Espanca!: Teatro de sensação

André Fossati
Grupo Espanca! encenando
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Sergio Rosa · Belo Horizonte, MG
18/9/2006 · 199 · 4
 

“Grupos jovens, dispostos a escrever o próprio texto, ao se perguntarem sobre o que querem falar, em geral apresentam respostas bastante similares. Todos querem falar do amor, do medo, da violência. Querem falar de perdas, de morte, de solidão e de sonho. Falar do que se passa dentro deles e no entorno”, Adélia Nicolete, dramaturga e professora.

Você compra o ingresso e aguarda na fila. Conversa ou fica em silêncio e ouve a conversa dos outros. É um dia comum, uma noite como as outras. A vida segue o script e você é o ator, por mais que não goste do ofício. A porta do teatro se abre, a fila começa a andar. Você entra, procura um lugar confortável e espera o início da peça. Toca a campainha, as luzes se apagam: breve silêncio. As luzes voltam, a peça tem início e alguém está no palco. Esse alguém é você.

É impossível assistir a uma apresentação do grupo Espanca! sem se reconhecer nas falas dos personagens. Beira o incômodo a sensação causada ao se ver no palco, apresentando uma peça, falando para toda aquela platéia sobre a sua vida: as suas relações, os seus medos, os sentimentos humanos em último estágio. Não é exatamente você que está ali no palco, mas, ao mesmo tempo, é.

O jovem grupo belorizontino representa com facilidade um teatro que, se foge do rótulo de ser chamado de “mineiro”, é conhecido pela característica desse povo: a simplicidade. Peças com pouco cenário, figurino prático, para platéias menores que ficam próximas a um palco não muito grande.

Surgido no Festival de Cenas Curtas, realizado pelo Grupo Galpão com o intuito de revelar novas criações locais e pensar o teatro em voz alta, com menos de dois anos de vida, o grupo teatral Espanca! já deu o que falar no cenário das artes cênicas do Brasil. Todo o reconhecimento do prêmio Shell e da Associação Paulista de Críticos de Arte é bem-vindo, mas com ele vem a responsabilidade dos próximos trabalhos. “As pessoas têm a expectativa que no próximo haja uma superação criativa da linguagem criada. É alguém ‘esperando’ por você e isso é bom para a existência das coisas, para a existência, no caso, de um grupo. Quer dizer que existimos. Quer dizer que nosso trabalho existe”, explica Grace Passô, atriz e dramaturga, que forma o Espanca! junto com Gustavo Bones, Marcelo Castro, Paulo Azevedo e Samira Ávila.

Grace escreveu, dirigiu e atuou em "Por Elise", a peça que rendeu os prêmios ao grupo mineiro e que pode virar filme. No trabalho mais recente, “Amores Surdos” (que estreou em maio desse ano), o Espanca! abriu mão da direção de Grace e convidou Rita Clemente para realizar a tarefa. A idéia era trazer um olhar externo para dentro do grupo.

Tanto “Por Elise” quanto “Amores Surdos” trazem duas histórias com personagens extremamente cotidianos e ordinários (no melhor sentido do termo), cada um carregando sua vida comum com prazeres e desprazeres, com seus “quentes” e “frios”. E não é essa a vida de cada um de nós? Talvez seja a prova de que o que fazemos da hora em que acordamos até a hora que dormimos dá um bom roteiro para um filme ou uma peça de teatro. Para transformar o cotidiano em espetáculo basta apenas ter a capacidade de se inspirar com ele. E é isso que Grace mostra: “Meus primeiros impulsos para criar são sempre baseados na coisa mais pragmática que existe: a sensação que determinada coisa me causa. Vou dar um exemplo: no texto de ‘Por Elise’ há um personagem que é um lixeiro. Os lixeiros, no dia a dia, inspiram uma espécie de alegria e leveza. E olha como essa é uma sensação deslocada da realidade trabalhosa que exige esse ofício.”

Na sua opinião, esse tipo de teatro ainda se restringe muito a um público específico. Para ela, as pessoas que freqüentam fazem parte de uma camada específica, e já estão acostumadas com esse tipo de trabalho. Quando pergunto para quem então ela gostaria de apresentar suas peças, Grace responde na impossibilidade “queria apresentar para mim mesma.”

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Júlia Tavares
 

parabéns pelo texto, sérgio. belo equilíbrio entre a reportagem e uma crítica respeitosa. sua admiração pelo trabalho do grupo é contagiante.

Júlia Tavares · Belo Horizonte, MG 18/9/2006 00:47
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Felipe_CiaMínima
 

O Espanca! é uma das minhas inspirações! Por Elise é arrebatador! Uma salva de palmas.

Felipe_CiaMínima · Santa Maria, RS 13/3/2007 22:04
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Polly Barros
 

Essa peça "Por Elise" me tocou muito quando tive a oportunidade de assisti-la aqui em João Pessoa. É sensível às questões "ordinárias", como bem disse o Sérgio, sem ser melodramática; é muito poética e ao mesmo tempo super real, cotidiana, até pq uma coisa não exclui a outra...
Ótimo texto, Sérgio.

Polly Barros · João Pessoa, PB 4/1/2008 17:07
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Mariana Calderan
 

"Por Elise" é um espetáculo sensasional!!!
É um espetáculo complexo dentro de sua simplicidade. Merece sempre uma "cerimônia de palmas".

Mariana Calderan · Araraquara, SP 30/3/2008 11:58
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