille de la Cité
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ricardo yamamoto · São Paulo, SP
22/11/2006 · 118 · 4
 

Observação: Esta matéria foi originalmente publicada na revista brasileira editada no Japão "Look", voltada à comunidade brasileira no Japão, e postei-a aqui com algumas adaptações porque achei ser válida nesse contexto.



Bancos de couro e conforto na Mercedes novinha. O relógio marca oito da noite mas o sol ainda está alto lá fora nessa época do ano. Estou num táxi pelas avenidas de Paris! Residindo no Japão por anos, passei os prévios meses sonhando enquanto fazia meu trabalho de brasileiro/peão de fábrica, e chegar aqui foi a primeira etapa de um passeio de quinze dias pelas terras do velho mundo onde, como turista/fotógrafo, meu objetivo era conhecer um pouco as pessoas e a vida desses lugares mais do que visitar os spots famosos. Como bagagem, apenas uma mochila com poucas roupas, câmeras fotográficas e filmes. No bolso, uma quantia de mil euros e um mapa da Europa. Para completar, o item primordial: um bom par de tênis.

Sem muito direito a extravagâncias, encontrei conforto básico mas suficiente num hotel de duas estrelas perto da grande estação de trem Gare du Nord. É notável a quantidade de estrangeiros imigrantes nos subúrbios da cidade e, de repente, senti uma certa tensão em ficar andando por ali com todo o dinheiro que tinha no bolso. Às dez e meia adormeci olhando as casas brancas pela janela do quarto com o céu ainda exibindo um restinho de azul.

No dia seguinte peguei o metrô e cheguei à ilha da Cité, no centro da cidade, num dia ótimo para fotografar. Andando ao longo do rio Sena e pela Champs Élysées, faz-se o encantador roteiro Notre-Dame, Louvre, Arco do Triunfo, torre Eiffel e outros. Aqui entendemos por que parisienses e italianas tem fama de serem as mulheres mais bem vestidas no mundo e também por que esta cidade continua a inspirar tantos artistas.

Apesar de a maioria dos franceses ser realmente bem francesa, o essencial eu conseguia comunicar. Sabendo no total umas cinco palavras, eu cumprimentava em francês para mostrar respeito pela cultura, perguntava se sabiam falar inglês e só então pedia a informação. Geralmente as pessoas procuravam ser prestativas, mas em Paris sempre há exceções, mesmo em lojas e restaurantes.

No terceiro dia da viagem economizei uma diária de hotel e provei um delicioso talharim a bordo do trem noturno, cruzando a França de Norte a Sul em direção à Itália. Na cabine de segunda classe viajavam seis pessoas em bancos que, dobrados, se transformavam em camas. Me enturmei com uma família de simpáticos franceses indo passar suas férias na Itália; Elan, Elizabete e Ilan, de quatro anos. Enquanto isso, lá fora os campos verdes com seus riachos cristalinos no interior da França passavam rápido. Eram idênticos aos das pinturas.

Às nove horas da manhã do dia seguinte eu chegava em Florença, na Itália. Florença é uma cidade pequena com uma quantidade fantástica de museus e monumentos e também de turistas, esgotando as vagas dos hotéis na alta temporada e deixando a cidade bem mais divertida e lucrativa, principalmente nos trajetos entre o Domo, Galeria Uffizi, estação Santa Maria Novella e tantos outros lugares. Em Florença pode-se ir praticamente a qualquer parte a pé e os hotéis ficam todos perto do centro da cidade. O clima de início de verão estava excelente, e em todos os lugares havia aqueles típicos restaurantes com mesinhas ao ar livre e seus vinhos mil, embalados ao som de serenatas; também pizzerias, trattorias e sorveterias fantásticas. Nesse ponto da viagem comecei a sacar que saía muito mais barato almoçar uma pizza ou um panini (sanduíche muito comum na Itália) sentado nos degraus dos monumentos do que fazer uma refeição em um restaurante, onde paga-se também pelo serviço. Estava difícil encontrar arroz, pois tanto em Paris como na Itália ele é substituído no dia a dia por batata, pão ou pasta, mas o que encontrei e não esperava foram jovens brasileiros trabalhando no Mercado, uma feira que circula a antiquíssima basílica de San Lorenzo. São como dekasseguis na Itália, que vão para trabalhar muito e tentar ganhar dinheiro. Mais uma vantagem de Florença é a sua proximidade com outras cidades famosas da região da Toscana: Pisa, Bolonha, Siena e os famosos vinhedos de Chianti. Um pouco mais além estava Roma, meu próximo destino.

Após três horas no trem fui direto ao hotel, bem próximo à estação central Termini; tracei um itinerário no mapa, saí andando até os lugares e vi que em Roma tudo fica muito mais interessante na medida em que conhecemos a história da cidade e do mundo. Caso contrário, lugares como o Coliseu tornam-se apenas montes de pedras e tijolos; então se você achar estar em falta com a cultura local, vale pagar um pouco mais por uma visita com guia. O ponto alto de Roma para mim foi o Palatino, uma grande área de relevo acidentado e ruínas por toda parte; ruínas que demarcam lugares e cenários incríveis que até hoje continuam a caracterizar a história da nossa civilização - os templos das Virgens Vestais, Apolo e de Vênus, as casas de Júlio César e César Augusto e os palácios e jardins que em outros tempos acolheram festas grandiosas e convidados ilustres, como a própria Cleópatra. Todos reunidos aqui, no coração de Roma, cercados por um silêncio profundo que só é quebrado pelo som do vento que vai carregando, aos poucos, as marcas do homem. Indo para o norte, passamos pelo Panteon e chegamos à piazza del Popolo. Pertinho de lá pode-se vislumbrar um final de tarde romântico nos degraus da piazza Espanha antes de voltar ao hotel. Há atrações para todos os gostos nesta grande e belíssima cidade e, se não souber onde ir, é só perguntar às pessoas locais. Elas normalmente terão orgulho em indicá-los à você.

Dois dias depois voltei para Florença, onde decidi fazer a maior parte do meu ensaio de fotografia. Arranjei um lindo apartamento de 500 anos de idade por apenas 3,5 euros a diária; fui me acostumando com o local e com a língua, conseguia passar os dias melhor e gastando cada vez menos e agora visitava restaurantes chineses sempre que sentia saudades de comer arroz! Passava os dias quentes na banca de frutas do Junior, brasileiro de Uberlândia, e à tarde ficava nas praças ou às margens do rio Arno observando os lugares e as pessoas e fazendo uma foto aqui e outra ali.

Diferente do francês, o jeito do italiano é realmente parecido com o do brasileiro e as pessoas no geral são bonitas, alegres e receptivas. Tanto nas lojas quanto pelas ruas é divertido ver os famosos ícones italianos; da arquitetura, iguarias e sapatos às roupas íntimas e outras coisas que conferem tanta popularidade a este país.

Encontrei pessoas do mundo todo, inclusive brasileiros de várias partes do Brasil mas, apesar de a maioria de nós que vive aqui no Japão ter condições de fazer passeios fabulosos, havia zero dekasseguis desfrutando a vida neste riquíssimo continente. O que está acontecendo? Se é por não acreditarem que fazer uma viagem dessas seja possível, aqui vão alguns toques para acalentar os seus planos:

Chegue lá: Fui em maio e dei sorte de conseguir bons preços e de pegar um ótimo clima, semanas antes do alto verão e da alta temporada. Com antecedência e um pouco de procura é possível conseguir passagens cujos preços não ultrapassam cem mil yenes (uns 980 dólares).

Hospede-se: Pesquise pela internet e reserve as primeiras noites antes de embarcar. Prefira acomodações nas proximidades das atrações para economizar tempo e dinheiro com transporte. Albergues da juventude cobram em torno de 3 a 4 mil yenes (25 a 35 dólares) por noite e oferecem cozinha e café da manhã, enquanto nos campings o preço é ainda menor.

Alimente-se: Aqui vale mais a razão do paladar do que a da palavra. Muito tomate, azeite e frios na maioria dos pratos, além dos deliciosos sorvetes, frutas, doces, pães e vinhos. Nos restaurantes a porcentagem pelo serviço geralmente vem inclusa na conta e nos baratíssimos estabelecimentos árabes e chineses não é necessário dar gorgetas. Mas o mais econômico mesmo é comprar os ingredientes nos supermercados e prepará-los você mesmo.

Comunique-se: Tudo ficará mais fácil e proveitoso se você souber falar um pouco da língua local. O inglês é idioma principal nos grandes centros turísticos da Itália, mas nem sempre o mesmo acontece em Paris.

Transporte-se: Pela Europa viaja-se fácil e principalmente de trem. Visitei apenas Paris, Florença, Pisa e Roma por conta do tempo e do dinheiro mas da próxima vez quero ter maior disponibilidade para conhecer outros lugares. Trajetos mais longos podem ser feitos também de avião ou navio.

Fotografe: Em geral estes são ótimos lugares para fotografar tanto em colorido quanto em preto e branco. Faça um curso básico de fotografia ou melhore sua imagens incluindo uma lente de visão ampla e utilizando o flash em horários de sol forte. Leve muitos filmes ou espaço no cartão de memória, porque no verão a melhor luz para fotos, a luz da tarde, dura horas.

Ame: Não importa a idade, as coisas lá podem ficar muito românticas. Esteja avisado então.

Uma boa viagem e arrivederci!

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Roberto Maxwell
 

Ola, Ricardo, bem-vindo ao Overmundo. Sugiro apenas consertar o titulo DekasseGui.

Roberto Maxwell · Japão , WW 20/11/2006 11:46
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ricardo yamamoto
 

valeu Roberto, não tinha visto (êh revisãozinha de merda...)

ricardo yamamoto · São Paulo, SP 20/11/2006 12:10
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zealbertosaraiva
 

legal ricardo, e agora ai no brasil, teremos mais ensaios

zealbertosaraiva · Mogi das Cruzes, SP 24/11/2006 12:12
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Edu Cezimbra
 

Ricardo,gostei demais das fotos, captaram muito bem a atmosfera das ruas e pessoas por quem cruzaste.Parabéns pelo texto leve.

Edu Cezimbra · Porto Alegre, RS 30/5/2008 10:39
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próximo à Gare du Nord, Paris. zoom
próximo à Gare du Nord, Paris.
Cruzando o Sena, Paris. zoom
Cruzando o Sena, Paris.
Estudantes de arte na Galeria Uffizi, Florença. zoom
Estudantes de arte na Galeria Uffizi, Florença.
Sobre o rio Arno, Florença. zoom
Sobre o rio Arno, Florença.
Il Palatino, Roma. zoom
Il Palatino, Roma.

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