Era Uma Vez no (Centro) Oeste

Eduardo Medeiros
Alexandre Couto com suas duas armas poderosas e a estética do possível
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Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS
27/10/2008 · 278 · 17
 

Uma idéia na cabeça, uma câmera na mão e muita força de vontade. Esta é a receita básica que transforma Alexandre Couto em um capítulo incrível e pitoresco do cinema sul-mato-grossense. Sem nenhum apoio governamental e empresarial, este três-lagoense de 58 anos fez nada menos do que seis produções cinematográficas, deixando para trás pomposos diretores que mais falam do que propriamente produzem.

O detalhe é que as produções de Alexandre são todas de ação - tipo western spaghetti -, se passam integralmente em Campo Grande e arredores, o elenco é de gente simples e desconhecida e o custo é praticamente zero.

"Nos meus filmes eu gasto mais com combustível. Os atores não têm cachê, usam as próprias roupas como figurino, a comida cada um leva a sua e os cenários são lugares públicos da própria cidade de Campo Grande", explica.

A ligação de Alexandre com o cinema começa no início dos anos 60 na sua cidade natal Três Lagoas - divisa com São Paulo, a 338 km de Campo Grande. Um dia, andando em frente ao extinto Cine Lapa, um funcionário desafiou Alexandre dizendo que ele não conseguiria fazer um desenho reproduzindo o cartaz do filme que estava em frente ao estabelecimento.

Alexandre não só fez a réplica do cartaz, como foi contratado pela direção do cinema para ser o desenhista dos painéis que anunciavam filmes que seriam exibidos, o que ocorria em média três vezes por mês. Em um tempo que não existia o "conforto" da Internet, Alexandre tinha de escrever o nome e elenco do filme, assim como os horários de exibição, além de desenhar os próprios atores principais da produção.

"Eu me liguei em cinema porque naquela época eu não assistia a televisão. O cinema era a diversão da cidade e a tela grande me fascinava", conta.

Mais aprimorado no desenho e na pintura, Alexandre foi contrato em 1969 para trabalhar no Cine Santa Helena, que ficava no centro de Três Lagoas, e era da Rede Pedutti, empresa que tinha dezenas de salas espalhadas pelo Brasil. Não demorou para ele ser transferido em 1970 para o Cine Alhambra, o principal da cidade até o começo da década de 80 e hoje demolido por uma obra inacabada do Hotel Blinder no coração da Avenida Afonso Pena.

"Lembro de ter feito painéis de filmes nacionais como 'O Menino da Porteira', de faroestes como 'Vou Mato e Volto' e 'Django', além de produções de MS, como o 'Caingangue', de David Cardoso", enumera. O "pulo do gato" aconteceu dois anos depois.

Produção

Alexandre começou a enveredar para a própria produção de cinema no final da década de 70. Juntamente com os amigos José Reinaldo - que trabalhava com ele no Alhambra - e Lucas Martins, o criador de painéis resolveu tentar produzir alguma coisa com a câmera Super-8 que tinha acabado de comprar. Em 1978, conseguiram finalizar o experimental "Vingança Maldita".

O filme foi rodado em quatro rolos de três minutos cada e sem script. "A locação foi toda em Campo Grande na saída para Três Lagoas. O filme é de ação. A trama conta a história de um rapaz que encontrou uma mina e acaba assassinado. Então, um amigo parte em busca do assassino", detalha.

O elenco de "Vingança Maldita" se resumiu aos amigos de Alexandre e alguns figurantes. "Com este filme descobrimos que realmente podíamos fazer uma produção e partimos em frente", afirma.

Em 1980, Alexandre e os mesmos parceiros já alçaram vôo mais alto. Produziram o policial "A Marca do Destino". É a história de um sujeito que chega a uma cidade pequena, assalta um banco e acaba sendo caçado pelo policial do lugarejo. Detalhe, descobre-se que o policial é irmão do bandoleiro.

Sete anos depois, Alexandre produz finalmente o primeiro longa-metragem batizado de "Liberdade Para os Inocentes", com "inacreditáveis" 90 minutos de duração.

O enredo traça a história de um fazendeiro que escraviza menores e um capanga do mesmo resolve se rebelar e ajudar as crianças. "Usamos no elenco garotas do bairro Moreninhas (região afastada de Campo Grande e com quase 100 mil habitantes divididos em Moreninha 1, 2, 3...) que tinham entre 8 e 12 anos", ressalta.

A verdade é que após algumas produções bem "macarrônicas" (no bom e mau sentido) , o cineasta começa adicionar conteúdo nas suas histórias.

Alexandre se empolgou com a experiência e em 1993 produz dois curtas-metragens: "Imprevisto ao Acaso", de oito minutos, e "Fatalidade", de nove minutos. O objetivo era participar de uma mostra cinematográfica coordenada pela Fundação de Cultura de MS.

O desenhista, diretor e produtor faz então "Os Covardes Devem Morrer", desta vez com áudio melhor e 30 pessoas no elenco. O roteiro trata de grilagem de terras em 86 minutos. Faroeste social?

Conceito

Os filmes de Alexandre nunca "passaram" em cinemas. "Até hoje as minhas produções foram vistas apenas em alguns colégios de Campo Grande sempre perto de quando eu acabava os filmes", confidencia. Prova autêntica do esquema "faça você mesmo", o diretor faz rapidamente as contas do que já gastou em suas produções.

"Gastei no máximo R$ 3 mil em equipamentos", confessa. "Na verdade, eu nunca pensei em mostrar meus filmes e sim em provar que sou capaz de fazer", completa com seu jeito tímido e de bem com a vida. O equipamento de Alexandre são dois projetores - um sonoro e outro mudo - e duas câmeras - uma super 8 com áudio e a outra sem.

Como algumas pessoas pessoas pedem para ver as produções, Alexandre resolveu fazer algumas cópias de DVDs. Ele coloca na videolocadora de sua ex-mulher na Vila Jacy para locações e também em uma pastelaria no centro da cidade arriscando que algum comprador apareça. "Já vendi uns 18 DVDs", contabiliza. "E sempre tem alguém que loca também", garante.

No entanto, em fevereiro de 2008 ele acabou postando toda a sua produção no YouTube no canal CoutoPinturas.

Patrocínio

Alexandre afirma que jamais foi procurar ajuda para fazer seus filmes, nem no governo e nem em qualquer outro lugar. "Nunca pedi apoio. Até porque as pessoas não acreditam quando eu falo que faço filmes", justifica. O principal problema enfrentado por Alexandre para fazer seus "bangue-bangues" é em relação aos armamentos.

"Já teve ocasião em que a polícia não acreditava que a gente estava fazendo filme e encrencou com as armas, que no início eram de plástico. Gostaria de um apoio pelo menos para conseguir as armas, pois não sei como funciona e nem onde tenho que pedir autorização", exagera.

Bem guardadas as cópias dos filmes em sua casa, Alexandre planeja um próximo filme. Ele está esperando chegar a sua nova câmera, uma digital de alta definição que ele pagou aproximadamente R$ 6 mil. Alexandre vai se reunir com o mesmo "camarada" José Reinaldo para resolver qual será o roteiro. "A nossa estética é o possível", diz sorrindo.

Ele garante jamais pensou em entrar com projetos ligados as leis de incentivo governamentais. "Não quero ficar atrelado a ninguém", jura. Ele também não cria expectativas com a sua obra. "Amanhã eu morro e acabou", decreta o "Sergio Leone" da Cidade Morena.

Alexandre Couto/Filmografia

- Vingança Maldita (1978) (Parte 1 / Parte 2 / Parte 3)
- A Marca do Destino (1980) (Parte 1 / Parte 2 / Parte 3)
- Liberdade Para os Inocentes (1987) (Parte 1 / Parte 2 / Parte 3)
- Imprevisto ao Acaso (1993)
- Fatalidade (1993)
- Os Covardes Devem Morrer (1994)

Contato: coutopinturas@isbt.com.br ou teixeira.rodtex@gmail.com

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Helena Aragão
 

Que história ótima a do Alexandre. Adorei a foto dele com as "armas". :)

"eu nunca pensei em mostrar meus filmes e sim em provar que sou capaz de fazer". Poxa, mas certamente um monte de gente ia curtir ver a cidade sendo palco de um filme dele. E gente que faz cinema artesanal também.

Que bom que está descobrindo a internet para fazer a produção ser mais conhecida por quem se interessar (Alexandre, posta os filmes no Overmundo também!)

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 25/10/2008 15:08
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Helena Aragão
 

Aliás, esqueci uma pergunta: bom desenhista como ele é, nunca pensou em fazer um filme de animação?

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 25/10/2008 15:08
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Rodrigo Teixeira
 

Olá Helena, a história do Alexandre é realmente curiosa né?

Não sei se ele pensou em animãção. O que sei é que ele está preparando uma nova produção. E no mesmo estilo bangue-bangue-social-paraguaio...

Vou conseguir com ele umas cópias em DVDs e aproveito para sugerir as postagens aqui no Overmundo.

valeu...

Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 27/10/2008 01:29
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Andre Luiz Mazzaropi
 

Rodrigo Teixeira; O Alexandre Couto, o qual não tive o prazer de conhece-lo é sem sombra de duvidas ultima das paginas marginalisadas do Cinema Nacional; Sem apoio, sem reconhecimento; mais com muita dignidade e amor pela setima arte; Ter trabalhado nos cinemas do Pedutti já o credencia para ser um grande conhecedor de filmes e do cinema; a experiencia de produção sim e que é preciso muita coragem uma idéia na cabeça e uma camera nas mão e outra no coração. Mazzaropi meu pai; após ter feito 8 filmes de grande sucesso para diversas empresas acreditou nisso e fez a sua parte acreditou alugou alguns equipamentos da quebrada Vera Cruz vendeu nossa casa, carro, papagaio e etc e fez seu primeiro filmes Chofer de Praça, satira de seu primeiro filme pela Vera Cruz Sai da Frente; satira dele mesmo; Fundou a Pam Filmes produziu 24 filmes De 1.961 a 1.980 meu pai o Mazzaropi produziu com recursos próprios 24 filmes dos quais 18 estão entre os filmes mais assistidos do cinema nacional. 06 são recordista de publico e o filmes Jeca Macumbeiro é o maior recordista de publico e renda da historia do cinema nacional colocou em 4 semanas de lançamento 16.800.000 pessoas pagantes em 4 semanas de exibição, igualando ao maior recordista mundial de publico, que é o filmes O Tubarão no Brasil colocou 16.600.000 nas mesmas 4 semanas todos em 1.975.
Em nossos cardex, (PAM FILMES)- (Controle de exibição -Praça-Publico e renda) - o filmes Casinha Pequenina colocou de seu lançamento 1.963 á 1.983 - quando a Pam Filmes fechou, 93.867.000 de pessoas - equivalente a toda a população do Pais). sem contar os outros filmes que atingiram neste periodo 178.779.300-) .
Em Julho de 1.981 - um mes da morte de Mazzaropi no cardez da Pam Filmes existiam cadastrados 11.648 salas de exibição no Brasil, sendo que apenas 48 cinemas tinha mais de uma sala, com média de 800 lugares. Havia naquela época cinemas com salas entre 500 e 3.000 - caso do Penharama-SP.
Mazzaropi construiu sua pagina na historia do Brasil, falta continuar escrevendo este livro é preciso repensar o cinema nacional, as produções de cinema vem acontecendo mais onde exibilos. Mais vamos adiante continuar escrevendo esta historia.
abraços
André Luiz Mazzaropi
O Filho do jeca
www.andreluizmazzaropi.combr

Andre Luiz Mazzaropi · Taubaté, SP 27/10/2008 11:10
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Rodrigo Teixeira
 

Olá André Luiz, que satisfação receber o seu comentário. E estou impressionado com os números que você lista referentes aos Mazzaropi. Aliás, desculpe a ignorância, mas já existe uma biografia do seu pai certo? E este seu pequeno post já confirma que valeria um imenso e saudoso livro sobre a vida emblemática do inesquecível Mazzaropi. Quero mais... valeu!

Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 27/10/2008 12:23
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Ilhandarilha
 

Rodrigo, a história do Alexandre me lembra um cara daqui, seu Manoelzinho. A história dele já rendeu um curta no Revelando os Brasis.
Incrível como tem tanta gente Brasil afora que não tá nem ai pras leis de incentivo e colocam a mão na massa com vontade. Me faz pensar que sou preguiçosa!
bjo

Ilhandarilha · Vitória, ES 28/10/2008 18:50
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Ilhandarilha
 

André, li que existe um projeto de filmar a vida de Mazzaropi. É verdade? Seria muito bom, heim?

Ilhandarilha · Vitória, ES 28/10/2008 18:52
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Marcelo Cabral
 

Que figura hein Rodrigo? A foto de abertura está demais!
Tua história sobre o Alexandre Couto me lembrou essa aqui.
Abração!

Marcelo Cabral · Maceió, AL 29/10/2008 11:19
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Rodrigo Teixeira
 

Oi Ilha! Realmente diante de casos como o do Alexandre, a preguiça vem logo nos infernizar. Eu também sou bastante e poderia fazer muito mais. Vamos tentar?

E Marcelão, todas as fotos são de um parceirão meu, que é o Eduardo Medeiros. Trabalha comigo no Estado e temos muita história já na reportagem. Vou ver o seu figura agora! abs

Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 29/10/2008 12:29
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Orisvaldo Tanniy
 

Gostei e votei.Um Abraço!

Orisvaldo Tanniy · Teresina, PI 29/10/2008 12:48
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Nic NIlson
 

Marginais, margianalizados, marginalia de Mato Grosso. Eu fico de pe´e grito bravo p vc, amigo, que faz das tripas coração. Mas passa os filmes na escola, na prça, na prisao,,, num fica so no fazer nao.... vc ja provou q e capaz de fazer, agora prove q vc é capaz de levar milhares na praça p ver seu filme. Vamos lá! Eu vou ficar torcendo.
Abcs

Nic NIlson · Campinas, SP 29/10/2008 20:29
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ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS)
 

Qual foi a minha surpresa e ao mesmo tempo contente, quando que, por curiosidade cliquei busca no google a palavra COUTOPINTURAS e descobri algo sobre mim neste mundo inimaginável de informações.
Muito obrigado mesmo, muitos aparecem por ns coisas, este não foi propósito, pois nunca imaginaria a existência da net, que seria visto pelo mundo, mas sim pra provar pra gente ( José Reinaldo, Lucas Martins e José Benetido Piranha) pessoas que faziam parte, que sem nenhuma experiência e com pouquíssimo equipamento, verdadeiramente artesanal, produzisse algo que necessáriamente era obrigado a ter, pelo menos conhecimento, mas tudo veio com a vontade e a percistência.
Agradeço por tudo, agradeço mesmo de todo coração.

Alexandre
( Coutopinturas)

ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS) · Campo Grande, MS 4/11/2008 12:06
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Tânia Brito
 

Bacana matéria Rodrigo! E isso me faz pensar, como desconhecemos as coisas da nossa região; não conhecemos nem mesmo os nossos vizinhos, ;)
Vou lá na locadora matar minha curiosidade in loco...hehehe

Tânia Brito · Campo Grande, MS 22/4/2009 16:51
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Rodrigo Teixeira
 

O endereço correto para contatar o Alexandre Couto é este coutopinturas@yahoo.com.br abx

Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 15/1/2012 01:50
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ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS)
 

As últimas; depois do lançamento do filme Honra, o primeiro longa em HD do MS, www.honraofilme.com
A Carol está produzindo um documentário, agora em fase pós produção, filme este que conta um pouco sobre as pessoas que me ajudaram nesta tarefa da sétima arte, com o título: "A estética do Possível"
Vamos aguardar!

Alexandre de Oliveira Couto
honrafilme@yahoo.com.br

ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS) · Campo Grande, MS 23/2/2015 19:18
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ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS)
 

Finalmente a Carol terminou o documentário, será exibido no MIS ( Av. Fernando Correa, 559 - 3o. andar) em 28 de Março 2016 em pré-estreia às 20h.
Pra mim será uma surpresa, não vi nada do conteúdo
Vamos lá pra conferir.
Uma coisa ela trocou de "Estética do possível" para "Questão de Honra"

ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS) · Campo Grande, MS 4/3/2016 23:13
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ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS)
 

Houve mudança de link do filme " Honra", precisamos economizar.
http://honrafilme.wix.com/honra

ALEXANDRE ( COUTOPINTURAS) · Campo Grande, MS 4/3/2016 23:17
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Alexandre com seu equipamento, fitas e muita simpatia zoom
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